A ‘circocracia’ do futebol nacional
«1. O futebol português chegou a um ponto alto de indecência. A paixão clubística (inconsciente) e a não assumpção de responsabilidades por parte dos clubes estão a ultrapassar todos os limites em Portugal.
2. A fase final da Taça da Liga trouxe ao de cima o que pior tem o futebol português: a incompetência de muitos árbitros, a deficiente utilização da videoarbitragem e a intervenção dos agentes desportivos, neste caso dirigentes e treinador(es).
3. A (video)arbitragem do Benfica-FC Porto foi negativa, com prejuízo para as duas equipas, mas fundamentalmente para os ‘encarnados’. A (video)arbitragem do SC Braga-Sporting não foi assim tão negativa, mas a amplificação feita após o jogo pelos bracarenses transmitiu a sensação de que tínhamos assistido a um ‘roubo de igreja". Não foi assim.
4. No caso da avaliação do desempenho do SC Braga-Sporting, a cargo de Manuel Oliveira e Luís Godinho (VAR), os ex-técnicos de arbitragem dividiram-se: do que pude observar, entre 7 opiniões diferentes, 4 manifestaram-se a favor da existência de irregularidade no golo anulado aos minhotos e 3 a favor da inexistência de qualquer falta.
5. Esta contabilidade dá para perceber que, por maiores factores de escrutínio que se possam introduzir na arbitragem, como a figura do VAR, nunca haverá consenso em relação às decisões dos árbitros, porque as leis do jogo têm uma componente de subjectividade analítica que nunca ninguém ousou querer eliminar — e convenhamos que não é um exercício fácil.
6. Seja como for, a figura do VAR trouxe esse maior escrutínio e fez baixar a percentagem de erros grosseiros na arbitragem — e essa é uma vitória indiscutível do futebol, embora por cá não pareça, por causa do ruído fomentado pelos clubes e as suas muitas vezes falaciosas manobras de comunicação, únicas em dimensão e proporção no futebol europeu e, quiçá, mundial.
7. Não há VAR que resista e nenhum edifício de Arbitragem conseguirá manter-se de pé enquanto os presidentes, os dirigentes e alguns treinadores (como Abel Ferreira) fizerem aquilo que se assistiu após os jogos das meias-finais da Taça da Liga.
8. Não se trata de reduzir o impacto da dimensão dos erros de arbitragem em ambos os jogos e, fundamentalmente, no Benfica-FC Porto. A competência na arbitragem tem de acompanhar os milhões colocados na construção dos planteis e, por isso, o investimento na formação da (video)arbitragem, nos mecanismos de avaliação e classificação dos árbitros, com consequências que sejam claras, semana a semana, para os clubes e para a opinião pública, tem de ser muito maior.
9. O edifício da arbitragem nacional tem todas as razões para se sentir o sector mais mal tratado de todas as médias e grandes Ligas europeias. Mas tem de fazer um esforço maior para se credibilizar junto da opinião pública. Aquilo que aconteceu com a decisão de anular um golo limpo do Benfica, ainda por cima com a chancela do VAR, não é aceitável, mas para isso também é importante que não haja dúvidas sobre a implementação das linhas certificadas que tirem todas as dúvidas sobre a existência, ou não, de fora-de-jogo. A avaliação dos foras-de-jogo tem de passar a ser objectiva e não subjectiva como era antes, e a tecnologia, neste contexto, pode e deve fazer toda a diferença, embora os testes e o aperfeiçoamento dessas tecnologias precisam, como tudo, de um tempo de afinação.
10. Esta verificação não desculpa, todavia, o comportamento dos dirigentes do futebol português (com honrosas excepções) em relação aos árbitros e dirigentes de arbitragem. São velhas as técnicas de pressão e coacção sobre os árbitros. E os principais clubes em Portugal já o fizeram em simultâneo ou em fases diferentes da história.
