Leonardo Jardim, o inteligente
Leonardo Jardim teve ontem uma intervenção substantiva sobre o que é o papel do treinador na actualidade, desmistificando uma série de ideias feitas que foram marcando o futebol português e, em alguns casos, fizeram abortar projectos endinheirados, mas mal desenhados.
Olhar para o treinador como um mecânico que faz serviços de manutenção especializados numa máquina que ele próprio ajudou a montar, sem ter sido líder no processo, é admitir que só o trabalho multidisciplinar desenvolvido em equipa por vários profissionais pode concorrer para a obtenção de resultados relevantes.
Em Portugal, tem havido o até aqui insolúvel problema de definição de competências no futebol profissional, por falta de formação dos titulares de cargos tão importantes como “manager”, director desportivo ou a original “direcção de activos” e, principalmente, dada a sede de protagonismo mediático que lhes vale a imagem propagandeada e o débito de alguns lugares-comuns. O treinador do Sporting explica como é hoje o trabalho que a indústria lhe pede: avaliação, identificação das necessidades, organização/desenvolvimento da equipa e continuidade. A partir da identificação de necessidades pode ou não haver recrutamento a realizar, trabalho que já não faz parte das suas competências. Simples, claro. É na divisão de tarefas que o trabalho pode medrar.
No tempo em que a multiplicidade de competições obriga os treinadores a gerir a disponibilidade física dos jogadores – a tão badalada rotatividade –, Leonardo Jardim defende ser vantajoso jogar com maior frequência do que treinar, afinal aquilo que acontece nas ligas mais evoluídas do desporto profissional, como é o caso da NBA, onde a competição mantém os basquetebolistas supermotivados e o treino se chama recuperação. Na verdade, treinar durante muito tempo, sem intensidade, pode originar descanso despropositado e contraproducente, percebendo-se aqui também uma atitude de defesa de Jardim, por ter herdado um Sporting ausente das competições europeias, sujeito a maiores períodos fora de competição, o que ainda releva mais o seu trabalho em Alvalade.
Depois de, no início da época, ter feito uma intervenção estruturante sobre arbitragem e o benefício dos grandes – entretanto compreensivelmente retocada, depois de alguns “inputs” que recebeu do ecossistema sportinguista –, Leonardo Jardim começa a habituar o futebol português à produção de reflexões com “coisas lá dentro”, que obrigam a pensar, o que o torna para já numa das inteligências do jogo com audiência garantida.
Sobre "Uma das inteligências do jogo com audiência garantida", começam a chegar-nos sinais do que terá dito no Forum do Treinador de Futebol. Pela pena perspicaz e lúcida de António Varela, subdirector do jornal Record, ficámos a saber que Leonardo Jardim, terá montado cátedra no auditório da Maia e, ao invés de outros colegas de profissão, que por lá deixaram aleivosias descontextualizadas do tema proposto pela ANTF -
Jaime Pacheco terá sido o exemplo mais doloroso e confrangedor! -, terá feito questão de começar "a habituar o futebol português" a uma desmistificação radical e absoluta de velhos tabus com que a proverbial verborreia da grande maioria dos intelectual e culturalmente impreparados treinadores portugueses, pretendeu ao longo de muitos anos, aculturar os adeptos do futebol.
Defender, como Leonardo Jardim, por um lado, que as traves mestras no futebol do tempo de hoje, se resumem a quatro simples e despretensiosos passos, avaliação, identificação de necessidades, organização/desenvolvimento da equipa e continuidade, e por outro lado que será sempre mais vantajoso jogar com maior frequência do que treinar, é a destruição completa e definitiva do choradinho auto-promocional de grande parte dos empíricos e quantas vezes limitados técnicos nacionais. Por isso teremos a pobreza de futebol que temos.
Quando se escutam e discutem, as palavras de Leonardo Jardim, facilmente se chega à conclusão de que afinal, o futebol não será de modo algum, "um bicho de sete cabeças". Tudo na vida, e o futebol nunca será excepção, se revela simples e fácil, quando a inteligência e a competência são colocadas ao seu serviço.
E vem-me à memória o dia 20 de Maio de 2013. Assistindo pela televisão à apresentação de Jardim em Alvalade, murmurei para mim próprio, sportinguista, sobre outro sportinguista acabado de sentar na sua "cadeira de sonho", imitando o grande e inigualável Sérgio Godinho, aquela frase batida, HOJE É O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA TUA VIDA!...
E sobe-me pela garganta um grito leonino, que reprimo, por educação e conveniência, mas que deixo aqui no meu canto, baixinho e implorante:
Presidente Bruno de Carvalho, amanhã já será tarde, para fazer de Leonardo Jardim o Ferguson do Sporting!...
Leoninamente,
Até à próxima