20 cm a mais ou a menos podem fazer a diferença
«É sempre uma satisfação ganhar, sobretudo quando no futebol profissional sénior não estamos tão habituados a ganhar como nos outros escalões e modalidades. Mas isto era a Taça Lucílio Baptista, padroeiro da "padralhada" escarlate. O formato é de duvidoso desportivismo e com o mesmo procura-se no apuramento, favorecer os mais fortes para estarem na fase final. A vitória nesta edição foi sofrida e pouco brilhante, ao contrário de outros desempenhos mais meritórios no passado, que por "mafiosíssimas" razões não resultaram em vitória. Além do mais há um prazer extra em derrotar este Vitória que noutras ocasiões bem beneficiou da "sujeira"...Mas curiosamente foi a vez em que os de Setúbal melhor se bateram e mais qualidade apresentaram fazendo de Couceiro o grande vencedor do duelo entre treinadores. Vejamos:
O modelo de jogo do SCP tem sofrido algumas alterações no período mais recente. Como escrevi noutros comentários neste blog, há meses atrás, desde as equipas de Jardim ou Marco Silva e nos anos anteriores de J.J., que o modelo do SCP assentava, quando em posse e privilegiando a posse, nas transições ofensivas planeadas, com cobertura defensiva (melhor com Jardim e Jesus) e pressão não muito alta na sequência da perda de bola. O ataque planeado sempre foi a regra e o ataque rápido a excepção, embora a equipa de Jardim chegasse à área adversária com bastante mais rapidez (mais profundidade ofensiva) do que a de Marco ou Jesus. Ressalve-se aqui, desde já, que os interpretes dos dois últimos anos são bem melhores que os planteis de Jardim e Marco. Estes não tinham Coates ou Mathieu, mas Mauricio e Naby Sarr por exemplo, e um investimento de 1/3 ou 1/4 do actual. Por essa altura e no oposto, o Benfica de J.J. era uma equipa forte e coreácea defensivamente, de transições rápidas (muitas vezes apelidadas de "vertigem ofensiva"). E tinha interpretes para isso sobretudo contando com a velocidade de Lima, Gaitan e Sálvio e a presença de Cardoso na área quer na finalização quer nas assistências. Nesse tempo, nos "derbies" com o Benfica, o Sporting de Jardim ou de Marco dominava o jogo, tinha mais posse mas o melhor que conseguia era empatar. O Sporting de hoje continua com um modelo baseado na posse e no ataque planeado mas dominado por duas novas características: a solidez defensiva e melhor cobertura nas transições defensivas, e um grande défice de profundidade ofensiva, sobretudo após a saída de Slimani. No modelo actual, e com os intérpretes actuais, só Gelson e Podence tem características para jogar em profundidade, mas geralmente actuam, sobretudo o primeiro, em zonas mais recuadas e em apoio defensivo, enquanto o segundo tem muito baixa utilização. Ninguém está a imaginar um modelo baseado em lançamentos para as costas da defesa adversária e o Dost a ir ganhar o espaço como o fariam certamente Marega e Aboubacar, como o fazia Slimani no passado ou como o foi capaz de fazer ontem Gonçalo Paciência (que jogador!!! e que ponta de lança irá felizmente Portugal ter no futuro!!!). Jesus não consegue, nem se tem preocupado, em dar profundidade ao jogo do Sporting, salvo as raras excepções com o uso, com muito sucesso, de Doumbiá em Bucareste (Steaua) ou na Grécia (Olympiacos). Doumbiá garante profundidade ao jogo atacante leonino mas a sua utilização é esporádica e os seus níveis fisicos e anímicos são por nós, adeptos, desconhecidos.
Mas vamos a Couceiro e à sua estratégia de ontem.
No passado, que evoquei antes, várias vezes percebi a estratégia quase repetitiva que a maior parte das vezes era utilizada pelos treinadores das equipas menores (e até o Benfica de Jesus), sobretudo em Alvalade, para pontuarem ou vencerem o Sporting: Linhas recuadas, concentração defensiva e após a recuperação de bola, saídas esporádicas em transições ofensivas rápidas com dois ou três homens sem grande apoio de trás, visando sobretudo incomodar ou aliviar a pressão e procurando manter o nulo o mais tempo possível, ou até marcar um golo, tudo isto na primeira hora de jogo. Depois, na meia hora final, com alguma frescura, surpreender e beneficiar de alguma ansiedade instalada nas hostes leoninas, fazendo mudanças e arriscando, adiantando linhas, transições ofensivas com maior apoio de trás beneficiando de deficientes coberturas defensivas do Sporting. Muitas vezes (demasiadas vezes para nós) se o Sporting não marcasse cedo, passando a obrigar a uma mudança estratégica, esta fórmula, que eu pessoalmente bem conheço, dava bons frutos. Mas o actual Sporting tem menos fragilidades defensivas e muito menos profundidade ofensiva.
