O que distingue Varandas de Luís Filipe Vieira?
O futebol português tem, há décadas, um problema grave no dirigismo.
Por várias razões, nunca foi possível manter entre os três principais emblemas lusos uma base de respeito e coexistência institucionais, e isso tem muito a ver com a entrada em cena de Pinto da Costa e das suas estratégias.
O futebol português viveu, durante muitos anos da rivalidade entre Benfica e Sporting, cada qual com o seu período majestático — Eusébio no Benfica e os Violinos no Sporting — e, perante a afirmação dos dois clubes de Lisboa, num período longo da história do futebol nacional, o FC Porto, para neste contexto poder ambicionar competir ao mesmo nível com ‘encarnados’ e ‘verde-e-brancos’, teve de construir uma lógica de confronto permanente, que colocava não apenas em causa os dois grandes clubes lisboetas mas também o poder (essencialmente político) da capital. Foi aí que entrou Pinto da Costa, o general que reuniu as ‘tropas do Norte’ para fazer o assalto ao poder (politico-futebolístico) de Lisboa.
Nunca mais houve paz total. O melhor que aconteceu, nesses tempos até hoje, foram alianças, entendimentos pontuais, esporádicos e quase sempre espúrios, que tiveram como único objectivo perpetuar a fragilização de pelo menos um dos emblemas da capital.
Os resultados foram óbvios. O FC Porto começou por diminuir a distância para Benfica e Sporting e, depois disso, atacou mesmo o desígnio de se tornar num clube hegemónico, sendo hoje o clube português com mais títulos, no contexto internacional. Pinto da Costa lidou com 7 presidentes do Benfica diferentes e 12 do Sporting e nenhum deles conseguiu contrariar o processo de afirmação do FC Porto no futebol português, até Luís Filipe Vieira começar a criar raízes no clube da Luz.
Nestes anos todos, temos assistido a uma luta cada vez mais ‘exclusiva’ entre FC Porto e Benfica; um Sporting em esforços titânicos para se meter nesse campeonato ‘exclusivo’; e um Sporting de Braga a beneficiar dos tropeções dos leões e das suas ‘guerras’ internas, estando cada vez mais firme no objectivo de ‘atacar o pódio’, e interessado na ‘queda’ do clube de Alvalade.
O futebol português, ao longo dos anos, foi promovendo presidentes carismáticos como Pinto da Costa, Valentim Loureiro, Pimenta Machado, Mesquita Machado (e até Fernando Barata), todos eles centralizadores e muito atentos às manobras de Joaquim Oliveira — o eixo principal do futebol indígena durante anos — e das dinâmicas que se passavam em redor ou dentro dos Conselhos de Arbitragem, com as Associações Distritais a terem um papel fundamental na formatação de árbitros com um determinado perfil.
Estes protagonistas ajudaram a criar um determinado perfil no dirigismo do futebol português, mas de longe, por ser o mais bem preparado, Pinto da Costa levou sempre a melhor. Conseguiu criar condições para atrair os adversários para o seu terreno (até Luís Filipe Vieira andou por lá…) e, através da eficácia da sua liderança, foi gerando a ideia de que só um Pinto da Costa II, ou um clone de Pinto da Costa, poderia contrariar a força e o poder do original…
O problema é que as cópias nunca são fiéis aos originais. O trabalho que Luís Filipe Vieira fez em certa medida no Benfica nunca será comparável ao trabalho que Pinto da Costa realizou no FC Porto. Porque se é verdade que Pinto da Costa não começou do zero, teve de construir quase tudo ‘de raiz’ à sua volta. E foi com ele que fez história. No caso de Luís Filipe Vieira, apesar do meritório papel de reconstrução pós-Vale e Azevedo, o Benfica já tinha conquistado muita coisa no plano nacional e internacional. O ‘sonho’ de Vieira em se transformar num novo-velho Pinto da Costa não se concretizou. Falhou. Não há volta a dar.
A verdade é que se podem encontrar semelhanças nas duas presidências. Pinto da Costa rodeou-se de ‘leais’ e com eles fez quase toda a viagem. Dominou sempre a estrutura, mesmo nos momentos mais difíceis. Vieira construiu a estrutura, mas nem sempre a dominou. Houve lutas, desavenças, estados de espírito e, em certos momentos, já estava refém da estrutura e dos pontas-de-lança que foi criando. Pontas-de-lança esses, capazes de tudo. Vieira não foi capaz de evoluir para um outro patamar de dirigismo. Agora será provavelmente demasiado tarde para o fazer. Está refém de si próprio e das criaturas que fez crescer.
