A HISTÓRIA DE UMA CAPA
«Diogo Caleiro é o nome do jovem 'invasor' que não resistiu à tentação de sair do seu lugar na bancada do estádio Magalhães Pessoa, correr pelo relvado dentro e abraçar Renato Sanches durante o Portugal-Bulgária. Um momento que ficou gravado na nossa primeira página e na memória do jovem da Golegã, e também na do médio benfiquista, que teve o seu baptismo de internacional A.
O facto de ter sido capa no Record potenciou a história que atravessou sites, redes sociais e tem o seu espaço neste jornal. É uma história, não mais do que isso, mas é uma história e os jornais vivem delas tanto como de notícias. Obviamente, sabemos da responsabilidade que temos e não incentivamos a qualquer invasão. O Diogo - como qualquer outro que entre pelo campo dentro - tem a consciência de que está a fazer algo que não deve pelo que, mesmo não ficando indiferente a demonstração de afecto tão comovente, importa deixar claro que se trata de um crime.
Há entre nós o (mau) hábito de tirar conclusões precipitadas sem aprofundar as questões ou fazer o mínimo esforço para tentar perceber o que motivou uma decisão, uma escolha. Abro aqui um parênteses: não me excluo angelicalmente, pois admito já ter cometido idêntico pecado. A facilidade com que hoje se critica é proporcional à velocidade com que podemos comunicar. Através de análises superficiais, formam-se opiniões tão concludentes e inapeláveis que soam a uma condenação à morte. Este terrorismo da palavra é perigoso. Propaga-se e intoxica; recorre a verve que ofende e magoa; usa e abusa de uma impunidade quase total. Dar-lhe resposta pode provocar ódios maiores mas ignorá-lo é admitir não ter razão. Fica uma certeza: enquanto vivemos neste dilema entre argumentar ou calar, cresce a intolerância. E com ela virá algo de mais preocupante.»
(António Magalhães, Entrada em Campo, in Record)
Com alguma desilusão da minha parte, começam a não me surpreender as crónicas de António Magalhães, o mui respeitável jornalista que há algum tempo atrás, com imensa satisfação e fundadas esperanças, vi substituir na direcção do jornal Record, o inenarrável João Querido Manha. E esta que acima transcrevo será o exemplo mais acabado para explicar o meu sentimento.
Ainda bem que mora no espírito de António Magalhães a consciência do enorme erro por si cometido, no exacto momento em que permitiu a publicação de tal capa. E terá sido o enorme ribombar do trovão da sua consciência, que o levou ao "acto de contrição" que esta sua posterior crónica deixa implícito. Porém...
De que valerá a sua "hipócrita" constatação de que perante tal "demonstração de afecto tão comovente, importe deixar claro que se trata de um crime", se a capa foi publicada e ninguém poderá jamais prever quantos jovens copiarão o "crime" de Diogo, apenas e tão só porque essa capa lhes demonstrou que... o crime compensa?!...
De que valerá António Magalhães vir tentar explicar o inexplicável com a argumentação falaciosa de que tudo não passa de "uma história, não mais do que isso, mas é uma história e os jornais vivem delas tanto como de notícias"?! E será que os jornais a sério e sérios, vivem de "todas as histórias", de "todas as notícias"?! Será que o jornal Record, agora sob sua direcção, voltou ao "antigo esquema de fumar tabaco sem filtro", como num passado recente apenas subordinado ao peso do "porta-moedas"?!...
De que valerá António Magalhães tentar alijar a carga da sua responsabilidade para cima dos ombros de outros que eventualmente venham a "tirar conclusões precipitadas, sem aprofundar as questões ou fazer o mínimo esforço para tentar perceber o que motivou uma decisão, uma escolha"?! E será que essas "conclusões" alguma vez possam ser classificadas de "terrorismo da palavra"?! Afinal em que ficamos, senhor jornalista director do jornal Record, de que lado está o terrorismo: na publicação da capa ou na opinião e no comportamento que publicamente a mesma poderá vir a determinar?! Ou passará ao senhor jornalista pela cabeça, que os "diogos" deste país, terão capacidade e interesse para perder tempo a ler a sua crónica?! Onde aprendeu o senhor os conceitos sociológicos que lhe determinam a acção?! Em que país julga o senhor estar?! E desde quando se deverá colocar a questão de saber o que poderá fazer esse país pelo seu jornal, em vez tentar descobrir o que poderá fazer o seu jornal por esse país e por toda essa juventude de "diogos"?!...
Aqui deste meu canto de leoninidade, hei-de afirmar até que a voz me doa ou se cale para sempre, que nenhuns proventos circunstanciais deverão envergonhar a honrosa história de um jornal que me habituei a ver regida por padrões éticos, deotológicos e de suprema independência, absolutamente diferentes!...
"Há um mínimo de dignidade que não deve ser negociado. Nem mesmo em troca do Sol"!...
Leoninamente,
Até à próxima