Já lá vão quase dois dias, a razão começa a vencer as emoções incontroláveis que Manchester me trouxe e agora com o meu espírito sportinguista em absoluta paz e harmonia, permito a mim próprio tecer algumas considerações sobre o jogo onde senti uma das maiores alegrias que, como adepto do Sporting, tive o privilégio de viver. Não a maior, porque felizmente o repertório é demasiado grande e variado, mas uma das que vai ficar gravada para sempre na minha memória.
Durante os primeiros 45 minutos o Sporting foi brilhante e produziu uma exibição que reduziu o adversário a uma condição de absoluta subalternidade. Conseguiu dois golos sem resposta e, mais do que isso, nunca permitiu que os "citizens" impusessem a supremacia que a qualidade dos seus jogadores poderia deixar adivinhar e que vinha evidenciando desde o princípio da época, consubstanciada na quase sistemática liderança da Premier League. O melhor reflexo de tudo o que o Sporting consegui nessa primeira metade da partida, esteve no silêncio que envolveu o Etihad Stadium, onde apenas sobressaiu o espectacular apoio e alegria dos mais de mil adeptos que acompanharam a equipa do Sporting.
Desde o início da segunda parte, que todos assistimos a uma natural reacção da equipa inglesa., com a seu técnico a alterar o sistema táctico e a meter "toda a carne no assador" como Manuel Cajuda celebrizou. Mas mesmo assim, essa entrada avassaladora não surtiu efeito durante os primeiros 15 minutos. A equipa leonina foi resolvendo as situações mais difíceis que o adversário lhe passou a colocar e ainda conseguiu responder com alguns ataques que, se não resultaram em situações perigosas, tiveram o condão de refrear, pelo menos, a nova toada do City.
Mas quando surgiu o primeiro golo, marcado por Kun Aguero por volta dos 60 minutos, já a equipa do Sporting começara a evidenciar um notório decréscimo da capacidade física, mais eidente em Diego Capel e Matias Fernandez, que Ricardo Sá Pinto entendeu substituir por Jeffrén e Renato Neto. Pouco depois entraria também Carrillo para o lugar do também esgotado Wofswinkel e com estas alterações, o Sporting deixou de ter capacidade de resposta em termos atacantes e recuou no terreno, enquanto o Manchester intensificou a pressão. Aí aconteceo o momento do jogo: Renato Neto na ânsia de impedir a progressão de Aguero, terá entrado sobre o argentino de forma e em local proibido, convidando o árbitro norueguês ao lugar comum a que todos estamos habituados, quando uma poderosa equipa inglesa enfrenta em casa quem lhe complica a vida. E o duvidoso penalty assinalado por Harald Hagen - que ironicamente tinha mostrado na primeira parte um cartão amarelo a Matias por pretensa simulação, num lance em que as dúvidas foram menores -, foi transformado por Balotelli, iam decorridos 73 minutos.
Com pouco mais de 15 minutos de jogo para realizar o City acreditou, o seu público também, enquanto os jogadores do Sporting tremeram. Tanto pelo balanço ofensivo que adivinharam no adversário, como nas forças que começaram a faltar. De facto, depois de uma primeira parte empolgante e grandiosa, que obrigou a um tremendo desgaste físico, depois das sobejamente conhecidas deficiências de preparação física vindas da anterior equipa técnica, depois de um ritmo alucinante de dois jogos por semana no último mês, sofrer dois golos de rajada e ver a eliminatória perigar, não seria nunca o cenário que os jogadores leoninos haviam imaginado ao intervalo.
A equipa do Sporting contudo, sob o comando e incentivo vibrante do seu técnico, uniu-se, cerrou os dentes e decidiu não atirar a toalha ao chão. Mesmo depois de aos 82 minutos Kun Aguero voltar a marcar e faltar apenas um golo aos "citizens" para resolverem a eliminatória, assistimos a um último esforço daqueles leões indomáveis. Pereirinha, sofreu dores inimagináveis com aquela luxação no ombro mas, heroicamente, continuou. A outros companheiros, as caimbras declararam-se, mas ... levantaram-se sabe-se lá como e continuaram A perna direita de Rui Patrício também ameaçou ceder, mas o nosso guarda redes sabia que milhões de olhos estavam em cima dele e que pelo menos três milhões de corações lhe pediam o impossível e ... pouco depois, aí estava o impossível que todos nós lhe pedíramos: aquela fantástica e milagrosa mão direita, negou ao seu homólogo do outro lado o golo que ele já gritava, o golo que mais de 50.000 ingleses no estádio já gritavam, o golo que o próprio locutor português da SIC, Paulo Garcia, também já gritava aos berros "patrioticamente correctos"! Porque a sua pátria não é a língua portuguesa como era de Pessoa, nem é a mesma de muitos milhões de portugueses que saudaram e ficaram felizes com a passagem do Sporting aos 1/4 de final, embora de outras cores no consumo interno ! Dolorosamente, o único desgosto que senti nessa noite mágica !... Ninguém tinha perguntado a cor da camisola de Paulo Garcia, pelo que não havia necessidade de ele a dizer, em tão alto e bom som!!!...
Neste espírito leonino, em absoluta paz e harmonia como hoje se encontra, algumas questões vão ainda bailando e gostava de as deixar aqui, hoje e agora. O que teria feito a equipa do Sporting em Manchester, por Portugal e pelo clube que tão dignamente representou, se a preparação física ministrada desde a pré-época, fosse reflexo da competência técnica que manifestamente nunca existiu?!... O que teria feito, se o egoísmo dos dirigentes de quase todos os clubes domésticos não inviabilizasse sistemáticamente uma marcação de jogos que aliviasse a carga que o calendário internacional impõe?!... E o que teria feito, se a arbitragem portuguesa não pactuasse sistematicamente com a rudeza e violência que quase todos os adversários domésticos mais desprovidos de técnica e classe vão aplicando, jogo após jogo, colocando em risco o desempenho de companheiros de profissão e até as suas carreiras?!...
Incompetência, pequenez, mesquinhez, deficiências de carácter e formação, tudo isso somado ao crime encapotado que grassa despudoradamente no futebol português, estão na base daquilo que o Sporting poderia ter feito e infelizmente não conseguiu fazer. Porém, mesmo com o jogo viciado, cá, lá e pelo caminho, continuaremos a ser o que a nossa história indelevelmente já registou: com esforço, dedicação, devoção e glória!!!...
Leoninamente,
Até à próxima