As máscaras da indignação
«A semana passada, nestas colunas, perguntava se "alguém quer ser ‘campeão do vírus’?"
Estamos todos com muito pouca vontade de falar de futebol, da época que foi suspensa e dos cenários que se colocam, resultantes desta paragem. Apesar do isolamento social a que estamos confinados, contrariado por alguns líderes políticos que acham necessário sacrificar mais de 1 milhão de vítimas para ‘salvar’ as economias, o Mundo não pára e não podemos ignorar as decisões políticas, as orientações das autoridades e dos técnicos de saúde e também as consequências económicas, mesmo aquelas que estão relacionadas com a indústria do futebol.
Curiosamente, não há competição, não há jogo, o mais importante no futebol, mas há muita coisa para falar, analisar e debater, à margem das lógicas comunicacionais de sempre, se foi penálti ou não, se a dialéctica do Benfica é melhor do que a do FC Porto e vice-versa, se o Sporting é ou não para soterrar debaixo da obstinação dos guerrilheiros profissionais, e este é o tempo para a corporação do futebol começar a mudar aquilo que era importante já ter sido mudado, muito tempo antes da eclosão desta pandemia que a todos ameaça.
A pergunta aqui colocada na semana passada não foi respondida, pelo menos de forma pública e e nem se esperava que fosse, mas já se adivinhava que o silêncio (comprometedor) iria imperar.
Pinto da Costa quer que o FC Porto seja ‘campeão do vírus’.
Luís Filipe Vieira ambiciona que o Benfica ainda se possa sagrar ‘campeão do vírus’.
O País precisava que nesta altura as duas grandes instituições dessem um sinal de nobreza e de entendimento sobre o momento dramático que vivemos.
Não interessa que a pandemia não esteja controlada; não interessa que muitas outras pessoas vão morrer; não interessa sequer se estão garantidas as condições necessárias (físicas e psicológicas) para se competir; não interessa se esta mobilização do futebol, supostamente afastada do resto da sociedade, não vai criar maiores problemas no objectivo principal de se mostrar um cartão vermelho ao vírus e irradiá-lo do nosso território.
O problema do impasse da época das competições profissionais começa aqui: os dois presidentes dos dois clubes que ganharam entretanto vantagem a ponto de poderem conquistar o título de 2019-20 estão agarrados à expectativa de poderem juntar mais um título de campeão nacional aos seus currículos e não abrem mão disso, mesmo quando são confrontados com o registo diário de mortes em Portugal, na Europa e no Mundo e, também, sabedores que a conclusão da temporada vai colocar aos profissionais de saúde um stress adicional, com consequências directas ou indirectas para a própria comunidade.
Antes do debate sobre as soluções do presente e respectivo enquadramento no futuro incerto que nos espera, há que fechar, todavia, o tema da conclusão da presente temporada e gostaria de deixar bem clara, em resumo, a minha posição sobre o tema:
1. Sou a favor de não atribuição do título correspondente à actual época de 2019-20.
«A semana passada, nestas colunas, perguntava se "alguém quer ser ‘campeão do vírus’?"
Estamos todos com muito pouca vontade de falar de futebol, da época que foi suspensa e dos cenários que se colocam, resultantes desta paragem. Apesar do isolamento social a que estamos confinados, contrariado por alguns líderes políticos que acham necessário sacrificar mais de 1 milhão de vítimas para ‘salvar’ as economias, o Mundo não pára e não podemos ignorar as decisões políticas, as orientações das autoridades e dos técnicos de saúde e também as consequências económicas, mesmo aquelas que estão relacionadas com a indústria do futebol.
Curiosamente, não há competição, não há jogo, o mais importante no futebol, mas há muita coisa para falar, analisar e debater, à margem das lógicas comunicacionais de sempre, se foi penálti ou não, se a dialéctica do Benfica é melhor do que a do FC Porto e vice-versa, se o Sporting é ou não para soterrar debaixo da obstinação dos guerrilheiros profissionais, e este é o tempo para a corporação do futebol começar a mudar aquilo que era importante já ter sido mudado, muito tempo antes da eclosão desta pandemia que a todos ameaça.
