Pedro Baltazar: «Não há nenhum projecto»
Antigo candidato à presidência vai à AG de accionistas da SAD denunciar problemas que "continuam lá e vão agudizar-se"
«Antigo candidato à presidência vai estar na assembleia geral de accionistas da SAD com o objectivo de denunciar o "desnorte total" da administração, bem como a falta de "capacidade de reacção e autocrítica" de Varandas e seu pares.
RECORD – Não há como começar de outra forma. O actual momento do Sporting preocupa-o?
PEDRO BALTAZAR – O Sporting, em termos de Conselho Diretivo, está razoavelmente bem dirigido. Também não nos esqueçamos de que, a esse nível, há uma estrutura profissional no clube, há várias direções. Em termos de Sporting clube não existem grandes motivos de preocupação. Esse movimento, entendo que está balanceado.
R – Já, em termos de SAD…
PB – Eu já perspectivava que a experiência no futebol que foi comunicada, durante a campanha, não fosse exactamente assim e nunca vi, agregando a administração da SAD, mais-valia fundamental. Não quer dizer que as pessoas não tragam mais-valias, mas não mais-valia fundamental, tendo em conta as administrações anteriores, de Bruno de Carvalho e Godinho Lopes. Precisaria de uma estrutura com um perfil de pessoas muito mais experimentadas, em termos de vida empresarial, que tivessem mais ligações ou dessem mais confiança aos agentes económicos. Agora, não esperava que não existisse, na realidade, um projecto. Não há nenhum projecto! Não consigo ver, ao longo deste ano, uma medida estruturada dentro de uma ideia. Deram-se alguns retoques na Academia, trouxeram-se umas pessoas que eles consideram mais-valias, mas o desnorte é total.
R – Quer concretizar?
PB – Por aquilo que li, o relatório e contas que vai discutido na assembleia geral ainda me assusta muito mais. A administração da SAD deveria ter lucros ou dar-nos os títulos ou ter uma equipa que nos desse confiança, em termos desportivos. Nada disso acontece. Podem dizer que, na época passada, ganhou-se a Taça de Portugal, o que me deu grande alegria…
R – Sente que, de alguma forma, foi desperdiçado o potencial de crescimento que poderia surgir na sequência da conquista dessa Taça de Portugal?
PB – As pessoas têm que estar preparadas para ganhar. Tem muito a ver com a maturidade e com a experiência que temos. Quer de vida quer empresarial. A maior qualidade da vida é sabermos vencer e também reagirmos com dignidade a uma derrota justa. É mais um sintoma de que esta administração, em vez de tentar arrumar o passado, ficou extasiada com o êxito e não soube o que fazer. Porque todos concordamos que esta pré-época e a preparação da época foram desastrosas. E o que me preocupa ainda mais é que não há capacidade de reacção e de autocrítica para resolver…
R – Dê exemplos dessa incapacidade?
PB – Esta escolha do treinador. E, para mim, qualquer jogador que veste a camisola do Sporting passa a ser bom jogador. Isto, para dizer que todos os treinadores, quando assinam, também passam a ser bons treinadores. Agora, a própria escolha do Silas… Foram falados cinco treinadores com perfis completamente diferentes. Isto é ter um projecto? Isto não é nada. É olhar para o dia-a-dia. Não podem, nesta fase, que é fulcral, andarem a falar com cinco treinadores. Percebo porque é que o Silas aceitou. É do Sporting, quer fazer carreira, até pode ser que funcione. Seria irmos todos contra os ‘odds’, porque os ‘odds’ não lhe são favoráveis. Não é pelo perfil dele, pelo próprio sentimento da equipa.
R – Um sentimento tornado público através do desabafo de Bruno Fernandes…
PB – O Bruno Fernandes, que é hoje a única pessoas que se preocupa a 100 por cento com o Sporting. Estas coisas não são negativas para ele, são muito positivas, do ponto de vista dos sócios e adeptos, porque é a única pessoa que está verdadeiramente preocupada. Não complicou nem a saída nem a permanência. Este é mais um dos grandes sintomas de que toda a estrutura do futebol – contrária à repetição exaustiva que o presidente Varandas disse, durante a campanha, eu percebo de futebol, o futebol está bem entregue – todos os movimentos feitos, quer do ponto de vista financeiro quer do ponto de vista técnico são completamente contrários.
