Alguém, quiçá um qualquer deus menor, escondido entre o arvoredo das margens íngremes e pedregosas do pântano, terá atirado um enorme pedregulho para as águas estagnadas e podres. As ondas de choque, alterosas na proporção da pedra, propagaram-se e precipitaram-se violentamente sobre as margens, que estarão a suicidar-se nas águas, levando para o fundo a riqueza ribeirinha, escudada numa acalmia de décadas.
Em boa hora os leões, à revelia dos caciques locais, se afastaram das margens e dos répteis que por lá se degladiavam e escolheram, bem mais acima, um aprazível planalto, de onde agora assistem ao desespero das populações da borda d'água e dos caudilhos que as vão submetendo à tirania.
E as ondas de choque vão desfazendo margens e ameaçando bens e pessoas. Que já não vivem, antes sobrevivem, enquanto adivinham uma morte lenta e inexorável, que ameaça tudo e todos. Até os cabos-de-guerra. E instalou-se o caos.
A plebe, com as culturas arrasadas e os répteis substituindo os pescadores, está com fome e sem dinheiro. Não paga impostos. E a miséria grassa no reino. E os caudilhos, pressurosos, correm à sede do império, por umas singelas moedas de ouro. E voltam de mãos a abanar. Alguém terá instituído uma nova ordem e a pobreza aproxima-os da plebe.
No planalto, os leões já colhem os frutos das árvores que plantaram e que com desvelo e carinho têm tratado. E aproxima-se o Verão. Dizem que trará uma seca de que ninguém se recordará. Os leões encolhem os ombros. Há muito os seus sistemas de rega, a maquinaria de tecnologia avançada e o jovem e bem formado trabalho braçal, os puseram a salvo dessas vicissitudes.
Vai ser duro o Verão. Os caciques estão a pensar mudar de capatazes, em busca de novas competências e soluções. Mas a competência está cara. E não há dinheiro. E a plebe está exausta e descrente. Os mais válidos emigram, sem perspectivas e sem aliciantes, fartos da podridão do pântano e da destrução das margens. Ficam os velhos e as crianças. Uns já não produzem, outros até o aprenderem, hão-de dar água pela barba aos novos capatazes que vierem de longe.
Diz-nos a História, que todos os impérios e civilizações acabaram por cair! O pantanal está moribundo! Os caudilhos começam a provar a sopa de lentilhas com que alimentaram a plebe. Hoje um! Amanhã será outro!
No planalto, os leões vivem felizes e acreditam no Futuro! Agora no planalto, é sempre Primavera!...
Leoninamente,
Até à próxima
Bom texto e excelente imaginação...parabéns...!!
ResponderEliminarE tentemos viver felizes, no planalto, na planicie, na savana, na floresta...na rua...em todo o lado...
Porque os Leões já sorriem...!!
Abraço e SL
Excelente,Álamo, gostei muito da sua fábula.
ResponderEliminarNão serei tão optimista como o meu amigo quanto à chegada da Primavera plena, mas que já vemos plantas a nascer, outras a começar de florir ou florindo mesmo, disso não duvido.
Mas receio que, do outro lado da montanha, outro lodaçal esteja a formar-se e, se assim for, os répteis (octópodes?) que ali se instalarão serão tão ou mais perigosos que os que estão a desaparecer -lembro a questão da Tv com aquele antigo charco, que julgávamos seco e que, afinal, mantinha uns quantos répteis em hibernação...
E temos aqueles répteis alados, quais pterossauros, que soltam silvos estridentes com os quais condicionam, muitas vezes, o labor dos trabalhadores que honestamente ganham a sua vida no prado fecundo.
Mas, sim, o pantanal ficou moribundo e mesmo que outros se formem, penso que nunca mais nada será como dantes.
Um abraço
SL
Liondamaia,
Eliminaros octópodes são moluscos e não répteis. Ao contrário destes, os moluscos não possuem ossos (nem, obviamente, Coluna Vertebral)!
Abraços
SL
Magnífico texto amigo Álamo, sinceramente já me começam a faltar os adjectivos para o elogiar, texto após texto cada vez me deixa mais surpreendida, tal é o talento que tem para a retórica....Simplesmente sublime....Qt aos personagens de que fala no texto, desejo que se degladiem o mais depressa possível, para nós podermos descer do planalto sem medo de nos sujarmos...
ResponderEliminarAbraço Leonino
Aos meus amigos, Max, Liondamaia e Maria, obrigado.
EliminarE um grande e leonino abraço