Uma asneira monumental de António Costa
«Pela boca morre o peixe – e há frases que têm o poder de fazer desabar uma boa estratégia, tal como o soar das trombetas desmoronou as muralhas de Jericó. Ainda há dias eu elogiava neste espaço o sangue frio de António Costa e o bom-senso com que tem gerido a crise. Mas na entrevista que deu na segunda-feira à TVI, o primeiro-ministro disse aquilo que jamais poderia ter dito sobre os meios com que o Serviço Nacional de Saúde está a enfrentar a pandemia: “Até agora não faltou nada e não é previsível que venha a faltar o que quer que seja.” Mais do que esta frase ser ridícula, inaceitável e uma falsidade descarada, ela é agora uma bomba-relógio nas mãos de António Costa. A cada falha do SNS – e haverá muitas – ela será esfregada na sua cara, como já está a ser, e nenhuma máscara lhe valerá.
Na segunda-feira, dia da entrevista, 8% dos infectados com coronavírus em Portugal – 165 pessoas – já eram profissionais de saúde. Desses, 82 eram médicos. É pouco provável que todos se tenham infectado a passar férias na neve nas montanhas Dolomitas. É mais provável que tenham sido infectados no cumprimento da sua missão, ou por não terem à disposição meios eficazes para se protegerem, ou por o país ter começado demasiado tarde a testar a população hospitalar internada com quadros de pneumonia. Quem está na primeira linha de combate à pandemia queixa-se diariamente de falta de material de protecção. Não há boas máscaras, não há batas, não há óculos, há poucas luvas. Os armazéns dos hospitais são uma tentação para funcionários menos escrupulosos. E conheço sítios onde os médicos escondem máscaras e luvas como se estivessem a proteger as jóias da bisavó dos exércitos de Junot.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou, na sua primeira comunicação ao país pós-quarentena, que "ninguém iria mentir a ninguém, a propósito do combate ao coronavírus. “Isto vos garante o Presidente da República”, acrescentou. Eis uma promessa rapidamente incumprida, não por sua culpa, mas por culpa do primeiro-ministro. No dia seguinte à entrevista, o Governo enviou à comunicação social uma longuíssima lista de todo o material entretanto encomendado, com centenas de milhares de fatos, milhões de toucas e dezenas de milhões de máscaras. Fico muito feliz com a dimensão da encomenda. Mas o problema da frase de António Costa é que ela não se conjugava apenas no futuro (“não faltará nada ao SNS!”) – o que, com boa-vontade, poderia ser encarado como uma injecção de motivação – mas também no passado (“até agora não faltou nada ao SNS”), o que é uma retinta aldrabice, como todos sabemos.
Ora, esta não é uma declaração que possa passar impune, por razões bastante evidentes: ela traduz um enorme desrespeito pelos milhares de profissionais de saúde que todos os dias enfrentam corajosamente, com mais boa vontade do que bom equipamento, uma pandemia que põe em causa as suas próprias vidas. Em Itália já morreram mais de vinte médicos com covid-19. Esses mortos merecem, ao menos, o respeito da verdade. Os números que surgiram até agora, em termos de internamentos hospitalares, dão alguma esperança a Portugal. Mas é demasiado cedo para embandeirar em arco, sobretudo quando existe uma flagrante ausência de testes, muito aquém dos necessários. Sou um admirador do talento político de António Costa, e até valorizo o seu optimismo irritante – mas as politiquices do “não faltou nem faltará” são indesculpáveis no actual contexto e não se podem repetir.»
«Pela boca morre o peixe – e há frases que têm o poder de fazer desabar uma boa estratégia, tal como o soar das trombetas desmoronou as muralhas de Jericó. Ainda há dias eu elogiava neste espaço o sangue frio de António Costa e o bom-senso com que tem gerido a crise. Mas na entrevista que deu na segunda-feira à TVI, o primeiro-ministro disse aquilo que jamais poderia ter dito sobre os meios com que o Serviço Nacional de Saúde está a enfrentar a pandemia: “Até agora não faltou nada e não é previsível que venha a faltar o que quer que seja.” Mais do que esta frase ser ridícula, inaceitável e uma falsidade descarada, ela é agora uma bomba-relógio nas mãos de António Costa. A cada falha do SNS – e haverá muitas – ela será esfregada na sua cara, como já está a ser, e nenhuma máscara lhe valerá.
Na segunda-feira, dia da entrevista, 8% dos infectados com coronavírus em Portugal – 165 pessoas – já eram profissionais de saúde. Desses, 82 eram médicos. É pouco provável que todos se tenham infectado a passar férias na neve nas montanhas Dolomitas. É mais provável que tenham sido infectados no cumprimento da sua missão, ou por não terem à disposição meios eficazes para se protegerem, ou por o país ter começado demasiado tarde a testar a população hospitalar internada com quadros de pneumonia. Quem está na primeira linha de combate à pandemia queixa-se diariamente de falta de material de protecção. Não há boas máscaras, não há batas, não há óculos, há poucas luvas. Os armazéns dos hospitais são uma tentação para funcionários menos escrupulosos. E conheço sítios onde os médicos escondem máscaras e luvas como se estivessem a proteger as jóias da bisavó dos exércitos de Junot.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou, na sua primeira comunicação ao país pós-quarentena, que "ninguém iria mentir a ninguém, a propósito do combate ao coronavírus. “Isto vos garante o Presidente da República”, acrescentou. Eis uma promessa rapidamente incumprida, não por sua culpa, mas por culpa do primeiro-ministro. No dia seguinte à entrevista, o Governo enviou à comunicação social uma longuíssima lista de todo o material entretanto encomendado, com centenas de milhares de fatos, milhões de toucas e dezenas de milhões de máscaras. Fico muito feliz com a dimensão da encomenda. Mas o problema da frase de António Costa é que ela não se conjugava apenas no futuro (“não faltará nada ao SNS!”) – o que, com boa-vontade, poderia ser encarado como uma injecção de motivação – mas também no passado (“até agora não faltou nada ao SNS”), o que é uma retinta aldrabice, como todos sabemos.
Ora, esta não é uma declaração que possa passar impune, por razões bastante evidentes: ela traduz um enorme desrespeito pelos milhares de profissionais de saúde que todos os dias enfrentam corajosamente, com mais boa vontade do que bom equipamento, uma pandemia que põe em causa as suas próprias vidas. Em Itália já morreram mais de vinte médicos com covid-19. Esses mortos merecem, ao menos, o respeito da verdade. Os números que surgiram até agora, em termos de internamentos hospitalares, dão alguma esperança a Portugal. Mas é demasiado cedo para embandeirar em arco, sobretudo quando existe uma flagrante ausência de testes, muito aquém dos necessários. Sou um admirador do talento político de António Costa, e até valorizo o seu optimismo irritante – mas as politiquices do “não faltou nem faltará” são indesculpáveis no actual contexto e não se podem repetir.»
"Pão, pão, queijo, queijo"! Tão verdade como estarmos todos aqui! Eu ouvi, tu ouviste, ele ouviu, nós ouvimos, vós ouvistes, eles ouviram!...
Indesculpável e, todos o desejamos, irrepetível!!!...
Leoninamente,
Até à próxima
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