Vou dar dois exemplos: nunca nenhum clube no Mundo pagou uma rescisão nos Emirados Árabes Unidos. Estou a falar do Keizer. Independentemente de não discutir o Keizer, que tem um sistema de jogo que não me desagrada, mas que estava completamente desfasado da realidade e, depois, não teve suporte. O Sporting pagou 600 ou 700 mil euros. Nos Emirados Árabes Unidos, normalmente, pagam para os jogadores e os treinadores se irem embora. Não o contrário. Num outro ponto de vista, o resto da estrutura, e estou a falar de diretores desportivos e de toda a estrutura, tem de apoiar e tem de explicar ao treinador Keizer que não se pode perder 5-0 com o Benfica, que é preciso ter algum cuidado com aquilo que os adeptos do Sporting querem. Porque ele, na realidade, treinava bem. O presidente Varandas foi rápido demais com coisas como a Unidade de Performance, que são válidas, mas não deveriam ser o mais importante. Ele achou que seria aquelas que lhe dariam mais ‘soundbites’ ou mais apoio. Porque a estrutura do futebol, mesmo dentro do futebol, passou a ser menos executante, passou a ter menos confiança, porque não conhece as pessoas, passou a haver uma grande competitividade entre os profissionais, mas isso é bom, quando se ganha, quando se está a crescer, quando se tem um plano estratégico… Quando é o contrário, essa competitividade é zero, porque depois ninguém quer ter responsabilidades.
R – Em tempos afastou-se um pouco das actividades da SAD, na AG de terça-feira estará presente. Vai fazer sentir todas essas suas preocupações?
PB – Fui candidato em 2011, com uma grande equipa ao lado, talvez com a mesma falta de experiência. Se tivéssemos ganho, com certeza que teria sido melhor, nalguns aspectos. Contra quem ganhou, em termos de futebol. Talvez não fosse, em termos de clube, tão eficiente. Mas ganhei uma grande experiência, conheci um conjunto de coisas. Já tinha sido administrador não executivo da SAD, durante três anos. Foi no tempo do Paulo Bento, em que fomos quatro vezes segundos classificados, o futebol não era tão entusiasmante, mas a equipa era muito bem montada e chagamos uma vez aos oitavos de final da Liga dos Campeões. Por acaso, esses dois jogos com o Bayern Munique correram mal. Isto para dizer que considero ter estabelecido relações com muitas pessoas que têm posições importantes em clubes europeus. Hoje também já vão mudando. Os capitais diferentes têm entrado nas SAD. Estou a falar do futebol italiano, que sempre segui. Ainda mantenho desde o tempo dessa SAD contactos com uma série de presidentes ou detentores e accionistas de quase todos os clubes. Um deles saiu agora do Lille, era um antigo accionista do Lille. A minha visão do futebol é uma visão entusiasta, que começou na bancada, que ganha, a todos os níveis, com a minha experiência empresarial. Este interesse pelo futebol vem desde a primeira compra de acções da SAD.
Fui o primeiro accionista privado, sem o saber, porque sempre pensei que os sportinguistas alocassem mais recursos nessa altura. Também percebo que os sportinguistas eram mais inteligentes do que eu, porque a gestão desses recursos não era feita da forma que nós achamos nas empresas que tem de ser feito: criar valor, suportar os funcionários e sermos sérios em termos de mercado. Começamos agora a reconstruir a posição. Hoje temos meio por cento da SAD. É muito difícil ter mais, antes que haja o processo das VMOC’s, mas é um sinal. Não tem nada a ver com recursos, tem a ver com um sinal de interesse. Esse é o meu interesse. Estou a voltar a ter um interesse total. Não tem só a ver com esta situação grave e que me preocupa. Também tem a ver com o facto de eu não conseguir vislumbrar a capacidade de reacção. Há maus momentos, há momentos de azar, há momentos de sorte, mas é preciso ter capacidade de reacção. Eu não vejo esta capacidade. E julgo que o Sporting continua a ter – o clube Sporting e a Sporting SAD – a capacidade de se aproximar dos nossos rivais. Aqui e no projecto europeu. Estamos a ficar completamente fora de pé e não vejo esta capacidade de reacção. Isto é um bocado como os políticos. Conta-se uma coisa antes das eleições e depois esquecem-se quando lá chegam. O que interessa verdadeiramente é o que é que nós queremos para o Sporting e, depois, passado algum tempo, há uma desilusão total. E isto não tem a ver com os sportinguistas, tem a ver com as pessoas que lá estão, porque as pessoas têm de ter uma noção total. A assembleia é um bom momento de viragem. Eu vou, com certeza, lá estar, vão, com certeza, lá estar outros accionistas… É sempre uma derrota anunciada, porque os votos da SGPS são sempre maioritários, mas é uma voz que esta administração deveria ponderar, em termos do seu futuro. Têm ou não têm capacidade?
