Há que acabar com a falta de respeito
«Um dos melhores jogadores e treinadores da história do futebol foi o Cruyff. Este fenómeno começou a carreira de técnico sem o título e depois de ganhar a Taça das Taças com o Ajax foi considerado o melhor treinador do Mundo pela ‘World Soccer Magazine’ e o Barcelona contratou-o. Quando chegou a Espanha, em 1988, o Comité Nacional de Treinadores denunciou-o por não ter o título. Estava em Espanha e fartei-me de rir com esta frase do génio: "Que me vai ensinar um professor sobre técnica ou táctica? Sempre me neguei a fazer o curso. Por isso inventei o cargo de director técnico, para treinar sem carta."
Dentro do balneário do Atlético Madrid estávamos todos com ele – e era nosso rival – e dizíamos frases como esta: " Se o Cruyff tivesse de fazer o curso, no segundo dia já era ele o professor e os professores passavam a ser os seus alunos."
Para não serem mais humilhados, o presidente da federação Ángel María Villar fez o que o Comité tinha de ter feito, deu-lhe a carta de treinador e acabou a polémica. O início como técnico do enorme Luis Aragones, que para mim e para a maioria dos jogadores que foram treinados por ele – incluindo os da selecção espanhola – foi o maior motivador da história do futebol, também foi incrível. Uma noite foi dormir como jogador do Atlético Madrid e na manhã seguinte o presidente convidou-o para treinador. Naquela mesma tarde deu o primeiro treino. Estes dois treinadores únicos e geniais começaram as suas carreiras sem a carta de treinador e conseguiram escapar à humilhação de ouvir um professor que nunca trabalhou numa equipa de elite ou mesmo numa equipa de segunda divisão ensinar-lhes o que têm de fazer para serem treinadores. Que ridículos são estes cursos!
No meu caso, nunca pensei em ser treinador, mas pela minha experiência de 15 anos de profissional em que tive 27 treinadores e alguns deles eram os melhores do Mundo na época, estava mais que preparado para ser técnico. E falo nisto porque diria o que dizem todos os ex-profissionais de futebol internacionais (recordando Cruyff) antes e depois de tirarem o curso de treinador: "Que me vai ensinar ou me ensinou um professor sobre técnica ou táctica?" A resposta é: " Nada de nada!" O curso de treinador em Portugal tem 4 níveis e dão aulas de medicina e fisioterapia. Num balneário profissional, como por exemplo o do AC Milan do meu tempo, tinha 4 médicos (dois deles psicólogos) e 4 fisioterapeutas, um deles só para as costas e ombros, e fiz esta pergunta a mim mesmo: "Será que os médicos e os fisioterapeutas vão deixar de fazer parte de um plantel profissional e o treinador também vai começar a ser o médico e o fisioterapeuta da equipa?" Por sorte, os génios que fizeram estas leis anti-internacionais esqueceram-se de uma figura muito importante no balneário, o roupeiro, senão havia o quinto nível para os internacionais aprenderem a dobrar a roupa e a escovar as botas. Desde que me retirei, em 1998, que tinha esta espinha atravessada pela falta de respeito que a Associação de Treinadores tem tido ao longo destes anos com os internacionais portugueses. Por qualquer motivo, quando me perguntaram o que achava do Paulo Bento, Sérgio Conceição, Abel Xavier, entre outros, treinarem sem terem a carta, mordia a língua, mas sabia que mais tarde ou mais cedo ia rebentar e isto aconteceu esta semana quando me perguntaram pela situação do Silas.
Foi na 4.ª feira, no meu programa na CMTV, e comecei por dar o exemplo da profissão de jornalista, mas podia ser outra. Imaginemos que um jornalista, aos 45 anos, tem de parar, e só poderá voltar a trabalhar no seu mundo se for director de um jornal, e para que isto aconteça tem de tirar um curso de 4 níveis que demorará 7/8 anos. Antes disto, se receber uma proposta para ser director não pode aceitar porque não tem o curso.
