Sporting enterra "central de negócios"
"O Sporting vive o momento decisivo da sua existência e, amanhã, na Assembleia Geral (ordinária), para além da apresentação do projecto de construção do pavilhão João Rocha e da dissolução de um conjunto de sociedades participadas, os sócios ficarão conhecedores das conclusões dos relatórios sobre o Imobiliário, no período compreendido entre 1995 e 2013, isto é, sob a presidência de Pedro Santana Lopes/José Roquette, Dias da Cunha, Filipe Soares Franco, José Eduardo Bettencourt e Luís Godinho Lopes. Foram 18 anos em que o Sporting começou a acumular passivos significativos e a apresentar capitais próprios negativos (passivo superior ao activo) muito relevantes, cuja situação patrimonial se resume do seguinte modo:
Não restam dúvidas de que, nesses 18 anos, o Sporting comprometeu drasticamente a imagem de um clube pujante e competitivo deixada por João Rocha, e não apenas no futebol. Em Dezembro de 1994 – uma das conclusões da auditoria – o património imobiliário do Sporting, sem contar com o valor de construção do Estádio antigo, foi avaliado em cerca de 55 M€ e a dívida financeira bancária estava fixada em 0,6M€; em Junho de 2013, excluindo o valor de construção do Estádio e da Academia, o património é "praticamente inexistente" e, nessa data, a dívida financeira bancária ascendia a 331M€.
Parece claro que uma das causas principais para o desconchavo financeiro em que caiu o Sporting resultou do custo total das empreitadas relativas à construção do novo Estádio e dos seus desvios. Segundo a auditoria, há uma comunicação interna de Abril de 2000, da autoria de Diogo Gaspar Ferreira, segundo a qual o valor estimado era de 106 M€ e o valor executado foi de 170 M€, o que significa um desvio de 64 M€.
A outra causa, não menos importante, tem a ver com o perfil das figuras que chegaram à presidência do Sporting. Um clube desportivo como o Sporting pode orgulhar-se de promover uma cultura eclética, como acontece aliás com outros emblemas representativos do desporto nacional, mas o seu core business é o futebol. O futebol é central, prioritário e um clube de futebol não se pode comparar, genericamente, a uma outra qualquer empresa. O tipo de gestão é diferente. A natureza dessa gestão tem de ser diferente. Porque tudo depende do resultado desportivo no futebol. A equipa mais representativa, olhada como o ponto de chegada de todo um projecto integrado no qual cabem as equipas da Formação, tem de ser tratada com especiais cuidados. Num galinheiro, a atenção não pode estar centrada nas telhas ou nas paredes desse galinheiro mas nas galinhas e nos ovos que elas põem. Essa distracção ou, se se quiser, essa inversão de prioridades (as telhas e as paredes são importantes, mas nada que possa comprometer o investimento nas galinhas e nos ovos) deu cabo do Sporting.
O Sporting transformou-se num clube cuja prioridade passou a ser o património não desportivo, no qual se instalou uma linhagem de dirigentes que fez do clube uma central de negócios, à margem do objecto principal que deve estar subjacente à actividade (desportiva) de um clube de futebol. Isso foi desastroso. A falta de um mínimo de 'cultura futebolística' da esmagadora maioria dos dirigentes que povoaram esse tempo entre 1995 e 2013 colocaram o Sporting à porta da exaustão e da irrecuperação financeira.
Compraram-se jogadores sem um mínimo de critério futebolístico. Milhões e milhões de euros gastos com jogadores de fraquíssima qualidade. A certa altura, o descontrolo era tão grande que o Sporting passou a ser 'o clube das indemnizações chorudas'. O slogan até podia ser: ‘Queres ganhar dinheiro fácil? Vem para o Sporting!'
Não sabemos se estamos 'apenas' perante questões relativas a má gestão, incompetência ou algo mais, e disso se ocuparão os sócios, os dirigentes actuais e, eventualmente, o Ministério Público.
No futebol são muito raros os casos de responsabilização efectiva dos dirigentes, mas este processo, se não servir para mais nenhuma coisa, pode criar a convicção de que jamais se pode olhar para o futebol e para a gestão dos clubes como um território em que tudo é permitido, à luz de inúmeros regimes de excepção. Bruno de Carvalho gerou esse responsabilidade para si próprio e para o futuro."
(Rui Santos, Pressão Alta, in Record)
Nunca fui e já não tenho idade para poder algum dia vir a ser, especialista em matérias e áreas tão vastas e complexas como aquelas que foram abordadas pela Mazars na Auditoria sobre o período compreendido entre 1995 e 2013, aquele em que o Sporting Clube de Portugal viveu sob as presidências de Pedro Santana Lopes/José Roquette, Dias da Cunha, Filipe Soares Franco, José Eduardo Bettencourt e Luís Godinho Lopes.
Como sportinguista atento e decepcionado, entendi a promessa eleitoral de Bruno de Carvalho, como justa e necessária, para que de uma vez por todas possa ser colocada sobre esse período negro e decepcionante, quiçá tenebroso, uma enorme e pesada pedra.
As conclusões serão apresentadas amanhã e recai sobre os ombros de todos os sportinguistas presentes na AGO, a responsabilidade de, pelo menos e recusando extremismos e alinhamentos que nada terão a ver com o equilíbrio, racionalidade e justiça que sempre nos norteou, ter uma opinião, essa sim, equilibrada, racional e justa.
É para formar essa opinião que deveria servir a Comunicação Social. Na vida, no país, na política, nas artes, no desporto, em tudo o que se quiser e, neste caso particular , no Sporting, deveria ser nos jornais, nas televisões, nas rádios, que o cidadão comum deveria poder matar a sua sede de conhecimento. Mas todos sabemos que não é. Infelizmente, em Portugal, a CS é, quase sempre, um antro obscuro e lodoso de onde saímos ainda mais confusos e sujos.
Porém, e porque não haverá regra sem excepção, se nos preocuparmos verdadeiramente em encontrar fontes recomendáveis em que possamos saciar sem temor a sede que nos abrasa, elas existem. Felizmente.
Esta crónica de Rui Santos terá sido para mim o exemplo paradigmático da fonte que exigia a minha sede de conhecimento sobre a matéria em causa. Foi escrita para aqueles que, como eu, passaram uma vida de trabalho longe da complexidade da gestão das coisas e dos números tratados pela Mazars. Mas que desejam estar informados, de uma forma simples, directa e sem excessivos e incompreensíveis pormenores. Penso que Rui Santos o terá conseguido de forma brilhante. Fico-lhe grato.
Sinto-me agora mais capaz de formar a mimha opinião. Não quero nem desejo contribuir para o peditório de uma pretensa e absurda "caçar às bruxas". Muito menos alinhar em linchamentos públicos à revelia das leis que regem o país em que vivo. Isso caberá, se assim for entendido por quem tem esse dever e responsabilidade, a outras instâncias, as legítimas e porque vivemos num estado de direito, em que devemos confiar.
A Assembleia Geral Ordinária de amanhã, não é um julgamento, nem nunca o poderá ser. Apenas o segundo episódio do funeral de um passado triste que a todos envergonha e que poderia e deveria ter sido evitado. É preciso enterrar bem fundo e o mais rapidamente possível, a "central de negócios" de que, apropriadamente, fala Rui Santos. Sem ódios nem rancores. Apenas no estrito respeito pela legalidade e pelos valores humanos que sempre serão os nossos...
Com a dignidade que o Sporting e quem o serviu, mal ou bem, nos deverão merecer!...
Leoninamente,
Até à próxima