R – Sente que existe abertura por parte da administração para ouvir os accionistas?
PB – As coisas podem acontecer. O que interessa é as pessoas terem capacidade. Mesmo no próprio clube Sporting. O projecto Varandas ouve muito pouco os seus vogais. É o que me chega. Não gosto de ser injusto com as pessoas e, se não é verdade, peço desculpa, mas julgo ser verdade. Chegaram-me de várias fontes. Relativamente àquilo que eu vejo e ao discurso dele está agora numa campânula de vidro, muito semelhante ao que aconteceu ao Bruno de Carvalho, por outros motivos, mas muito mais graves. O grande sinal, que tem a ver com a análise do relatório e contas, a análise da execução, é preciso não ter noção absolutamente nenhuma para se pedir um voto de louvor à execução. O ataque a Alcochete trouxe um tipo de receitas que está neste relatório. Porque os acordos de venda dos jogadores que tinham rescindido serão, para o próximo semestre, como para o que passou, a grande fonte de receita. E nem discuto se foi bem, se foi no momento certo. Aí quero dar o benefício da dúvida às negociações feitas pela administração da SAD. Mas, de facto, as receitas estão lá. Porque as receitas próprias aconteceram agora, na venda do Thierry Correia, que é um momento de mercado, mas nós também recebemos noutro momento de mercado – e vamos ver se acertámos, porque os jogadores de futebol já têm a camisola do Sporting – jogadores que estavam para ser dispensados no último dia. Tivemos a sorte de também vender um e a oportunidade de receber três que têm tido problemas. Isto para dizer que na escolha do treinador, no acompanhamento da equipa, nos resultados da equipa, nos resultados financeiros não vejo algum mérito.
Relativamente às remunerações, vou esperar que os próprios administradores percebam esta contestação, tenham sentido bem lá no fundo que são do Sporting e tenham entendido que isto não é um emprego, porque eles não têm capacidade para este emprego. O problema é este. Se me pedirem para eu ter uma função numa indústria ou num sector que eu não percebo, eu não tenho capacidade. E não me considero uma pessoa pouco competente naquilo que faço. Por isso, eu respeito a grande competência que as outras pessoas tenham, mas não têm a experiência necessária dentro deste sector. E os resultados estão à vista.
As pessoas deviam ficam muito contentes e estarem satisfeitas com a remuneração que têm. Lembre-se que esta remuneração, no primeiro ano, também está num dos pontos da assembleia, que é a ratificação, tinha a ver com os últimos ordenados da antiga SAD, dirigida por Bruno de Carvalho. Mas, as pessoas que lá estavam – e eu não faço comparações nem de carácter nem de capacidade profissional – tinham, no mínimo, três ou quatro anos de mandato. Por isso, tinham uma experiência acumulada. E estas pessoas entraram exactamente com o mesmo ordenado das outras, por isso já têm um prémio. E têm que ter a noção das dificuldades.
As pessoas estão a esquecer-se da dificuldade que foi emissão obrigacionista, do custo que o Sporting tem, do custo do empréstimo feito pelo fundo, que podia ter sido muito mais barato, segundo me dizem, mas que, devido à lentidão da decisão da própria SAD, tornou-se mais oneroso, em termos de juros. E, numa situação destas, em que se dispensa o Bas Dost, devido ao seu peso salarial, que eu até posso admitir que era excessivo… Vamos dar o benefício da dúvida, porque, à partida, são pessoas honestas, podem é não ser competentes. Por isso, não podem agora arranjar prémios. Mas, prémios de quê? De estar à secretária? Ainda não percebi onde é que está esta comparação. E, mais do que isso. A situação do Sporting e da Sporting SAD não está para isso. Eu estou a fazer este quase pedido directo à administração da SAD porque as pessoas não vão compreender. Não é por contratar um novo treinador, que vai mudar o plantel todo, até pode ganhar dois, três… Os problemas continuam lá e vão agudizar-se, se não houver a capacidade de agregar valor dentro disto.
Queria também dizer que, depois, temos as novas pessoas, cujo voto vai ser por aí… Se se mantiver a proposta da comissão de vencimentos com certeza que vamos votar completamente contra.