A pergunta aqui colocada na semana passada não foi respondida, pelo menos de forma pública e e nem se esperava que fosse, mas já se adivinhava que o silêncio (comprometedor) iria imperar.
Pinto da Costa quer que o FC Porto seja ‘campeão do vírus’.
Luís Filipe Vieira ambiciona que o Benfica ainda se possa sagrar ‘campeão do vírus’.
O País precisava que nesta altura as duas grandes instituições dessem um sinal de nobreza e de entendimento sobre o momento dramático que vivemos.
Não interessa que a pandemia não esteja controlada; não interessa que muitas outras pessoas vão morrer; não interessa sequer se estão garantidas as condições necessárias (físicas e psicológicas) para se competir; não interessa se esta mobilização do futebol, supostamente afastada do resto da sociedade, não vai criar maiores problemas no objectivo principal de se mostrar um cartão vermelho ao vírus e irradiá-lo do nosso território.
O problema do impasse da época das competições profissionais começa aqui: os dois presidentes dos dois clubes que ganharam entretanto vantagem a ponto de poderem conquistar o título de 2019-20 estão agarrados à expectativa de poderem juntar mais um título de campeão nacional aos seus currículos e não abrem mão disso, mesmo quando são confrontados com o registo diário de mortes em Portugal, na Europa e no Mundo e, também, sabedores que a conclusão da temporada vai colocar aos profissionais de saúde um stress adicional, com consequências directas ou indirectas para a própria comunidade.
Antes do debate sobre as soluções do presente e respectivo enquadramento no futuro incerto que nos espera, há que fechar, todavia, o tema da conclusão da presente temporada e gostaria de deixar bem clara, em resumo, a minha posição sobre o tema:
1. Sou a favor de não atribuição do título correspondente à actual época de 2019-20.
2. A actual classificação da Liga serviria para designar as equipas a jogar na próxima época na UEFA (FC Porto e Benfica na Champions e SC Braga e Sporting, na Liga Europa).
3. Não haveria final de Taça nem portanto designação de vencedor.
4. Não haveria subidas nem descidas.
5. As equipas neste momento em posição de subida (Nacional e Feirense) seriam compensadas na próxima época com + pontos à partida e/ou com prémio financeiro.
6. A indicação de um vencedor do campeonato (à semelhança do que fez a Liga belga) não me parece ser a melhor solução, mas seria preferível a criar-se a expectativa de jogos em Julho (à porta fechada), com consequências/riscos ao nível do sector da saúde.
7. As soluções devem ser achadas no sentido de não potenciar mais vítimas e proteger os técnicos e o próprio sistema de saúde.
8. Sem este stress adicional, em cima da incerteza, tornar-se-ia mais fácil arranjar soluções para mitigar os efeitos decorrentes desta paragem forçada e preparar a próxima época. Estas soluções visam também a protecção dos atletas, e espanta que a FIFPro não tenha sobre esta matéria uma posição clara e de força. A FIFA e as suas confederações — a UEFA, no caso europeu — deveriam chegar-se à frente para compensar os prejuízos entre Abril e Junho.
9. É bom não esquecer que em Itália a propagação do vírus pode ter começado com as aglomerações em estádios de futebol.
10. Todas as soluções devem passar pelo princípio de que as nossas vidas não são negociáveis, e é essa mensagem que o Futebol não está a passar, embora saibamos que a este nível as recomendações da Organização Mundial de Saúde e os respectivos ministérios, em cada País, serão determinantes.
Repito: em toda esta incerteza e sempre sob o risco de condicionar e ferir a integridade de duas épocas futebolísticas de uma assentada — uma vez que é muito difícil assegurar a ‘normalidade’ em 2/3 meses —, o problema maior é jogar-se (previsivelmente à porta fechada) sem que o surto da Covid-19 esteja totalmente controlado. Não seria muito melhor encerrar esta época, a FIFA e a UEFA monitorizarem e subsidiarem, juntos das respectivas Federações (e estas com as Ligas), os custos desta paragem e começar a próxima temporada nas datas previstas, se necessário com pequenos ajustamentos de calendário, uma vez que estaremos em época de Europeu e de Mundial de Clubes?