Mas à parte desta enorme injustiça, eu, Paulo Futre, que não tenho ideia de como se faz um jornal, um dia tinha um sonho que ia ser director de um e inscrevia-me no curso. Na primeira aula podia encontrar o meu querido amigo José Manuel Freitas, que já tinha vinte e tal anos de jornalismo, tinha trabalhado nos melhores jornais do País e estava superpreparado em todos os aspectos para ser director. E os professores iam ensinar-lhe o mesmo que a mim que nunca tinha estado num jornal. Eu, para aprender, tinha de fazer todos níveis em 7,8 ou 10 anos porque comecei do zero, mas o Zé já era um catedrático e bastava um pequeno exame para não esperar 7 ou mais anos e poder trabalhar de novo no seu mundo de sempre. Felizmente, esta situação surreal não se passa no jornalismo, nem em profissão alguma. Só no futebol!
Vamos imaginar que o Cristiano Ronaldo, quando terminar a carreira, quer ser treinador. Com as leis de hoje entraria para o segundo nível e demoraria entre 6 e 7 anos para poder treinar uma equipa, mas poderia ser muito mais tempo para tirar os 4 níveis, já que os génios que inventaram estas leis fazem o que querem. Se hoje terminas o nível 2, o 3 podes começar dentro de um, dois ou três anos, eles são os reis do tempo. No segundo nível, o Cristiano iria encontrar 30 ou 40 pessoas que nunca estiveram num balneário profissional e a matéria que os professores vão dar a estas pessoas é a mesma que para o Cristiano. Que vergonha e falta de respeito! O mais estranho é que alguns de vocês, da Associação de Treinadores, vêm do nosso mundo (digo nosso porque tenho 53 anos, já me retirei há 21 mas mentalmente continuo a ser profissional de futebol e assim será até ao fim da vida) e sabem muito bem que quando um internacional se retira depois de fazer uma grande carreira pode receber logo no dia seguinte uma proposta para ser treinador. Terminar no auge faz com que seja muito normal que apareçam propostas rapidamente. Anormal é terem propostas quando terminem o vosso curso vergonhoso, porque vocês também sabem bem que dentro de 8/9 anos já deixaram de ter a força mediática que tinham e alguns já caíram no esquecimento, porque é a lei da vida. Vocês sabem bem que quando começaram estes cursos tinham de salvaguardar isto: "Os internacionais só vão fazer o quarto nível. As classes para os internacionais que terminam a sua carreira em Julho começam em Setembro e em caso de receberem alguma proposta podem aceitar e começar a trabalhar e ao mesmo tempo fazem o quarto nível." Isto era o que deviam ter feito quando criaram as leis do curso. Estavam a ser correctos e a respeitar os internacionais portugueses como Deus manda. Mas todos os responsáveis da vossa associação, desde os que fizeram as leis aos actuais, nunca respeitaram os craques que vestiram a camisola das quinas. Foram muito cruéis com várias gerações e continuam a ser. Houve duas gerações de jogadores que podiam rebentar com as vossas leis da vergonha. Uma era a geração de ouro e eu joguei com todos eles na Selecção. A vossa sorte na altura foi tremenda porque o Figo, Rui Costa, João Pinto, Vítor Baía, Pauleta, Nuno Gomes, Fernando Couto, entre outros – e eu próprio – não pensaram em ser treinadores, porque se pensássemos... vocês não nos humilhavam. E mudavam as leis a bem ou a mal. Bastava-nos dizer: "Enquanto a Associação de Treinadores não respeitar os internacionais não jogaremos mais pela Selecção." Uma hora depois estariam todos na rua ou tinham mudado a lei, não tinham outra saída.
A outra geração que pode acabar com isto é a actual. Não sei quantos campeões da Europa querem ser treinadores, tão pouco sei se ao CR7 já lhe passou pela cabeça ser míster. Mas se há alguns craques que estão seguros que querem ser treinadores, talvez seja o início do fim da vossa sorte. E se um deles for o Cristiano... será mesmo o fim desta lei humilhante, vergonhosa e cruel.»
(Paulo Futre, Dentro de Balneário, in Record)«Um dos melhores jogadores e treinadores da história do futebol foi o Cruyff. Este fenómeno começou a carreira de técnico sem o título e depois de ganhar a Taça das Taças com o Ajax foi considerado o melhor treinador do Mundo pela ‘World Soccer Magazine’ e o Barcelona contratou-o. Quando chegou a Espanha, em 1988, o Comité Nacional de Treinadores denunciou-o por não ter o título. Estava em Espanha e fartei-me de rir com esta frase do génio: "Que me vai ensinar um professor sobre técnica ou táctica? Sempre me neguei a fazer o curso. Por isso inventei o cargo de director técnico, para treinar sem carta."