R – Votarão vencidos…
PB – Depois há uma das outras propostas… A primeira aponta para o facto que é real, mas é discutível, que é as próprias pessoas não poderem votar, serem juízes em causa própria. Eu percebo esse ponto de vista, que também é muito a puxar à alma sportinguista de Frederico Varandas. De facto, é dar-lhe espaço para ele poder recuar, para não aceitar. Vamos ver como resulta. Se resultar, é exactamente a mesma coisa. Escusamos nós de intervir. Há a segunda, que me parece um bocadinho mais rebuscada, que é ir buscar os ordenados das pessoas, que tinham antes. São coisas que não são comparáveis. Mais do que isso, tem outro problema em termos da administração da SAD. Eu percebo porque é que as pessoas estão assim. Nem todas as pessoas têm empresas ou podem contar com as suas empresas, mas, na realidade, três quartos da administração da SAD deixaram o seu vínculo às empresas onde trabalhavam. Isso é um sinal de passagem, um sinal péssimo. As pessoas têm de fazer opções na vida, com 20, 30, 40, 50 anos. Que é fazer coisas em instituições e coisas que dizem que gostam. Mas chegam lá e deixam de gostar ou passa-se qualquer coisa. Por isso, volto ao início: tenho algumas saudades do tempo da bancada.
R – Percebe-se que está por dentro dos assuntos, mas longe de uma candidatura à presidência do Sporting?
PB – Eu dedico uma a duas horas por dia a perceber por que é que as coisas acontecem no futebol Eu, como sócio do Sporting, com o meu perfil de sócio, já fui conselheiro leonino, sócio do ano, estou verdadeiramente preocupado. O clube e o conselho directivo não me preocupam tanto. O futebol e tudo o que é da SAD preocupam-me imenso. Por não ter capacidade. Tenho hoje mais tempo mental, até no sentido de pensar mais, independentemente de continuar com as minhas actividades empresariais; elas têm de ser ponderadas na altura, mas serei sempre, agora muito mais activo, parte de qualquer solução. Isso já os sportinguistas sabem.
R – Qualquer?
PB – Não é uma qualquer solução. Eu vou estar numa solução, eu vou estar numa solução…
R – À frente da solução?
PB – Ou não! Por isso é que eu digo que não tenho absolutamente necessidade nenhuma de protagonismo. Onde for mais útil e, se achar que uma equipa pode constituir-se de uma outra forma, estarei sempre muito mais disponível para ajudar. Em termos de futebol e em termos de ‘know how’ de futebol seria sempre mais útil. As regras do jogo são estas, vamos ver como é que isto anda…
R – Acredita que este mandato chegará ao fim?
PB – Gostaria muito que sim, se sentisse que as pessoas têm capacidade ou que já ganharam experiência. Hoje, não vejo isso. Não vejo mesmo. Já o disse aqui: uma semana antes, cinco treinadores de perfis diferentes. Poderiam ser cinco treinadores com o mesmo perfil. Não vejo onde é que está a ideia do projecto, não vejo a execução. Não sei. Vejo muito pouco, mas vai ser muito difícil haver, se é que alguma vez o houve, uma afinidade muito grande entre a massa associativa do Sporting e este presidente. Isto foi um presidente… muito produzido pela comunicação. A minha intenção final não é de protagonismo. É preciso ver que as coisas que começam com pés de barro. A campanha agregou algumas pessoas válidas, relativamente ao clube, começou mais cedo, teve a ver com a maior empresa de comunicação, que suportou com um excelente trabalho e depois foi premiada a ficar com a conta do Sporting com todo o mérito. São pessoas do Sporting, pessoas que eu até conheço. Agora, não chega a comunicação. É preciso perceber dos problemas. O Sporting vive é de uma imensidão de adeptos. Mas, neste caso, da afinidade com o presidente Varandas, não me parece que vá ser retomada. Até porque toda a gente votou um bocadinho no mal menor. Não estive desse lado, mas é essa a minha convicção.
R – É uma questão de tempo? E se a equipa começar a ganhar tudo muda?
PB – A sua pergunta, há pouco, foi quase a minha resposta a esta. A equipa também ganhou a Taça e a Taça da Liga e não beneficiou absolutamente nada, porque falta ‘know how’, falta meter as mãos na massa, falta um acompanhamento profissional à equipa, de pessoas com ‘know’ how. O Bruno Fernandes não pode estar sozinho. Esteve muito bem, mas não pode estar sozinho. Tem de ter apoio!
(Entrevista conduzida por João Lopes, publicada hoje, in Record)
Estou em crer que muitas vezes me verei obrigado a reler no futuro, esta excelente entrevista de João Lopes a Pedro Baltazar, guardando para mim, apenas para mim, as razões!...
E acredito que muitos mais sportinguistas, cansados deste desconfortável, incompreensível e decepcionante ruído que, de dentro de algo que quase irracionalmente amamos, nos chega a todos, acabarão por me dar razão e imitar!...
Enquanto formos capazes de não deixar morrer a esperança!...
Leoninamente,
Até à próxima
Sem comentários:
Enviar um comentário