TV Fest – o festival da monumental estupidez
A ideia do TV Fest é tão parva que custa a acreditar que não tenha havido alguém na sala capaz de dizer isso no momento em que foi partilhada.
«Sim, eu sei que o TV Fest já foi cancelado, mas ainda assim vale muito a pena reflectir sobre ele, tanto pela peregrina ideia de o executar, como pela súbita necessidade de o extinguir. Este é um pequeno episódio particularmente demonstrativo daquilo que nos espera sempre que faltar o mais elementar bom senso na distribuição de apoios pelas muitas centenas de milhares de pessoas que foram (e continuarão a ser) profundamente atingidas pela crise. Muito em breve, a tentação de despejar dinheiro por cima dos amigos mais próximos e das classes mais ruidosas vai ser gigantesca, e a maior vocação dos governos socialistas não é a resistência às tentações.
Em primeiro lugar, a ideia do TV Fest. Ela é tão parva que custa a acreditar que não tenha havido alguém na sala capaz de dizer isso no momento em que a ideia foi partilhada. Era só levantar o dedo: “Peço desculpa, senhora ministra, tem mesmo a certeza de que quer fazer isso?” Das duas, uma: ou Graça Fonseca tem poucos amigos no Ministério da Cultura, ou então a sensibilidade política da sua equipa está ao nível da amiba. Tentem acompanhar-me. Alguém no ministério (adorava saber o nome do criativo), após notar que os artistas estavam a sofrer muito e que precisavam de ser apoiados, lembrou-se do seguinte: “E se nós fizéssemos um festival à distância transmitido pela RTP, em que filmávamos 120 artistas e distribuíamos um milhão de euros por eles?”
Os artistas – note-se – já estavam a fazer concertos à borla a partir de suas casas, mas em vez de esse ser um argumento contra a ideia, a ministra da Cultura achou que era um argumento a favor. Segundo ela, os músicos portugueses estão a ser “inexcedíveis”, e para premiar o seu exemplar comportamento nada como um presente do Estado, a 8333 euros por cabeça. Para não ser o Governo a escolher quais os 120 artistas a beneficiar do pilim, o TV Fest propunha que um dos primeiros quatro artistas escolhesse os quatro seguintes, e assim sucessivamente, com o objectivo de “criar uma corrente entre os músicos” – como se o amiguismo descentralizado deixasse de ser amiguismo, e como se, numa altura destas, os que ficassem de fora suportassem passivamente que outros embolsassem milhares de euros estatais sem qualquer critério discernível a não ser a sorte, o gosto e o número de telemóvel certo.
Mais: embora a ministra se tenha esforçado por sublinhar que técnicos e agentes também iriam ganhar algum, ninguém percebeu quanto sobrava para eles. Ora, embora os músicos estejam com certeza a sofrer muito, muito mais sofrem aqueles que no backstage fazem a música acontecer. Nas preocupações de um país decente, técnicos e roadies têm necessariamente de estar à frente das estrelas da pop nacional. O TV Fest era, logo à cabeça, uma enorme injustiça que colocava o dinheiro nas mãos de quem menos precisava.
O mais curioso neste extraordinário festival que antes de nascer já estava morto é o amuse-bouche de confusões e polémicas a que iremos assistir nos próximos meses. Com sectores inteiros devastados – a música é só um deles –, dificilmente haverá bolo para tantas bocas. Como é óbvio (menos para o Ministério da Cultura), o Governo está manifestamente proibido de distribuir um euro que seja sem que a sua atribuição esteja sustentada em critérios básicos de justiça social, que possam ser compreendidos pelos portugueses. Sempre que “Fest” for a abreviatura de “festim”, o país inteiro vai esbravejar – e com toda a razão.»
(João Miguel Tavares, Ipsilon, Opinião Coronavírus, in Público, hoje às 16:00)
Uma crítica devastadora mas que, mesmo parecendo-me conter demasiado e desnecessário 'vinagre ideológico' em momento que de nenhum modo o recomenda, entendo como assertiva e justa.
E não seria difícil à senhora ministra escolher um caminho mais correcto, sem de algum modo incorrer naquilo que JMT e bem, caracteriza como estando "manifestamente proibido" ao Governo: "distribuir um euro que seja sem que a sua atribuição esteja sustentada em critérios básicos de justiça social que possam ser compreendidos pelos portugueses"...
"Festins" agora, não!!!...
Leoninamente,
Até à próxima
Andam por aí Tordos...
ResponderEliminar"Armados...em melros..."
Mau, mau, mau!... O amigo Max parece saber algo mais do que aparenta! Amigo, fico à espera na minha caixa do correio quer me esclareça como julgo merecer e sei que o amigo é homem para isso! É que até tenho esse 'pássaro', extirpando-lhe a 'costela benfa', como boa gente! Mas...
EliminarSL