terça-feira, 14 de abril de 2020

Cada vez gosto mais de Abril!!!...


O primeiro Abril
Parece-me ser o Abril verdadeiro que só pôde nascer porque nós fomos impedidos de boicotá-lo com todos os nossos gases deletérios.

«Sentimos o tempo de uma maneira diferente daquela que a meteorologia tem. As impressões que temos podem ser erradas de um ponto de vista meteorológico, mas isso não é estranho. Estranho seria se não fossem.

A sensação que se tem do tempo durante a pandemia é de silêncio. Mas não é silêncio. É um silêncio que permite ouvir os insectos, os pássaros, as plantas.

A sensação que se tem do ar é de limpeza. Mas não é limpeza. É só a ausência da sujidade do costume. Respira-se bem? Não sei, respira-se menos mal, não há no ar tantos venenos como costuma haver. É como o alívio de quem deixa de dar marteladas na cabeça: sabe bem, até parece um prazer – mas seria melhor se nunca tivesse dado marteladas na cabeça. E, por sua vez, à pessoa que nunca deu marteladas na cabeça não ocorre pensar que está bem só por causa disso.

Imagino assim que no mês de Abril o tempo aproveitou a ausência das nossas sujidades para ser Abril. É como se o princípio da Primavera se tivesse libertado. Está mais fresco sem o aquecimento podre dos escapes e dos exaustores. Há mais água, o sol passa mais limpinho, o vento vai mais leve, as nuvens andam menos penduradas.

A impressão que tenho deste mês de Abril é ser o mês mais Abril e águas mil desde que me lembro. Parece-me ser o Abril verdadeiro que só pôde nascer porque nós fomos impedidos de boicotá-lo com todos os nossos gases deletérios. Não se pense que é a ausência de máquinas que é tão hospitaleira para a natureza: é a ausência de seres humanos, sujando tudo por onde passam.

Aproveitemos.»
(Miguel Esteves Cardoso, Crónica Coronavírus, in Público, hoje às 06:05)


E mais Miguel! Perdoarás que acrescente à tua poesia estes sentimentos muito meus: em Abril nasceu o meu orgulho patriótico, machucado e amarfanhado por solas de sapatos que nem eram meus; em Abril nasceu o meu filho; em Abril votei pela primeira vez como homem livre; em Abril, águas mil descarregaram sobre mim a tempestade que me fez compreender, finalmente e já velho e gasto, que o maior bem de todo o homem é ter a liberdade de poder abraçar quem precisa de um abraço...

Cada vez gosto mais de Abril!!!...

Leoninamente,
Até à próxima

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