UM CÓDIGO DESPORTIVO
«À medida que a época desportiva do futebol se vai aproximando das decisões – nomeadamente quando as principais (títulos, Europa e descidas) são discutidas ponto a ponto –, qualquer incidente ou comportamento tem outro valor e dimensão. Em especial se envolverem jogadores, treinadores e dirigentes que pertençam aos três grandes, sabemos que são potenciados ao limite máximo e à medida dos interesses. Os lúcidos e os perspicazes não o estranham. É um clássico, hiperbolizado nestes tempos de informação tão maciça que nem há tempo para esclarecimento e contraditório. E cada um faz (ou pretende fazer) o seu "trabalho", com todos os pretextos para adicionar incerteza e insegurança aos concorrentes e assegurar para si a ocupação do espaço mediático. Há uma convicção de que este caminho vale a pena e dará frutos.
Dentro deste clássico repetido, há sempre o (ainda mais) clássico recurso ao tema da justiça interna da Federação e da Liga, nomeadamente por dela surgirem deliberações, critérios e determinações. Estas têm sido semanas para deixar em sossego as arbitragens (o outro ainda mais clássico) e os focos se virarem para os artigos das "leis", os prazos, as acusações e as infracções, os recursos, as tramitações, as provas e, por fim, os titulares dos órgãos. São estas as semanas em que a sucessão de processos e de decisões converte os cafés, as praças, os táxis e os canais de TV em concentrações protuberantes de especialistas enciclopédicos de direito disciplinar desportivo. E, pelo caminho, das sentenças por antecipação, dos juízos por intuição e das comparações dos condenados. E, em acrescento, desafio (sem reacção e com abdicação?) à autoridade e à legitimação. No fim, o costume. De sempre, tendo na mira os julgadores e as regulamentações.
O costume, porém, comporta agora algo de aparentemente novo. Antes, os cépticos e os decaídos pediam um "tribunal desportivo". Agora que o temos (em sede de recurso), percebe-se que se forma uma corrente a pedir uma justiça de primeira instância fora da Federação e da Liga. O que implicaria mudar todo o sistema de delegação de poderes do Estado nas federações, na liga profissional e nas associações territoriais, para além de criar ruído insuperável nos vínculos das confederações da pirâmide. Não é de crer que pudesse constituir-se. Mas é de sustentar (volto ao mesmo) um "código desportivo", alheio às vontades dos clubes e das direcções e assembleias das federações. Transversal a todas as modalidades e apenas aberto às especialidades necessárias. Uniformizador dos princípios, dos procedimentos e das legitimidades. Propulsor da celeridade e inibidor das divergências da interpretação. Garantístico do respeito e acreditação dos órgãos jurisdicionais. Seria um mundo necessariamente diferente. Chegará um dia?»
(Ricardo Costa, Por força da lei, in Record)
É minha profunda convicção, como leigo em matéria jurídica. de que o maior mérito de qualquer ordenamento jurídico deveria ser a simplicidade. Contudo, aquilo com que o cidadão comum e mesmo os juristas mais experimentados são confrontados, constituirá um complicadíssimo labirinto no qual, não raro, nem aqueles que deveriam ser os guias conseguem orientar-se.
Julgo portanto perceber que a codificação jurídica defendida por Ricardo Costa, pretenderia conseguir reunir todas as leis que regem a matéria desportiva num único código, solução que advoga como milagrosa para o caos jurídico que grassa no Desporto português. Só que, tendo em conta a típica propensão dos nossos juristas fazedores de leis para complicar, conjugada com a absurda disparidade de critérios dos juízes na sua aplicação, muito dificilmente, pese embora toda a sustentação reclamada por Ricardo Costa, assistiríamos ao "milagre" de o código que defende, ser " garantístico do respeito e acreditação dos orgãos jurisdicionais"!...
A menos que estejamos perante uma nova definição de utopia?!...
Leoninamente,
Até à próxima
Desejo uma Feliz e Santa Páscoa a todos os leões, particularmente ao amigo Álamo.
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