Vencer a Covid-19 e os vírus do futebol
«A Covid-19 veio condicionar o nosso dia-a-dia e ainda não sabemos por quanto tempo. Tudo agora parece secundário — e é mesmo secundário —, a não ser o objectivo de cuidar das pessoas infectadas, fugir ao vírus, não ser por ele apanhado e afastá-lo do nosso quotidiano.
Estamos na fase do controlo sanitário, são apresentados diariamente contadores que nos indicam, o número de vítimas, de contaminados e de recuperados e essa contabilidade vem-nos dando a dimensão e os efeitos da pandemia. Lentamente, apercebemo-nos que tínhamos de tomar precauções — o vírus não brinca, mata — isolarmo-nos e seguir as recomendações das autoridades. A pouco e pouco, e não é difícil de percepcioná-los, vamos tomando consciência de outros impactos que aí vêm, nomeadamente no plano económico.
A prioridade tem de ser salvarmo-nos e salvar quem nos rodeia. Todos estamos já conscientes de que houve uma vida antes do Covid-19; há uma vida durante o Ciovid-19 e haverá uma vida depois do Covid-19. Todas diferentes.
Houve diversas formas de encarar a pandemia e quem mais relaxou sofreu mais cedo as consequências desse relaxamento. Tive sempre muito presente que, quanto mais cedo fossem impostas medidas restritivas, mais cedo partiríamos para um novo ciclo das nossas vidas, pelo menos em termos de controlo sanitário e de redução do número de vítimas. Não adianta muito, contudo, avançar com percepções ou sentenças, porque devemos ter todos a frieza de perceber que a situação não é fácil de gerir por quem nos governa.
Em Portugal, reagimos um pouco tarde, as fronteiras foram fechadas com alguns dias de atraso e o estado de emergência decretado com alguma cerimónia e com algum romantismo, ‘à portuguesa’, mas percebo que, para além do impacto nas áreas da saúde e da economia, é preciso não levar as pessoas ao desespero e não criar a sensação de um estado desgovernado.
Podemos ou não concordar com algumas medidas, mas este não é o tempo do debate político nem de outro tipo de debates. Este é o tempo de elencar prioridades e as prioridades são as pessoas. Salvar vidas, tomar as medidas necessárias para diminuir até eliminar o perigo de contágio, ser responsável perante cada um de nós e perante a sociedade, e isso — já o sabemos — já nos custou a alteração de muitas dinâmicas.
Este vírus deixará muitas sequelas e mesmo aqueles que não foram apanhados por ele estão, em muitos casos, a viver tempos difíceis, com o isolamento. Há um impacto de natureza psicológica que nunca será contabilizado oficialmente. E, por isso, não é difícil de prever a existência de um pós-Covid-19, cujos contornos afectarão os povos da Europa e do Mundo, nos próximos anos.
Agora talvez não seja o momento para perceber a origem deste vírus e no tempo mais radical da contra-informação será sempre muito difícil apurar se este vírus foi, ou não, fabricado em laboratório, e sabê-lo apenas contribuirá para determinarmos até onde pode chegar a capacidade destruidora do ser humano e se temos a força e a determinação para combater a mortandade.
De repente, habituados a discutir todo o tipo de mundanices, se o tipo está gordo ou magro, se vai ao ginásio, se veste Prada, se é melhor do que o vizinho, e outro tipo de ‘escapes’, como as novelas e o futebol, vimos um número restrito de políticos a ocupar o palco mediático e a Informação ‘bactereologicamente pura’ a cumprir o seu papel. Cada qual à sua maneira, vimos um Presidente da República a fazer um recuo estratégico, imposto, em relação à sua forma tradicional de ser e estar; vimos um primeiro-ministro consciente da importância do seu equilíbrio e vimos uma oposição genericamente responsável. Na verdade, o país percebeu que ‘isto não está nem é para brincadeiras’ e finalmente abandonou o discurso demagógico e violentamente intrusivo.
Tudo tem um lado positivo e, mesmo numa crise com estes contornos e dimensão, podemos sempre achar coisas positivas, e esta é a maior de todas: o abandono da discussão espúria e absurda, nomeadamente no futebol, discussão virulenta, geradora de ódios. Este sim, um vírus comprovadamente fabricado em laboratório e cuja responsabilidade de disseminação deveria permitir duas coisas: a criminalização ou a remissão (voluntária).
Na segunda-feira, o primeiro-ministro António Costa, em entrevista à SIC, questionado sobre o impacto do coronavírus no futebol, afirmou que [o futebol] se trata de "um mundo à parte" e que neste momento não é uma prioridade socialmente aceitável, considerando as prioridades definidas pelo Estado.
O presidente da Liga, Pedro Proença, foi lesto a responder e disse que as palavras de António Costa foram ‘inapropriadas’, exigindo… "respeito".
Percebe-se que, do alto da sua condição formal de ‘presidente dos clubes’, cujo poder é infinitamente mais pequeno do que aquele que a soma dos clubes profissionais poderia sugerir ou mesmo recomendar, Pedro Proença quisesse defender a(s) sua(s) dama(s).
Fê-lo no momento errado.
António Costa tem razão: em termos de apoios e ajudas, o futebol não faz parte das prioridades e é mesmo ‘um mundo à parte’. É um ‘mundo à parte’, esclareça-se, porque os Estados assim quiseram, e achava eu — até há uma década atrás — porque os Clubes também queriam assim. Acontece que os Clubes e os seus dirigentes há muito que vêm pedindo a intervenção do Estado, pelo que são os Governos que ainda não se acostumaram à ideia de que a sua demissão, neste domínio, é apenas mero comodismo.
Temos um longo caminho a percorrer neste ajustamento entre as ‘leis do futebol’ e as leis do(s) país(es), mas esta demanda de Proença segundo a qual "o futebol exige respeito" é apenas uma reacção (pseudo) corporativa. Por uma razão muito simples: o futebol para exigir respeito é preciso saber dar-se ao respeito. E este tempo de restrições pode ser uma excelente oportunidade para esse efeito.
Ninguém negligencia a importância do futebol nas nossas vidas. Mas, em Portugal, o futebol tem uma componente tóxica mortífera, equivalendo a um vírus letal. Temos todos de fazer um esforço colectivo para mudar comportamentos, não deixar que os dirigentes acentuem a clubite, a divisão geográfica e territorial, a utilização das claques como exércitos contra a paz e a falta de transparência.
Temos, primeiro, de vencer o Covid-19, mas, a seguir, temos de tratar dos vírus que infectam o futebol.»
(Rui Santos, Pressão Alta, in Record, hoje às 18:13)Temos, primeiro, de vencer o Covid-19, mas, a seguir, temos de tratar dos vírus que infectam o futebol.»
Em tempo de recolhimento...
Há leituras que fazem bem!...
Leoninamente,
Até à próxima
Um bom fim de semana a todos os amigos sportinguistas do leoninamente.
ResponderEliminarIgual para si amigo Leão da Marisol. Grande abraço.
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