Dentro do balneário do Atlético Madrid estávamos todos com ele – e era nosso rival – e dizíamos frases como esta: " Se o Cruyff tivesse de fazer o curso, no segundo dia já era ele o professor e os professores passavam a ser os seus alunos."
Para não serem mais humilhados, o presidente da federação Ángel María Villar fez o que o Comité tinha de ter feito, deu-lhe a carta de treinador e acabou a polémica. O início como técnico do enorme Luis Aragones, que para mim e para a maioria dos jogadores que foram treinados por ele – incluindo os da selecção espanhola – foi o maior motivador da história do futebol, também foi incrível. Uma noite foi dormir como jogador do Atlético Madrid e na manhã seguinte o presidente convidou-o para treinador. Naquela mesma tarde deu o primeiro treino. Estes dois treinadores únicos e geniais começaram as suas carreiras sem a carta de treinador e conseguiram escapar à humilhação de ouvir um professor que nunca trabalhou numa equipa de elite ou mesmo numa equipa de segunda divisão ensinar-lhes o que têm de fazer para serem treinadores. Que ridículos são estes cursos!
No meu caso, nunca pensei em ser treinador, mas pela minha experiência de 15 anos de profissional em que tive 27 treinadores e alguns deles eram os melhores do Mundo na época, estava mais que preparado para ser técnico. E falo nisto porque diria o que dizem todos os ex-profissionais de futebol internacionais (recordando Cruyff) antes e depois de tirarem o curso de treinador: "Que me vai ensinar ou me ensinou um professor sobre técnica ou táctica?" A resposta é: " Nada de nada!" O curso de treinador em Portugal tem 4 níveis e dão aulas de medicina e fisioterapia. Num balneário profissional, como por exemplo o do AC Milan do meu tempo, tinha 4 médicos (dois deles psicólogos) e 4 fisioterapeutas, um deles só para as costas e ombros, e fiz esta pergunta a mim mesmo: "Será que os médicos e os fisioterapeutas vão deixar de fazer parte de um plantel profissional e o treinador também vai começar a ser o médico e o fisioterapeuta da equipa?" Por sorte, os génios que fizeram estas leis anti-internacionais esqueceram-se de uma figura muito importante no balneário, o roupeiro, senão havia o quinto nível para os internacionais aprenderem a dobrar a roupa e a escovar as botas. Desde que me retirei, em 1998, que tinha esta espinha atravessada pela falta de respeito que a Associação de Treinadores tem tido ao longo destes anos com os internacionais portugueses. Por qualquer motivo, quando me perguntaram o que achava do Paulo Bento, Sérgio Conceição, Abel Xavier, entre outros, treinarem sem terem a carta, mordia a língua, mas sabia que mais tarde ou mais cedo ia rebentar e isto aconteceu esta semana quando me perguntaram pela situação do Silas.
Foi na 4.ª feira, no meu programa na CMTV, e comecei por dar o exemplo da profissão de jornalista, mas podia ser outra. Imaginemos que um jornalista, aos 45 anos, tem de parar, e só poderá voltar a trabalhar no seu mundo se for director de um jornal, e para que isto aconteça tem de tirar um curso de 4 níveis que demorará 7/8 anos. Antes disto, se receber uma proposta para ser director não pode aceitar porque não tem o curso.
Mas à parte desta enorme injustiça, eu, Paulo Futre, que não tenho ideia de como se faz um jornal, um dia tinha um sonho que ia ser director de um e inscrevia-me no curso. Na primeira aula podia encontrar o meu querido amigo José Manuel Freitas, que já tinha vinte e tal anos de jornalismo, tinha trabalhado nos melhores jornais do País e estava superpreparado em todos os aspectos para ser director. E os professores iam ensinar-lhe o mesmo que a mim que nunca tinha estado num jornal. Eu, para aprender, tinha de fazer todos níveis em 7,8 ou 10 anos porque comecei do zero, mas o Zé já era um catedrático e bastava um pequeno exame para não esperar 7 ou mais anos e poder trabalhar de novo no seu mundo de sempre. Felizmente, esta situação surreal não se passa no jornalismo, nem em profissão alguma. Só no futebol!
