A liderança inquestionável de El Patrón
«A história de Sebastián Coates Nion, nascido em Montevidéu escassos meses após a pouco resplandecente participação da selecção uruguaia – do príncipe Francescoli e do eterno maestro Óscar Tabárez, responsável pelo lançamento de Seba, mais de duas décadas depois, na formação celeste – no Itália’1990, foi escrita desde sempre com uma bola bem grudada ao pé direito ou debaixo do braço. Por isso mesmo, grande parte das suas fotografias de infância exibem um menino loiro de pele nívea equipado à futebolista, obstinado pelo esférico, que carregava diariamente a aspiração de vir a pisar palcos principais. No entanto, a sua família preocupou-se em que se mantivesse concentrado nos estudos, e em que experienciasse vários desportos de forma a enriquecer a sua formação, o que fez com que a sua primeira prova futebolística ocorresse apenas aos 11 anos, ao serviço do histórico Club Nacional de Football, após uma passagem pela escola de futebol do Club Banco República. Os primeiros tempos equipados de tricolor não foram fáceis. A força física, acima do normal desde tenra idade, levou a que passasse por diversas posições no terreno, incluindo a de ponta-de-lança, o que lhe subtraiu tempo de jogo e especialização numa função.
Até que, já nos sub-15, se fixou como defesa-central. Foi o passo chave para assegurar a titularidade, avassalar o estatuto de capitão – reflexo de uma mentalidade competitiva precocemente inquebrantável –, e construir um trajecto marcadamente ascensional. O que lhe permitiu chegar às selecções inferiores uruguaias, ao serviço das quais marcou presença no Sul-Americano de sub-17 (2007), no Sul-Americano e no Mundial de sub-20 (2009), como também afiançar o debute, com 18 anos, 6 meses e 11 dias, pela equipa principal do Nacional, numa aposta do treinador Gerardo Pelusso. A resposta foi lancinante: uma semana e um dia depois, estreou-se a marcar, num dérbi de Montevidéu ante o Liverpool, asseverando a sua agressividade no aproveitamento aéreo de bolas paradas ofensivas, o que antecedeu a première na mítica Libertadores, numa recepção vitoriosa ao Nacional de Assunção, associando 1 golo, mais uma vez na sequência de um pontapé de canto, a 1 assistência, o que o tornou na principal figura da partida. Ao seu lado, Santiago García, um dos seus melhores amigos e companheiro desde a formação, como referência ofensiva. O malogrado futebolista, que se suicidou no passado dia 2 de Fevereiro, e a quem Coates dedicou o bis que caucionou ao Sporting uma preciosa reviravolta em Barcelos.
Dois anos como titular indiscutível do Nacional tornaram-no num alvo apetecível para vários clubes europeus, o que se exacerbou com a presença na selecção principal do Uruguai, pela qual venceu a Copa América em 2011, tendo sido considerado o melhor jogador jovem da competição. Sem surpresa, foi transferido a troco de 8 milhões de euros, no final de Agosto de 2011, para o Liverpool, então comandado tecnicamente pelo mítico Kenny Dalglish. Seba Coates sentiu amplas arduidades para se adaptar a uma realidade competitiva muito mais exigente, ficando na sombra de Jamie Carragher, de Martin Skrtel e de Daniel Agger, o que motivou que, ao longo de dois exercícios, só realizasse 12 jogos na Premier League pelos reds. Uma lesão grave – rutura do ligamento cruzado – no início da época 2013/14, e a vontade em marcar presença no Mundial’2014 conduziram-no a um regresso ao Uruguai, onde relançou a sua carreira no Nacional. De regresso a Inglaterra, o Sunderland, após um período de empréstimo, afiançou o seu concurso, a troco de 2,8 milhões de euros, a título definitivo. Em época e meia, efectuou 32 jogos oficiais pelos black cats, aproveitando a confiança que o seu compatriota Gus Poyet e o holandês Dick Advocaat depositaram no seu potencial. Algo que deixou de acontecer, a partir de Outubro de 2015, com a chegada de Sam Allardyce, o que motivou a sua saída para o Sporting, concretizando-se um desejo de Jorge Jesus, que já o quisera contratar para o Benfica. A uma cedência bem-sucedida, formando uma dupla com Rúben Semedo que sobressaia pela complementaridade, seguiu-se a aquisição a título definitivo, numa operação que esteve perto de atingir os 5 milhões de euros.
