O Sporting e a água com gás«Já não sei quem foi o treinador a quem ouvi dizer que, "depois de ganhar alguma coisa, deixas de estar a 100% e ficas a 90%". "É como uma garrafa de água gaseificada quando fica sem tampa: pouco tempo depois, fica com menos gás…", lembro-me também de lhe ter escutado – ou terei lido? Esta seria talvez a explicação mais prosaica para a fase de insucesso que atravessa o Sporting, porque um analista que preze a sua probidade não deve dar acolhimento a teses espirituosas como a defendida pelo meu amigo Domingos (resolve-me as avarias informáticas e nada tem a ver com a indústria futebolística), que insiste em relacionar os seis pontos que o campeão desbaratou nas últimas três jornadas com a entrada de Bruno de Carvalho para o ‘Big Brother’…
Pode, por isso, relaxar o leitor. Não irei correlacionar os problemas leoninos com ‘reality shows’ que a minha sanidade mental me proíbe de ver. Mas admito alguma credibilidade à tese do tal treinador. Porque o sucesso é poucas vezes uma via de sentido único, comportando uma estranha capacidade de esconder as imperfeições e os vícios. De resto, foi mais ou menos isso que Rúben Amorim consentiu quando defendeu que o Sporting joga agora melhor, mas perde mais vezes.
De facto, em comparação com a viagem apoteótica de há um ano, o Sporting é hoje uma equipa um pouco menos de transições e um pouco mais de organizações. Funciona, por isso, melhor em ataque posicional, o que resulta num futebol mais escorreito. Isso como que foi confirmado pela comparação de dados que o Record fez há dias, em que ficou provado que o Sporting tem agora mais posse, perde menos bolas e remata mais. Mas o mesmo levantamento também nos diz que ganha hoje menos duelos, consegue menos intercepções, cria menos oportunidades e marca ligeiramente menos. Ou seja, melhorou a nota técnica, mas piorou a eficácia, o que pode ser relacionado com o tal aburguesamento.
Bem vistas as coisas, nada disto é surpreendente. Como aqui plasmámos durante a caminhada gloriosa até ao título, o Sporting teve períodos em que marcou bem mais do que jogou. Somou, por exemplo, seis pontos nos dois confrontos com o Braga, em jogos em que só mereceu somar um pontinho em Alvalade, enquanto, este fim de semana, saiu derrotado num duelo em que houve mérito na reacção bracarense, mas em que o Sporting até foi melhor durante mais tempo.
Há um ano, Amorim reconheceu a sua boa "estrelinha", fadário que lhe permitiu resolver vários jogos nos instantes finais. Pedro Gonçalves fazia então golos (terminou com 23) com a mesma naturalidade e frequência com que hoje discute decisões arbitrais. Esta época já apontou 13 (4 na Liga), o que não deixam de ser números relevantes e muito acima do que fazia antes de chegar a Alvalade (jogava em zonas mais recuadas), até por poder acrescentar-lhe 7 assistências. Há um ano também se relevava a forma como Coates se transvertia em ponta de lança salvador. É verdade, terminou a época com 7 golos. Mas nesta já vai com 5 (2 na Liga). E até o sempre discutido Paulinho já apontou 9 golos (6 na Liga) e fez 4 assistências.
Ou seja, o Sporting tem hoje um atraso de seis pontos para FC Porto essencialmente porque os portistas estão mais fortes do que há um ano (daí terem mais 12 pontos) e porque os "leões" perderam fiabilidade defensiva e passaram a perpetrar erros individuais que raramente se viam há um ano. Mas mesmo aqui é preciso ver as coisas em perspectiva. Gonçalo Inácio cometeu, frente ao Braga, quase tantos erros graves como nos 25 jogos da época passada. Mas só tem 20 anos e o que foi invulgar foi a sua infabilidade em 20/21, até por ser um central que arrisca na construção como poucos. São dores de crescimento de um jogador com um potencial incrível. E isso vale para ele e para vários dos seus colegas. E também para o próprio treinador e para um projecto que atingiu demasiado depressa o sucesso e não pode ser posto em causa por causa da primeira derrota doméstica ao fim de 35 jogos.
A derrota do Sporting serviu para dar conforto a um Benfica que atravessa um frágil processo de renovação e que volta a depender apenas de si próprio na corrida à Champions. É também esta pressão anímica suplementar que pode estar a abalar a jovem equipa leonina (justificativa que não abrange Sarabia, que só deve queixar-se de si próprio). Mais do que a saída de João Mário ou a ausência de mais um central ou de uma alternativa a Paulinho. Isso foi há muito assumido pelo treinador e pelo presidente, que ainda há dias explicava que o corte de 18 milhões e o menor investimento não impediu o êxito de um projecto assente na formação. A pensar mais no futuro do que no presente vai chegar Marcus Edwards, que tem de melhorar o seu jogo sem bola. Claro que se pode discutir o impacto negativo da ausência de Porro e por que não jogou Daniel Bragança, o melhor em Vizela, frente ao Braga… Porque se o penálti mudou o jogo, a tranquilidade e o génio do médio podiam ter mudado o resultado…
Os empréstimos indecentes
A pandemia atrasou a ideia, mas a FIFA lá apresentou o novo regulamento que vai pautar os empréstimos. Na próxima época, os clubes só poderão ceder ou receber emprestados um máximo de oito jogadores, número que será reduzido para sete em 2023/24 e para seis em 2024/25. Ao mesmo tempo, a FIFA limita a três o máximo de cedidos ou recebidos entre dois clubes. A FIFA definiu que a normativa deve também ser aplicada a nível interno pelas federações. E é aceitável a decisão de isentar desta limitação todos os jogadores até aos 21 anos.
A ideia é acabar com os abusos ligados à especulação e a negócios ligados dos fundos de investimento. O açambarcamento subverte o mercado e a própria verdade desportiva. E quem vive em Portugal sabe que irá travar quem se habituou a usar os empréstimos com objectivos pouco nobres.
A realidade nacional é conhecida, mas atente-se nestes factos: a Atalanta tem o passe de 88 jogadores profissionais, 25 pertencem ao seu plantel e os restantes 63 estão cedidos. O clube de Bérgamo dispersa os seus jogadores por sete países, sendo que mantém emprestados em 36 clubes italianos. Ainda em Itália, salta à vista o que aconteceu ao avançado italiano Samuele Longo, que em Janeiro de 2009 assinou pelo Inter de Milão e que, nos 11 anos seguintes, jogou emprestado em 13 equipas diferentes. Prestes a cumprir 30 anos, esta época repete pela primeira vez a mesma camisola, a do Vicenza. Em Inglaterra, só o Manchester City tem 34 jogadores cedidos a outras equipas. O Chelsea só tem agora 9, mas já houve tempos em que tinha mais de 60. Em Espanha, há 50 jogadores a jogarem sob empréstimo na divisão principal. O A. Madrid tem 9 cedidos, entre eles jogadores da valia de Saúl, Morato, Vitolo ou Santiago Arias. O Getafe recebeu 8, entre eles Gonzalo Villa, Borja Mayoral e Óscar Rodríguez. Na segunda divisão, o Mirandês tem 12 emprestados.»
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Leoninamente,
Até à próxima