Depois do que aconteceu e está a acontecer principalmente em Itália e Espanha, acham mesmo — saindo das nossas fronteiras, porque este é um problema global — que há condições éticas e de gestão psicológica do momento para os campeonatos recomeçarem?
É uma perfeita loucura. Já se viu e ouviu de tudo, propostas de isolar estádios, jogadores, treinadores, médicos, fisioterapeutas, pessoal das estruturas de apoio, e o problema — pela dimensão do negócio e ninguém querer chegar-se à frente— é que esse tipo de propostas vem de todo o lado, até do Reino Unido…
Em caricatura, só falta os estádios usarem máscaras; as bolas usarem máscaras e os jogadores a concluirem as competições de máscara a tapar o nariz e a boca — e a lavar as mãos e a manterem a distância táctica e social de 2 metros, mesmo depois de terem sido submetidos aos testes a que largos sectores da população não têm acesso.
As máscaras da indignação que nunca mais chega.
A Bélgica e a Holanda estão a colocar a saúde à frente do reatamento das competições (sendo certo que é preciso encontrar soluções para o negócio, no imediato) e Sérgio Conceição resumiu — como outros protagonistas já o fizeram, como por exemplo Jonas — o essencial: "Sei que há muitos interesses, mas o mais importante é a saúde das pessoas".
O futebol vai ter de mudar. E é essa mudança que interessa considerar. Por exemplo: em Portugal, os clubes portugueses gastam num ano mais de 83M€ em comissões. Imagine-se este dinheiro utilizado para financiar a saúde do futebol profissional no seu todo. Voltarei ao assunto.
Repito: em toda esta incerteza e sempre sob o risco de condicionar e ferir a integridade de duas épocas futebolísticas de uma assentada — uma vez que é muito difícil assegurar a ‘normalidade’ em 2/3 meses —, o problema maior é jogar-se (previsivelmente à porta fechada) sem que o surto da Covid-19 esteja totalmente controlado. Não seria muito melhor encerrar esta época, a FIFA e a UEFA monitorizarem e subsidiarem, juntos das respectivas Federações (e estas com as Ligas), os custos desta paragem e começar a próxima temporada nas datas previstas, se necessário com pequenos ajustamentos de calendário, uma vez que estaremos em época de Europeu e de Mundial de Clubes?
Depois do que aconteceu e está a acontecer principalmente em Itália e Espanha, acham mesmo — saindo das nossas fronteiras, porque este é um problema global — que há condições éticas e de gestão psicológica do momento para os campeonatos recomeçarem?
É uma perfeita loucura. Já se viu e ouviu de tudo, propostas de isolar estádios, jogadores, treinadores, médicos, fisioterapeutas, pessoal das estruturas de apoio, e o problema — pela dimensão do negócio e ninguém querer chegar-se à frente— é que esse tipo de propostas vem de todo o lado, até do Reino Unido…
Em caricatura, só falta os estádios usarem máscaras; as bolas usarem máscaras e os jogadores a concluirem as competições de máscara a tapar o nariz e a boca — e a lavar as mãos e a manterem a distância táctica e social de 2 metros, mesmo depois de terem sido submetidos aos testes a que largos sectores da população não têm acesso.
As máscaras da indignação que nunca mais chega.
A Bélgica e a Holanda estão a colocar a saúde à frente do reatamento das competições (sendo certo que é preciso encontrar soluções para o negócio, no imediato) e Sérgio Conceição resumiu — como outros protagonistas já o fizeram, como por exemplo Jonas — o essencial: "Sei que há muitos interesses, mas o mais importante é a saúde das pessoas".
O futebol vai ter de mudar. E é essa mudança que interessa considerar. Por exemplo: em Portugal, os clubes portugueses gastam num ano mais de 83M€ em comissões. Imagine-se este dinheiro utilizado para financiar a saúde do futebol profissional no seu todo. Voltarei ao assunto.
* Texto escrito com a antiga ortografia
(Rui Santos, Pressão Alta, in Record, hoje às 20:30)
Mais palavras para quê?!...
Leoninamente,
Até à próxima
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