Em 5 anos e 1 mês ao serviço dos leões, o defesa-central destro atingiu a admirável marca de 227 jogos oficiais, ornamentados por 21 golos e por 11 assistências. Apesar de ter estabelecido parcerias muito interessantes com Mathieu e Rúben Semedo, o seu rendimento nem sempre se pautou pela regularidade, expondo, por exemplo, deficiências no capítulo da velocidade e da agilidade, que o expunham demasiado no controlo da profundidade e em situações de um contra um ante antagonistas capazes de promover rápidas e pungentes mudanças de direcção. O encontro com Rúben Amorim acabou por se manifestar capital para que atingisse outro patamar exibicional, afirmando-se, com a braçadeira de capitão, como o patrão de um sector recuado com três unidades no eixo central. Algo que lhe obsequiou muito mais conforto, assim como o seu posicionamento ao centro desse tridente, o que faz com que o treinador do Sporting, nos últimos jogos, até venha a optar por colocar um canhoto (Gonçalo Inácio) como defesa-central pela direita, não promovendo a deslocação de Coates.
Extremamente robusto e disponível no capítulo físico, assim como agressivo e com uma entrega inexcedível ao jogo, recorre frequentemente ao contacto físico para se impor nos duelos, provocando algumas faltas. Perspicaz na antecipação, contundente no desarme, e ferocíssimo no jogo aéreo – além da elevada estatura, tem um óptimo tempo de salto e qualidade na definição – nas duas áreas, o que o torna numa especialista a dar sequência a lances de bola paradas laterais, tem ganho maturidade no capítulo posicional, o que lhe permite esconder, de forma cada vez mais sólida, as suas lacunas em velocidade. Apesar de não revelar qualquer prurido em recorrer a processos simples quando efectua cortes, mostra-se capaz de arcar acções de condução – tem assumido menos riscos no um contra um – e de construção, ainda que tenda a buscar, em diversas situações, uma construção mais longa em direcção à referência ofensiva ou às costas da defesa rival, promovendo um jogo mais directo.
OBSERVATÓRIO
Tiago Tomás (Sporting). Quando o destacamos nesta coluna, a 9 de Abril de 2020, como o melhor avançado das gerações portuguesas de 2002, 2003 e 2004, não tinha minutos pela equipa principal do Sporting, e não se previa uma afirmação tão rápida e veemente. Sagaz a desmarcar-se, muitas vezes no limite do fora-de-jogo, e corrosivo no assalto à profundidade, é oportuno, agressivo e antecipativo na área. Apesar do elevado apetite pelo golo, apresenta predicados a urdir um futebol mais combinativo, e sabe procurar espaços exteriores para partir – com ou sem bola – em direcção à área.
Gonçalo Inácio (Sporting). Desde a pré-época, em que superou Quaresma na hierarquia de defesas-centrais, que vinha a mostrar atributos para se intrometer na luta pela titularidade. Soube esperar e agarrar as oportunidades, impondo-se pelo centro-direita, mesmo tratando-se de um canhoto. Melhor na antecipação do que no desarme, deve moderar o recurso a intervenções faltosas, mas manifesta predicados posicionais e vigor nos duelos aéreos. Mas é com bola que mais sobressai, quer a arcar acções de condução, quer a assumir acções de construção a diferentes distâncias.»
Largas crónicas ainda estarão na forja de Rui Malheiro, acerca de uma boa mão cheia dos jogadores fabulosos que consituem hoje o plantel principal do Sporting, quando ele decidir inclui-los no Observatório do seu Futebol Total!...
Quando se debruçar sobre o melhor guarda-redes a actuar na nossa Liga? Sim, decerto. Mas também quando ousar dissertar sobre os dois melhores laterais que neste momento pisam os relvados portugueses. Ou ainda sobre o melhor e mais eficaz médio defensivo. Ou sobre o melhor goleador da liga portuguesa. Ou sobre os pés mais aveludados de todos os médios de construção do nosso jogo da bola. Ou sobre o mais eficaz "abre-latas" das latas de conserva que abundam no nosso futebol em busca do pontinho salvador, ou "fura-pneus" dos autocarros de dois andares que amiúde nos aparecem em Alvalade!...
Era esta a "equipa modesta" de que costumava falar a crítica ainda não passou um ano? Era esta a "limitada equipa" que nem para fazer cócegas aos donos e senhores do nosso futebol e jamais capaz de ultrapassar os "grandes Braga, Guimarães e Famalicão"?!...
Quer-se dizer, de repente as "nódoas" de ontem viraram caxemira, alpaca e seda puras, num simples estalar de dedos sem que a culpa possa alguma vez ser atribuída aos vesgos apreciadores dos tecidos?!...
Como sempre acontece por cá no burgo, a culpa nunca foi dos analistas. Seria sempre de alguém com quem eles nem eram tidos nem achados...
Agora a culpa é de Rúben Amorim!...
Leoninamente,
Até à próxima