Com Alemanha ou sem ela, avancem para os eurobonds
Tirem a ideia do papel e ponham-na em prática. Esperem quinze dias se necessário for, mas vão para a próxima cimeira dizendo: amigo não empata amigo, nós vamos avançar.
«Desde 2012 que os leitores desta crónica sabem uma coisa: não precisamos da Alemanha para emitir "eurobonds" - títulos de dívida comuns a vários países da zona euro. Ontem os leitores do colunista Wolfgang Münchau, do Financial Times, também o ficaram a saber. Pode ser que agora os eurocépticos portugueses comecem a prestar atenção.
Como se sabe, os países da zona euro têm uma moeda comum mas têm dívidas separadas. Isto torna o euro uma bizarria face a moedas como o dólar, e a zona euro uma bizarria face a outras uniões monetárias como os EUA.
O problema - atalha logo toda a gente - é que a Alemanha, junto com os outros Estados-membros da UE como os Países Baixos, não quer os eurobonds, e sem Alemanha nada feito, certo? Errado. O que eu tenho andado a dizer há anos nesta coluna (e creio que primeiramente no meu livro A Ironia do Projecto Europeu) é que há uma forma de emitir eurobonds independentemente da vontade da Alemanha e de outros estados-membros, e que essa forma está ali mesmo à frente do nosso nariz no artigo 20 do Tratado da União Europeia: chama-se cooperação reforçada. As cooperações reforçadas podem fazer-se quando há um número suficiente de países que desejem avançar em conjunto numa área em que outros países não desejem avançar. Não é um mecanismo inédito, nem é um mecanismo fraco. Na verdade, um dos instrumentos mais reconhecidos da União Europeia começou exactamente como uma cooperação reforçada: trata-se do Espaço Schengen. Os outros países juntam-se quando desejarem.
O número de países necessário para iniciar uma cooperação reforçada está fixado nos tratados: é nove. E essa é a chave para ler a carta enviada por vários governos ao Presidente do Conselho Europeu para defender a emissão de eurobonds (ou “coronabonds” de recuperação económica em resposta à crise do coronavírus: a carta foi assinada por nove países (Bélgica, Eslovénia, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal). Esse pormenor pode escapar a uma boa parte do público, mas podem ter a certeza que os serviços legais das instituições europeias e dos vários governos nacionais sabem muito bem qual é o número mágico e o que ele significa: que estes países podem avançar sozinhos para a emissão de eurobonds, sem precisarem de que a Alemanha e os Países Baixos participem no esquema. Mais do que o conteúdo da carta, é o número de assinaturas que passa a mensagem: “se vocês quiserem, avançamos para os eurobonds; se não quiserem, avançamos também”.
Infelizmente, parece evidente pelas conclusões do Conselho Europeu de ontem (dando duas semanas às instituições europeias para desenharem um plano de recuperação económica pós-covid-19 e falando apenas de acção “coordenada” dos estados-membros, em vez de uma acção “comum”) que os signatários da carta não estarão dispostos a cumprir com esta ameaça implícita de avançarem sozinhos. Mas fazem mal. Uma ameaça só é eficaz quando se está disposto a cumprir com ela. E ao contrário das pseudo-ameaças tontas de saída da zona euro, que só prejudicam quem as faz e prejudicariam ainda mais quem cumprisse com elas, a ameaça de avançar a nove para a emissão de eurobonds só beneficiaria os países que primeiro cumprissem com ela, não só politicamente, como economicamente também.
Reparem: entre os signatários da carta estão três das quatro maiores economias da zona euro. Todos os países signatários têm os défices controlados (até agora) e um deles tem a menor dívida pública da zona euro (o Luxemburgo; a Irlanda e a Eslovénia também estão entre as dívidas públicas mais baixas). Calculava-se nos anos piores da crise do euro que uma emissão de eurobonds poderia destinar-se a um mercado global de cerca de 4 biliões de euros (4 milhões de milhões). É um número enorme, equivalente a quase quarenta vezes o orçamento anual da UE. Mesmo que estes nove países conseguissem angariar apenas oito vezes menos, 500 mil milhões, este montante seria já maior do que o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Com a gestão dos fundos atribuída a uma agência comum supervisionada pela Comissão Europeia e com assento para o Parlamento Europeu no seu Conselho, e com um plano de acção inovador no apoio à ciência, à investigação e à tecnologia na saúde, os “coronabonds a nove” seriam certamente apetecíveis como porto seguro para os aforradores internacionais. Mas no imediato encontrariam um comprador que, segundo os relatos de ontem, aprovou já a ideia em princípio: o Banco Central Europeu.
Se os “coronabonds a nove” são uma boa ameaça, eles seriam melhores ainda como realidade política. Os países que não entrassem teriam de explicar aos seus eleitorados porquê desperdiçar esse influxo de financiamento e esse gesto de solidariedade. E o tema entraria certamente nas próximas eleições alemãs, com os Verdes, a subir nas sondagens, a provavelmente terem de se posicionar pela entrada do país no sistema.
Por isso, tirem a ideia do papel e ponham-na em prática. Esperem quinze dias se necessário for, mas vão para a próxima cimeira dizendo: amigo não empata amigo, nós vamos avançar. Estar disposto a emitir eurobonds, com ou sem a Alemanha, é o preço da liderança na Europa.»
(Rui Tavares, fundador do Livre, in Público, hoje às 05:55)
Em tempo de ter tempo para matar o tempo com aquele que será, hoje por hoje, o meu maior prazer, tenho vindo a desbravar 'terrenos' onde a falta de tempo nunca me deixou entrar. E a descobrir tão curiosos quanto assertivos pensamentos e posições em que talvez nunca me tenha sido dado pensar!...
Depois de ter aplaudido ontem, de pé e empolgado, a resposta do nosso Primeiro Ministro à estúpida e "repugnante" afirmação do ministro das finanças holandês, tive hoje a feliz oportunidade de ler o excelente artigo publicado por Rui Tavares e fazer o cruzamento entre as posições destes dois 'orgulhosos portugueses', tendo concluído que, se calhar, seria muito curioso ver António Costa, amanhã, a 'dar baile' a essa 'quadrilha de nórdicos mancomunados' até conseguir fazê-los ajoelhar!...
Fartava-me de rir!!!...
Leoninamente,
Até à próxima
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