Os meninos de Jardim...

Todas as manifestações de arte se divorciam irreversivelmente dos autores, a partir do momento em que são oferecidas ao mundo, seja qual for a interpretação que esse mundo, mesmo individualmente, lhes venha a dar. A poesia nunca fugiu a esse poderoso axioma: ontem, hoje, sempre, e comigo, contigo e com todo o mundo. Entra-nos na alma e passa a ser nossa também e para sempre, independentemente de como entra e de como se aconchega dentro de nós.

A canção que apresento no vídeo acima, com letra de Manuel Rui Alves Monteiro e  música da autoria de Rui Mingas, que também foi o responsável pela apresentação original cantada deste verdadeiro hino pós-independência do povo irmão angolano, passou-me quase despercebida até ao dia em que, através da voz e do talento de Paulo de Carvalho me entrou na alma e nunca mais saiu.

E quando a dura realidade do Sporting Clube de Portugal nos trouxe a quase única alternativa de construir o futuro com os "meninos de Alcochete", a analogia com os "meninos do Huambo" nunca mais descolou do meu pensamento, ainda que assaltada e fortemente abalada pela amargura de deserções que jamais compreenderei e aceitarei. E a fase final da época passada e muito particularmente a evolução deste terrível defeso, trouxeram-me, tanto o recalcamento de decepções anteriores, quanto a confirmação de um sonho possível.

 

E tanto a contratação de Leonardo Jardim, como as potencialidades que adivinho, e não serei só eu, na prodigiosa e talentosa "cantera" leonina, me transportam para a letra e para o espírito dessa linda e fabulosa canção que, se substituirmos "huambo" ou "fogueira" por "jardim", parece ter sido construída para uma realidade ou utopia, com que será absolutamente legítimo podermos sonhar em Alvalade:

Com fios feitos de lágrimas passadas
Os meninos de Huambo fazem alegria
Constroem sonhos com os mais velhos de mãos dadas
E no céu descobrem estrelas de magia

Com os lábios de dizer nova poesia
Soletram as estrelas como letras
E vão juntando no céu como pedrinhas
Estrelas letras para fazer novas palavras

Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade

Com os sorrisos mais lindos do planalto
Fazem continhas engraçadas de somar
Somam beijos com flores e com suor
E subtraem manhã cedo por luar

Dividem a chuva miudinha pelo milho
Multiplicam o vento pelo mar
Soltam ao céu as estrelas já escritas
Constelações que brilham sempre sem parar

Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade

Palavras sempre novas, sempre novas
Palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo

Assim contentes à voltinha da fogueira
Juntam palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo

Leoninamente,
Até à próxima