terça-feira, 6 de junho de 2017

Eles são do tipo que jamais se deixará cristalizar!...


O ANTI-HERÓI E O HERÓI CONFESSO

«A final de Cardiff foi a consagração de um treinador que faz do balneário a sua paróquia, de um Zidane que nunca pretendeu reinventar o futebol e ser mais importante do que os jogadores. Mas foi também a glorificação de um Cristiano Ronaldo que encavaca os falsos-modestos com a sua autoestima indestrutível e que, mais tarde ou mais cedo, verá até a sua biografia mais clandestina e insubordinada certificá-lo como um ilustre membro do restrito grupo dos que melhor pintaram o futebol, a par de Pelé, Maradona e Messi – sim, porque há muitos estágios que deixou de fazer sentido debater se Ronaldo é o melhor desportista português de todos os tempos. Ele e Zidane têm temperamentos, reacções e modos desiguais, mas o sucesso do Real foi, em boa parte, resultado da amálgama perfeita das suas idiossincrasias. Quem mais, além do francês, aceitaria diminuir a sua condição de craque da bola, que o foi também, para melhor exaltar a enésima hosana a um Ronaldo que nunca tinha sido convencido a ficar de fora (e que assim se poupou para as grandes datas)? Quem mais, além do madeirense, teria a afoiteza de dizer, antes do jogo, que o "excesso de humildade não é bom", demonstração de assertividade e de transparência também espelhada no "vamos, vamos" gritado de punhos cerrados para os colegas e para as bancadas? Juntos, Zidane e Ronaldo criaram um Real Madrid de lenda.

O campeão europeu é uma equipa transparente, no sentido em que se conhecem as suas bonanças e também as suas calamidades, como a transformação ao intervalo voltou a provar em Cardiff. Não é perfeita e assume o risco e o conceito dos que querem ser protagonistas. Usa a bola como escudo e defende como o fazem as equipas que mais respeitam o jogo, confiando na velocidade de Varane e Ramos. Ao contrário de outros com armas idênticas, não especula em excesso, mas é a melhor máquina de contra-golpe no futebol actual, o que não é de estranhar num Zidane que jogou em Itália e foi campeão do Mundo sob o comando de Aimé Jacquet. A imprensa espanhola não poupa elogios a um treinador que, em 17 meses, converteu o Real numa máquina de ganhar títulos e que conseguiu o que faltou aos ‘Galácticos’, ao ‘Dream Team de Cruyff’ ou ao Barça de Guardiola. Claro que este Real tem solistas e um coro com recursos infinitos. Só gastou 40 milhões em Morata e Asensio, mas tem o melhor plantel da sua história – bastariam alguns dos que ficaram no banco (Danilo, Nacho, Kovacic, Bale e Morata) e na bancada (Pepe, Coentrão, Lucas Vázquez e James Rodríguez) para fazer uma equipa capaz de lutar por títulos, ao contrário da Juventus, que não tinha nenhum avançado no banco. Mas os êxitos também aconteceram porque Zidane conseguiu a paz social que faltou a Benítez. O francês não faz gestos para os adeptos, não tem palavras altissonantes e não inventa tácticas. Mas fez com que todos os 24 jogadores (com a excepção de Rodriguez) se sentissem importantes. Usou o plano B, com os suplentes, em cinco jogos seguidos fora de casa. E aproveitou mais uma lesão de Bale para a evolução táctica que transformou o 4x3x3 no 4x4x2 losango benzido por um Isco amadurecido e que potencia ainda mais um CR7 que se reconverteu como jogador. Mas este Real Madrid camaleónico e sem um estilo único também marcou a diferença em Cardiff à custa da excelente condição física. E não foi apenas por ter uma média etária baixa (25,7 anos, contra os 28,3 de uma Juve que tem um esqueleto defensivo à beira da reforma). Saltou à vista que o Real vendia saúde. Mal sucedeu a Benítez, Zidane queixou-se da condição física e passou a iniciar os treinos com umas voltas valentes ao campo, com ele à frente do pelotão. E, no final da época, exigiu a contratação de António Pintus, um italiano careca de 54 anos que estava no Lyon e de quem Zidane gostava desde os tempos em que ainda jogava na Juve. Pintus tinha sido o preparador físico de vários clubes, incluindo do Monaco de Deschamps (outro seu ex-jogador, tal como Vialli, com quem trabalhou no Chelsea) que perdeu a Champions, em 2004, frente ao Porto. Houve quem duvidasse da contratação, porque Pintus é tudo menos um inovador. Não quer saber do treino integrado, preferindo a corrida contínua e as séries de sprints. Deixou os jogadores de rastos nos primeiros tempos e fez uma segunda pré-época em Janeiro, após o regresso do Mundial no Japão. A verdade é que, tirando partido do trabalho físico (por vezes individualizado) e da rotatividade, o Real chegou ao final da época em excelente condição, provando-se mais uma vez que no futebol há mais do que um caminho para o sucesso. Passou também a haver rigor alimentar, o que ajudou Benzema a perder cinco quilos. E Ronaldo está muito mais esguio e parecido com o jogador que chegou de Manchester (embora aqui haja mérito de quem sabe que, a partir dos 30, se deve perder um quilo por ano para manter as faculdades). Ronaldo (que entre 18 de Março e 17 de Maio não fez nenhum jogo fora do Bernabéu) está hoje mais rápido 2 Km/h: nos 12 jogos até Janeiro corria à velocidade média máxima de 30 km/h; desde Março (17 jogos) passou para os 32 km/h e, frente ao Celta, atingiu mesmos os 33,25.»

Uma excelente crónica de Bruno Prata, cuja leitura me deu um prazer tão grande quanto o desejo de a recomendar a uma boa porção de pessoas, que me escuso a trazer para aqui para que as possa poupar, caridosamente, a colossais problemas de consciência! Se acaso os respectivos umbigos o permitissem, do que duvido muito!...

Cristalizar não será apenas um verbo que poderá definir a transformação/condensação em cristal, ou um caminho para a conservação em/com açúcar de tantas guloseimas proibidas. O vocábulo atinge a sua máxima dimensão sempre que significar ausência de mudança, manutenção excessiva no tempo do mesmo estado ou situação. E nele estará a melhor explicação para o êxito de Zinedine Zidane e Cristiano Ronaldo...

Eles são do tipo que jamais se deixará cristalizar!...

Leoninamente,
Até à próxima

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