Decidir em tempos de absoluta incerteza
«Há um ponto em que todos estamos de acordo: não há certezas absolutas sobre quase nada no que diz respeito à covid-19. Sabemos que é muito contagiosa. Sabemos que é muito letal a partir de uma certa idade. Não sabemos muito mais do que isso. Um médico ou um epidemiologista dirá que essa incerteza exige a máxima prudência – já vimos o que a epidemia fez aos países que não agiram a tempo. Um economista ou um gestor que contacte todos os dias com os efeitos brutais da quarentena na destruição do tecido social e empresarial dirá que o excesso de prudência irá matar mais do que o vírus – estamos todos a ver, pelos números do desemprego e de layoff, o que a contenção extrema faz em economias abertas. Cabe aos políticos ouvir os dois lados, tomar decisões e arcar com as consequências.
Os epidemiologistas podem dar-se ao luxo de dizer “não sei” durante várias semanas, tal como os economistas podem dizer “não sei” durante vários meses. Os próprios políticos podem dizer “não sei” durante alguns dias – mas, a partir de certa altura, quer saibam ou não, vão ter de decidir o que fazer quanto às medidas de contenção, não só porque essa é a natureza do seu trabalho, mas porque a passividade seria, em si mesma, uma acção. E é aqui que deixamos todos de estar de acordo: acredito que muita gente está enganada quando exige que a decisão dos políticos de ir levantando aos poucos a quarentena esteja escorada em dados científicos inabaláveis. Se tal fosse possível, seria óptimo – só que não é. Por uma dupla razão: 1) há aspectos sociais, emocionais e políticos em jogo que nada têm de científico; 2) mesmo naquilo que é especificamente científico, a ciência está neste momento aos papéis com a epidemia, como todos nós.
Para funcionar a preceito, a ciência precisa de tempo para levantar hipóteses e para as testar, para observar e verificar – e o combustível do método científico são os dados fiáveis. Neste momento, não há nada disso. Basta olhar para a famosa taxa de letalidade, de que todos os dias ouvimos falar nas notícias. Ela obtém-se dividindo o número de mortos pelo número de infectados; parece uma conta muito simples de fazer e muito útil para comparar a evolução da pandemia nos países que vão sendo atingidos. E é simples e útil, de facto – mas só se os números forem credíveis e os dados comparáveis. Infelizmente, não são.
O denominador da taxa de letalidade – o número de infectados – é um mistério, porque está limitado não só pela quantidade de testes disponíveis, mas também pela existência de uma percentagem que se supõe significativa de assintomáticos. O mistério é tão grande, que tanto é possível (embora improvável) que parte significativa da população esteja imunizada, como que 99,9% esteja ainda por imunizar. A solidez do numerador – o número de mortos – pode parecer muito superior à do denominador, mas até aí a susceptibilidade ao erro é enorme, na medida em que há uma diferença radical entre morrer com covid-19 e morrer de covid-19. Tão radical, aliás, que muitos estimam ser essa a razão pela qual a Alemanha mantém uma taxa de letalidade tão baixa – não porque os seus hospitais façam milagres, mas porque as causas de morte obedecem a critérios distintos.
Perante isto, não espanta que os líderes dos países da pandemia estejam com a popularidade tão em alta – quem quereria estar na sua pele? Vivemos tempos de absoluta incerteza, onde cada decisão é um risco e cada indecisão uma tragédia.»
(João Miguel Tavares, Opinião Coronavírus, in Público, em 07 de Abril de 2020 às 06:19)
Penso que estará a faltar a João Miguel Tavares debruçar-se, com substância e profundidade, sobre as razões que estarão a suportar o facto de "os líderes dos países da pandemia estarem com a popularidade tão em alta". Talvez aí encontrasse uma boa parte das respostas às suas dúvidas que passarão, em boa parte, pela omnipresente e maior de todas as verdades: o terror demonstrado por todas as oposições em criticar o que tem sido feito e apontar caminhos para o futuro!...
Há quem se sinta mergulhado no mais completo terror e numa posição ainda mais desesperada do que...
Aqueles a quem cabe decidir!!!...
Leoninamente,
Até à próxima
(João Miguel Tavares, Opinião Coronavírus, in Público, em 07 de Abril de 2020 às 06:19)
Penso que estará a faltar a João Miguel Tavares debruçar-se, com substância e profundidade, sobre as razões que estarão a suportar o facto de "os líderes dos países da pandemia estarem com a popularidade tão em alta". Talvez aí encontrasse uma boa parte das respostas às suas dúvidas que passarão, em boa parte, pela omnipresente e maior de todas as verdades: o terror demonstrado por todas as oposições em criticar o que tem sido feito e apontar caminhos para o futuro!...
Há quem se sinta mergulhado no mais completo terror e numa posição ainda mais desesperada do que...
Aqueles a quem cabe decidir!!!...
Leoninamente,
Até à próxima
JMT "não é flor que se cheire".
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