Catarina Pereira, cronista e comentadora televisiva, quer lançar as bases da descentralização do país futebolístico
«A selecção nacional joga esta segunda-feira no Estádio da Luz contra a Sérvia o segundo jogo da fase de apuramento para o Euro 2020. Aí está uma frase bem compostinha, com bastante informação para os meus queridos leitores, porque não quero que vos falte nada. No entanto, se repararem bem, há ali um elemento que eu até escusava de referir, porque é bastante óbvio. Falo, claro, do local onde se realiza o jogo.
Dizer que a selecção joga no Estádio da Luz é, por estes dias - que é como quem diz anos -, um bocadinho redundante. À partida, se a selecção joga, é no Estádio da Luz que isso vai decorrer, a não ser que a partida tenha de realizar-se fora do território nacional, por via de ser em casa do adversário. Até agora, ainda não se arranjou maneira de um Ucrânia-Portugal ou um Sérvia-Portugal ser jogado no Estádio da Luz, mas quero acreditar que, se isto correr tudo como planeado, um dia isso será possível.
Em apenas quatro dias, a selecção joga assim duas vezes no Estádio da Luz, porque, infelizmente, as perninhas dos jogadores só aguentam jogar na sexta e na segunda-feira no Estádio da Luz, em vez de também fazerem um jeitinho no sábado e no domingo, no Estádio da Luz. Porque o Estádio da Luz estaria preparado para isso nestes dias todos, ao contrário das perninhas dos jogadores.
Ora, não seria necessário eu fazer-vos aqui perder tempo com isto, mas penso que será melhor enumerar as razões para a selecção jogar no Estádio da Luz, só para o texto não ficar demasiado curto. Em primeiro lugar, porque o Estádio da Luz é o maior. E, se a selecção é de todos nós, convém cabermos lá todos. Depois, porque o Estádio da Luz é o maior. E, se a seleção é de todos nós, convém pagarmos todos bilhete.
Haverá sempre algumas más línguas que apontarão a dificuldade em continuarmos a apoiar uma selecção dita nacional que afinal só joga num estádio. Fazendo um duro exercício de recordar os argumentos dessas pessoas mal-intencionadas, penso que costumam defender que Portugal é um território mais vasto do que a Avenida Eusébio da Silva Ferreira e que os jogadores que vestem a camisola das quinas representam não só as pessoas que conseguem deslocar-se ao Estádio da Luz, mas também as que vivem a 100, 200, 300 ou 500 quilómetros desse bendito local.
Enfim, temos de aturar cada um. Como se um Cristiano Ronaldo ou um Bernardo Silva pudessem agora perder tempo em transportes até Braga, já para não falar que isto da redução dos preços dos passes não ajuda nada os ricos. Como se fizesse algum sentido pegar nesta rapaziada toda que é campeã europeia e ir ali a Coimbra ou a Aveiro, fica tão fora de mão a quem é de Lisboa, meu Deus. E nem pensem em lembrar-me que na capital até há mais um estádio com lotação de 50 e tal mil lugares, porque seria demasiado deprimente eu ter de vos recordar que aquilo dá azar.
Curiosamente, este sábado, houve um jogo entre duas selecções no Estádio do Dragão. Estiveram quase 40 mil pessoas nas bancadas, o que me parece bastante estranho. De onde veio aquela gente toda? Há 40 mil pessoas que podem ir assim ao Porto ver um jogo de futebol amigável, entre duas selecções que estão a milhares de quilómetros de casa? Como é que isto pode ter acontecido? Tu queres ver que a TAP as levou de Lisboa naquela ponte aérea tão fofinha? Isto deve ser obra daqueles chatinhos da descentralização, só pode.
Portanto, serve toda esta divagação para eu vos fazer reflectir sobre o seguinte: se é normal a selecção jogar duas vezes no Estádio da Luz em quatro dias, se aceitamos estes anos todos que a selecção dê preferência, por larga margem, ao Estádio da Luz, se há uma explicação perfeitamente lógica para tudo isto, por que é que ainda ninguém a deu?»