A morte saiu à rua
«O choque brutal chegou numa bela manhã de estio. A morte saiu à rua num dia assim, como cantava Zeca Afonso numa das suas mais belas letras contra a guerra colonial.
Na morte de Diogo Jota e do seu irmão André Silva, porém, assistimos mais à repetição de uma tragédia habitual naquelas estradas espanholas da rota dos nossos emigrantes. Uma tragédia que, felizmente, já não é tão frequente como há uns anos, mas mantém vivo o velho refrão da canção “vai devagar emigrante”, metáfora que aconselha a preparação de viagens como a que os jovens futebolistas estavam a fazer ao mais ínfimo detalhe.
A morte brutal de Diogo Jota trouxe a relativização absoluta de todas as misérias humanas, pequenas ou grandes, de todas as guerras determinadas pelo egocentrismo, que moldam tanto (demais) o futebol dos nossos tempos. A morte de Diogo Jota é, afinal, um golpe profundo numa forma romântica de estar no futebol.
O jovem jogador do Liverpool estava no clube que permitia libertar uma personalidade apaixonada pela bola, de entrega, de antes quebrar que torcer, uma delícia para os espectadores que se nutrem dessa velha alquimia do futebol de rua e popular.
É também um golpe na hipocrisia que vai fazendo as notícias de cada dia, futeboleiras ou não. Como aquela do tribunal que entronizou Pinto da Costa, dando-lhe definitivamente os céus e umas asinhas de inocente querubim. Pinto da Costa não foi condenado no 'Apito Dourado', logo é como se o 'Apito' nunca tivesse existido. Esta é a lógica imbatível do Tribunal Judicial do Porto no processo contra Varandas. Ou, noutra dimensão do espectáculo mediático de cada dia, a morte no auge da juventude, de Diogo Jota e do seu irmão, expõe ainda mais a relatividade argumentativa do homem que se transformou numa espécie de palhaço de si próprio, como é o caso de Sócrates. A morte leva tudo à frente, incluindo o trapezismo de tartufos e bufarinheiros, como o que assistismos ontem à porta do Campus da justiça.
A morte traz a dor inapagável, projecta o ridículo dos mundos que a rodeiam no caleidoscópio das notícias. Essa é a sensação de todo o dia de hoje, à medida que o brutal desaparecimento do jovem futebolista internacional foi monopolizando os écrans e encheu de tristeza uma Nação inteira.»
Que nojo de mundo!!!...
Leoninamente,
Até à próxima