Couceiro contrariou as previsões, fez uma análise correcta do adversário, e ensaiou um modelo que tirou partido disto:
1º - Se o ataque do Sporting não tem profundidade nem um modelo de ataque rápido, ou seja não explora rapidamente as costas da defesa adversária, então pode o Vitória subir as suas linhas e defender muito mais à frente densificando o meio campo, encurtando espaços, e estando em melhores condições de apoiar acções ofensivas.
2ª - Como o inicio da transição ofensiva do Sporting se faz por rotação em U entre os elementos da sua linha defensiva + William (tipo andebol) então, como temos linhas subidas podemos pressionar alto retardando a transição e sobretudo pressionar intensamente no meio campo os médios leoninos (William, Ruben ou Bruno Fernandes) evitando que rodem, se voltem para o meio campo adversário e criem espaços entre linhas, principal virtude leonina ( o tal jogo do "meinho" uma figura evocada pelo Bloguista Rui Monteiro no blogue "A insustentável leveza do Liedson" e que consiste essencialmente num exercício de posse de bola informal utilizada como aquecimento nas sessões de treino, antes dos alongamentos, onde um circulo de jogadores vai fazendo circular a bola entre si geralmente a um ou dois toques, tentando evitar que dois ou mais colegas no centro da roda a interceptem).
Esteve soberbo o Vitória nesta estratégia, somando a isso a magnifica capacidade de ter a bola e soltá-la no décimo de segundo exacto para o local certo e o colega certo de João Teixeira, João Amaral e o excelente Gonçalo Paciência. A questão que se me punha era a de saber até quando iria ser o Vitória capaz de pressionar tão alto em zonas tão adiantadas. De facto no pós intervalo apareceu um Sporting que tinha que arriscar tudo e partir para cima do adversário, começando a ser mais veloz e diligente nas transições e foi-se acentuando o desgaste dos 3 magníficos de Setúbal. Diga-se no entanto que o Vitória esteve bem perto de vencer, não porque tenha acabado de sofrer um golo que se esperava a qualquer momento e o Sporting do 2º tempo bem justificava, mas porque antes, por duas vezes esteve muito próximo do 2-0 e este Sporting não tem neste momento capacidade ofensiva nem de concretização para "virar" um atraso de 2 golos num jogo daqueles. Também o Sporting poderia ter chegado mais cedo à igualdade que lhe traria grandes probabilidades de ganhar o jogo antes dos "penaltyes". Não aconteceu mas soube bem apesar de tudo a vitória leonina.
De Jorge Jesus veio no final a gabarolice do costume, salientando que antes dele o Sporting era o clube do quase ou que nem lá chegava sequer. Memória curta J.J.. Chegava lá sim senhor, e só não ganhou por exemplo em 2009 porque Lucílio Baptista e o "polvo" do teu clube de então, Jorge Jesus, ilegitimamente não permitiu a vitória do melhor. Lembras-te Jorge? E no fim para ti foi mais um título limpinho...limpinho. Não foi? Sabes o que te falta Jorge Jesus? É ganhares títulos no Sporting sem o sistema por trás, que tinhas no teu antigo clube. Ganhaste agora um título sem grande brilho (apenas uma vitória magra em 5 jogos disputados). Anda: mostra o que vales...
Quanto a si José Couceiro antes de mais muitas saudações leoninas. Você no fundo perdeu por 20cm, que foi o excesso de altura que o sadino Podstawski imprimiu à bola na penalidade falhada. Mas é bem sabido que desde tempos imemoriais, na vida, 20cm a mais ou a menos sempre marcaram a diferença.»
Leoninamente tem a honra e o orgulho de contar entre os seus leitores, com a inteligência e a cultura, particularmente na coisa que ao desporto-rei diz respeito, de Vitor Cruz, um amigo do peito desde os primeiros anos dos bancos de escola, protagonista de uma estupenda carreira de futebolista, mais tarde treinador em "part-time", a meias com a singular azáfama que outro grande amor da sua vida, a arquitectura, lhe haveria de impôr.
Por vezes esse meu grande amigo e irmão leão, oferece-me o privilégio de poder apreciar os seus escritos, com a humildade e despretensiosismo que o caraterizam, na caixa de comentários do blog. E quando a sua opinião se me afigura demasiado importante e profunda para a deixar estiolar na caixa de comentários, uso da liberdade que a nossa fraterna amizade de mais de meio século justifica e, sem sequer pensar em obter a sua anuência, faço dos seus escritos a "primeira página de Leoninamente", que entendo merecerem. Porque...
O Sporting precisa, hoje por hoje, de "20 centímetros" de verdade!...
Leoninamente,
Até à próxima