Vamos imaginar que o Cristiano Ronaldo, quando terminar a carreira, quer ser treinador. Com as leis de hoje entraria para o segundo nível e demoraria entre 6 e 7 anos para poder treinar uma equipa, mas poderia ser muito mais tempo para tirar os 4 níveis, já que os génios que inventaram estas leis fazem o que querem. Se hoje terminas o nível 2, o 3 podes começar dentro de um, dois ou três anos, eles são os reis do tempo. No segundo nível, o Cristiano iria encontrar 30 ou 40 pessoas que nunca estiveram num balneário profissional e a matéria que os professores vão dar a estas pessoas é a mesma que para o Cristiano. Que vergonha e falta de respeito! O mais estranho é que alguns de vocês, da Associação de Treinadores, vêm do nosso mundo (digo nosso porque tenho 53 anos, já me retirei há 21 mas mentalmente continuo a ser profissional de futebol e assim será até ao fim da vida) e sabem muito bem que quando um internacional se retira depois de fazer uma grande carreira pode receber logo no dia seguinte uma proposta para ser treinador. Terminar no auge faz com que seja muito normal que apareçam propostas rapidamente. Anormal é terem propostas quando terminem o vosso curso vergonhoso, porque vocês também sabem bem que dentro de 8/9 anos já deixaram de ter a força mediática que tinham e alguns já caíram no esquecimento, porque é a lei da vida. Vocês sabem bem que quando começaram estes cursos tinham de salvaguardar isto: "Os internacionais só vão fazer o quarto nível. As classes para os internacionais que terminam a sua carreira em Julho começam em Setembro e em caso de receberem alguma proposta podem aceitar e começar a trabalhar e ao mesmo tempo fazem o quarto nível." Isto era o que deviam ter feito quando criaram as leis do curso. Estavam a ser correctos e a respeitar os internacionais portugueses como Deus manda. Mas todos os responsáveis da vossa associação, desde os que fizeram as leis aos actuais, nunca respeitaram os craques que vestiram a camisola das quinas. Foram muito cruéis com várias gerações e continuam a ser. Houve duas gerações de jogadores que podiam rebentar com as vossas leis da vergonha. Uma era a geração de ouro e eu joguei com todos eles na Selecção. A vossa sorte na altura foi tremenda porque o Figo, Rui Costa, João Pinto, Vítor Baía, Pauleta, Nuno Gomes, Fernando Couto, entre outros – e eu próprio – não pensaram em ser treinadores, porque se pensássemos... vocês não nos humilhavam. E mudavam as leis a bem ou a mal. Bastava-nos dizer: "Enquanto a Associação de Treinadores não respeitar os internacionais não jogaremos mais pela Selecção." Uma hora depois estariam todos na rua ou tinham mudado a lei, não tinham outra saída.
A outra geração que pode acabar com isto é a actual. Não sei quantos campeões da Europa querem ser treinadores, tão pouco sei se ao CR7 já lhe passou pela cabeça ser míster. Mas se há alguns craques que estão seguros que querem ser treinadores, talvez seja o início do fim da vossa sorte. E se um deles for o Cristiano... será mesmo o fim desta lei humilhante, vergonhosa e cruel.»
Um dia destes, "vai vir charters" de gajos de todo o imenso mundo do futebol...
Para correr com o Zé do Bombo!...
Leoninamente,
Até à próxima
Na minha terra os ze’s pereiras são conhecidos como os cabeçudos, este não foge à regra
ResponderEliminarSo tenho isto a dizer: BRUTAL!
ResponderEliminarA melhor defesa de Silas, até hoje.
Somos mesmo um pobre país, com muitos pavões 'agarrados' a um importância que não têm!
SL
Caros, vamos lá ver uma coisa: a formação de treinador é importante, não desvalorizemos isso. Concordo que o caminho é algo toruoso e, para pessoas foram profissioais, se possa obviar. Mas, a formação é importante, porque quem é um bom jogador pode ser um péssimo treinador. Mourinho não consta nos livros por ter sido um grande jogador. Depois, esta questão que demora 7 a 8 anos a tirar o curso… se calhar, para até preparer o futuro, um jogador devia pensar nisso ainda enquanto joga. Tirar o curso de treinador devia ser parte dum plano defim de carreira, e se deomra 7/8 anos, se calhar é melhor ir tirando o curso 7/8 anos antes de deixar de jogar!
ResponderEliminarAcho que não devemos confundir a Estrada da beira com a beira da Estrada. A beira da Estrada é este ataque infame ao Sporting por parte de pessoinhas encartadas, a Estrada da beira é a formação que um treinador deverá ter.
Abraço,
Pedro