11. Independentemente das razões que possam assistir aos queixosos, o que foi dito após os jogos por Luís Filipe Vieira, António Salvador e Abel Ferreira não é aceitável num futebol devidamente regulado. Em Inglaterra ou noutra Liga maior, este tipo de declarações é fortemente punido. Porque há respeito pela integridade e autonomia dos órgãos e instituições. Em Portugal, isso não acontece porque, em vez de multas de 10 000€ ou, em casos mais graves, de 100 000€, são aplicadas coimas de 287, 765 ou 1000€. Quem se sente impelido a reformular comportamentos neste quadro ridículo de sanções? Conclusões: não podem ser os clubes (em causa própria) a aprovar os regulamentos. Não mudar isto é apostar na tese do caos; quanto pior, melhor. E ‘isto’ está numa fase de ingovernabilidade perigosa, à qual se junta, para piorar toda esta degradação funcional, as declarações do secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade, José Mendes, de Braga, que cancelou a sua presença na final da Taça da Liga, por se sentir ‘envergonhado’ com as arbitragens das meias-finais…
12. Isto é mesmo uma ‘circocracia’, com todo o respeito pelos palhaços do circo.
JARDIM DAS ESTRELAS - Avençados sem vergonha
A revelação de António Salvador segundo a qual o ex-árbitro Pedro Henriques "é avençado pelo Sporting" não caiu como uma bomba no edifício da bola indígena, porque na verdade já não há nada que cause impacto neste tão maltratado futebol português, território para todo o tipo de acrobacias e insultos dialécticos. O operador que mais jogos transmite da principal competição nacional — e não apenas um canal televisivo que emite conteúdos de desporto, o que constitui uma diferença crucial — alberga nas suas fileiras um ex-técnico de arbitragem (com indiscutíveis conhecimentos, sublinhe-se), avençado por um dos mais representativos clubes da I Liga. Inconcebível! E são estas miudezas/grandezas (anti)éticas que contribuem para que o futebol português seja aquilo que é: um profundo depósito de indignidades!…
O CACTO - Onde estão os reguladores?
… E por falar em indignidades e operadores televisivos que transmitem jogos da I Liga (e não deviam transmitir, acrescente-se): a BTV, no relato do Benfica-FC Porto, chama de corja à equipa do FC Porto e de bandidos (mor) aos seus jogadores e dirigentes (‘mafiosos’ e ‘cães’). Achava que já tinha visto e ouvido de tudo, mas ‘isto’ ultrapassa todas as marcas. Seria grave numa qualquer estação de televisão de clube — e assistimos, noutras cores, a coisas também graves. Mas está em causa um operador que transmite jogos da Liga. E isto já tem a ver com a própria Liga e com a imagem do futebol português. Não se pode permitir uma coisa destas e Luís Filipe Vieira, o presidente do Benfica, não pode dar cobertura a situações deste calibre e jaez. Onde estão os reguladores?»
(Rui Santos, Pressão Alta, in Record)
A "Taça Lucílio Batista" voltou a estar na origem de mais uma degradante imagem que o futebol português acaba de oferecer ao mundo. Os seus inclassificáveis pecados já a haviam arrastado, desde o seu arranque, para singulares patamares no contexto do futebol internacional. Desta vez bateu mesmo no fundo...
Entre dirigentes, treinadores, árbitros e jogadores, haverá quem pense que lá fora, nunca chegam os ecos desta bandalheira "tuga". Insensatos. Loucos. Cegos e mentecaptos! Nem lhes passará pela cabeça o quanto estão enganados: lá fora todo o mundo conhece o "circo do futebol português". Entre os muitos milhares de "artistas deste circo", desde trapezistas, a equilibristas, contorcionistas, malabaristas, ventrílocos, músicos e muitos outros, destacar-se-ão apenas umas dúzias a quem o futebol mundial aprendeu a soletrar, bem mal por sinal, o nome carregado de "erres, aõs e ões". Mas, porém, todavia, contudo...
Sabe de cor o nome dos palhaços!...
Leoninamente
Até à próxima