Enquanto houver estrada para andar
«1 A sede de permanente evolução de Rúben Amorim foi a grande base de um título inquestionável do Sporting, que ostentou o modelo de jogo mais completo do campeonato, afiançando o domínio sobre as partidas e uma ferocidade permanente no assalto ao arco rival, bem atestado nos 92 golos apontados em 32 partidas, o que quase nos conduz ao tempo dos assombrosos cinco violinos. Algo sustentado por um retumbante registo caseiro – 14 vitórias em 14 jogos – e, com a excepção da deslocação ao Dragão (na ronda 31) – onde arrancou um empate a dois ao cair do pano, na única partida em que não fruiu de uma situação de vantagem no marcador – pela extrema competitividade extramuros, apesar das derrotas na Luz (1x2) e em Guimarães (2x3). Essa dupla derrota consecutiva em deslocações à 11.ª e à 13ª jornadas, apesar dos leões se terem manifestado superiores, em largos períodos dos embates, aos rivais, gerou inquietação, que teve como resposta uma admirável série de 16 vitórias e 1 empate – em Vila do Conde (3x3) – em 17 partidas, o que escancarou as portas do título à formação de Alvalade. Uma sequela iniciada com um triunfo caseiro irrefutável ante o FC Porto (2x0), e que teve o momento deliberativo, à ronda 28, com a vitória intramuros sobre o Benfica (2x1), com o golo apontado por Catamo, já nos descontos, na sequência de uma bola parada lateral, a testificar que, mais cedo ou mais tarde, os leões atingiriam o seu principal objectivo para a temporada, que poderá ser epilogada com a conquista de uma histórica dobradinha.
2 A confiança esdrúxula de Frederico Varandas e de Hugo Viana nas competências multidisciplinares de Rúben Amorim, os elementos que completam a tríade que circunscreveu uma mudança de paradigma na política desportiva de um clube em que se vivia permanentemente no fio da navalha, ajuda a explicar o sucesso. Seria fácil, após um decepcionante 4.º lugar, colocar um ponto final na ligação contratual com o treinador, algo que sucedia, num passado mais ou menos recente, com uma facilidade extrema. Só que Amorim é especial. Não adormeceu sobre o sucesso meteórico, que o levou à conquista do campeonato em 2020/21, suportado pela consistência defensiva e pelo aproveitamento cirúrgico de momentos capitais, muitas vezes com Coates, a grande figura do título, a funcionar como avançado-centro, sempre a partir da criação através do jogo exterior, em que Porro e Nuno Mendes sobressaíam.
3 Rúben Amorim progrediu, mesmo sem ganhar a principal prova do ludopédio indígena, nos dois exercícios que se seguiram, enriquecendo substancialmente o seu modelo de jogo e metamorfoseando uma estrutura inegociável numa multiestrutura extraordinariamente burilada, o que lhe assentiu chegar a 2023/24 como um treinador muito mais completo. E é incontestável que caminha para se tornar no melhor treinador da história dos leões. Isto porque se percebe que as suas propriedades vão muito além da liderança incontroversa de um balneário saudável e cada vez mais competitivo, com 18 jogadores a passarem a fasquia de 1.500 minutos de utilização, da qualidade do treino, e do transporte firme deste para o jogo, já que também se estendem a uma tremenda argúcia comunicacional, que o conduz para o papel de porta-voz de um projecto, e a uma visão cada vez mais certeira sobre o mercado, bem asseverada na definição de dois alvos-chave, contratados por 40,5 milhões de euros, para o assalto a esta estação: Gyökeres, o jogador mais decisivo do campeonato, ao acasalar 27 golos a 9 assistências, e Hjulmand, o médio-centro mais completo e cirúrgico do Sporting, que não só fez esquecer Ugarte, como suplantou o papel do médio uruguaio que foi transferido por 60 milhões de euros para o PSG.
4 A conquista do título nacional laureia a equipa mais competente nos quatro momentos do jogo. A grande evolução deu-se no momento ofensivo, com uma grande variabilidade na chegada a zonas de finalização, tanto em ataque posicional como na metamorfose da transição ofensiva em contragolpes contundentes. O Sporting revelou sagacidade a sair a construir desde trás, alternando saídas mais apoiadas com aberturas longas que visavam o assalto à profundidade, com Gyökeres, como principal referência, a detonar as defesas rivais. Quando decidiu imprimir mais pausa às acções de construção e de criação foi notória a maior alternância entre acções interiores, para isso contribuindo a boa capacidade de passe dos defesas-centrais – Gonçalo Inácio, definitivamente como central-esquerdo, à cabeça – e dos médios-centro na busca das entrelinhas, quase sempre atacadas pelos avançados-interiores, sem perder a ferocidade no jogo exterior, com os cruzamentos, principalmente dos alas, a alimentarem zonas de finalização pelo ar ou sob o solo, muitas vezes de forma atrasada. Tudo isto sem perder as competências, já reveladas em 2020/21, em organização e na transição defensiva, mesmo quando, em algumas situações, faltou um guardião capaz de fazer a diferença. Um dos aspectos a ser revisto em 2024/25.
5 Dois dos chavões mais utilizados para definir as equipas de Rúben Amorim são a imutabilidade da organização estrutural e a ausência de um plano B. Só que o Sporting, num processo que começou a ser cada vez mais identificável no exercício passado, pode partir sempre de uma estrutura em 3x4x2x1, mas já não se limita a desdobrar entre o 5x2x3 (em momento defensivo) e o 3x2x5 (em momento ofensivo). Em zonas mais altas, os leões são capazes de defender em 4x2x4, enquanto optam, cada vez mais, pelo 4x4x2 em zonas médias, até se fixarem no 5x2x3 em zonas mais baixas. Tudo feito com uma harmonia admirável. O mesmo se passa em momento ofensivo, com uma maior variabilidade nas saídas a construir desde trás, muitas vezes com o recurso a um losango na primeira fase de construção, e um desdobramento, no assalto a zonas de finalização, cada vez mais próximo do 3x1x5x1, com os defesas-centrais exteriores a serem mais incisivos na condução e na produção de desequilíbrios, e um dos médios-centro a saltar uma linha, surgindo, de forma mais acutilante e profunda, à entrada ou dentro da área. Além disso, são mais constantes a trocas posicionais, principalmente em zonas exteriores, entre os alas – a aposta em Catamo, um canhoto a partir da direita, foi totalmente ganha – e os avançados-interiores, o que gera mais imprevisibilidade, ou a presença de Paulinho, em algumas ocasiões, como avançado-interior, tão capaz de se associar como de surgir na área como apoio a Gyökeres.»
Apetece reler!!!...
Leoninamente,
Até à próxima