Bruno de Carvalho apareceu neste quadro de dirigismo dominante - habilidoso, escorregadio, nada dado a éticas ou desportivismos. Primeiro, propôs-se romper. Mas, rapidamente, tropeçou nas suas contradições megalómanas e a proposta morreu. Nasce uma outra, com Frederico Varandas. Nos antípodas das técnicas vigentes do ‘velho dirigismo’. Não se sabe quando tempo durará, porque há uma ‘máquina’ a engolir tudo o que não satisfaz as velhas práticas de um sistema que não aceita qualquer tipo de regeneração.
Frederico Varandas acaba de ‘abrir uma frente’ contra o ‘velho dirigismo’. Não terá sido cedo demais? Ou voltamos à velha técnica sportinguista de que, para melhor protecção, é preciso estar contra o Benfica?… O tempo dará resposta a estas e outras perguntas.
JARDIM DAS ESTRELAS - Ferreyra e Castillo falharam, porquê?
Com o fecho (ainda não total) da janela de transferências de Inverno, o Benfica prescinde de Ferreyra (empréstimo) e Castillo (venda) e não se pode dizer que o ataque fica amputado porque na verdade eles já não contavam (com Rui Vitória). Quem falhou, afinal? Dá a sensação que Lage ainda tentou, mas nenhum treinador deve ficar satisfeito com a ausência de alternativas, com tantos jogos por realizar. Ficam Seferovic e João Félix (que bem têm estado!) e fica Jonas, mas Jonas é uma incógnita, nunca se sabe se se pode contar… Parece curto, pois é!
O FC Porto ‘arrumou a casa’, parece ter soluções de sobra; Sérgio Oliveira foi perdendo espaço e não se conformou.
O Sporting está claramente a renovar o plantel, não tanto para o que resta da época, mas numa perspectiva de médio-prazo. O problema é que, se o título já foi (tantos a acreditar em milagres, enfim!), a depressão crescerá, se o Benfica for vencer a Alvalade.
O CACTO -A ‘coragem’ de Malheiro
A condução do jogo de Hélder Malheiro em Setúbal tem muito que se lhe diga. Temos árbitros em Portugal que ou não têm nenhum jeito para isto ou dentro do campo deixam-se cegar. Houve uma clara tendência. O lance sobre Ristovski é paradigmático: o jogador leva com o braço/cotovelo, fica com um hematoma visível… em Tróia, (o árbitro) não consegue perceber a indignação de quem acaba de ser atingido com dureza e ainda o expulsa, ‘por palavras’. Esta coragem (selectiva) de alguns árbitros tem muito que se lhe diga. Às vezes fazem-se surdos; outras vezes potenciam o olfacto e a audição. É consoante a hora, o local e, às vezes, o calendário.»
(Rui Santos, Pressão Alta, in Record)
A ideia que esta crónica de Rui Santos deixou em mim afasta-a surpreendentemente da linha a que nos habituou e aproxima-se, quanto a mim perigosamente, dos lugares comuns de que muito dificilmente se liberta a grande maioria dos comentadores que gravitam em torno do nosso futebol, incapaz de se libertar da nossa velha sina do "politicamente correcto", do evitar a todo o custo fazer ondas e do rejeitar liminarmente "afrontar os poderosos", enviando para o "quintal das urtigas" a razão e a verdade.
E tudo porque não vejo a nova estratégia de comunicação de Frederico Varandas da forma simplista e confrangedoramente redutora que Rui Santos pretendeu mostrar-nos, nem concluo de forma sequer parecida as intervenções neste mercado do Inverno por parte dos três grandes e, "last but not least", também não me revejo no prisma com que caracteriza a actuação de Helder Malheiro em Setúbal, ficando-se, "elegantemente" por um "tem muito que se lhe diga"!...
Até no bom pano as nódoas podem cair!...
Leoninamente,
Até à próxima
Eu questiono-me se a crónica de Rui Santos não terá, ela também, muito que se lhe diga?
ResponderEliminarBem sei que é um comentador isento (ou que pretende mostrar isenção?), mas...
Obviamente que a crónica de RS terá, também para mim, "muito que se lhe diga", amigo Liondamaia!...
EliminarMesmo sendo, ou "pretendendo ser", um comentador isento, subscrevo inteiramente o "mas" do meu amigo! Creio que no estado em que estará o futebol português, começa a ser muito difícil "estar de bem com os deuses e com os diabos"!...
Por mim, RS leva uma nota acentuadamente negativa neste "teste"...
Abraço e SL
O Rui Santos é sportinguista assumido. Ainda assim consegue ser isento se é que isso existe.
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