Vale a pena esperar pelo talento
«A complexidade crescente do futebol conduziu a situações que nem sempre tiveram explicação. A especificidade de alguns jogadores leva-os, por exemplo, a não servirem para todos os contextos – muitos sentem a diferença entre o que pretendem da sua intervenção e aquilo que têm para oferecer. Bruno Fernandes é um jogador de difícil inserção, porque se sente desconfortável a entrar no comboio em andamento, com todas as regras definidas, enquadrado por situação na qual seja mero passageiro; tem de interferir no seu funcionamento, conhecer as regras menos óbvias e conduzi-lo como quem deposita ali boa parte das suas convicções – talvez por isso sinta resistência na Selecção e, também, no Sporting de José Peseiro. Concentremo-nos no desfasamento verde e branco.
A equipa está em crise, vive uma fase de crescimento, à espera da total assimilação das ideias e conceitos do novo treinador; de unir as pontas dispersas num todo que, em boa verdade, espera ainda que o seu jogador em maior evidência na temporada passada recupere o papel de figura maior. Ninguém como ele pode potenciar o conjunto e contribuir para abreviar alguns passos do processo para atingir a excelência.
BF assenta na arte que só meia dúzia de estrelas revela: funciona num colectivo amplo como expressivo multiplicador do talento; como estimulador de operação segundo a qual o valor de todos é superior à soma da contribuição de cada um; como denominador comum de equipa em que, por sua intervenção directa, todos jogam mais e melhor. É um líder técnico, que persuade pelo som da voz, pela força da intervenção no jogo e pela capacidade de colocar a bola onde põe os olhos. Há jogadores que acrescentam muitíssimo à equipa, pelo génio, pela habilidade, pela intimidade com o golo (Cristiano Ronaldo, Neymar ou Salah são bons exemplos); BF olha para esses elementos brilhantes, deslumbrantes e decisivos por interferência automática no rumo dos acontecimentos, mas pertence a outra estirpe (de Modric, Iniesta ou Thiago Alcântara), cujas soluções podem ser menos ricas mas são mais relevantes na qualidade da produção global.
Quando Nani encanta, por exemplo, ficamos impressionados com o seu talento superior; quando BF é o rei da festa, a conclusão remete para a qualidade do futebol do Sporting – é altamente improvável que a equipa ceda em jogos nos quais o maestro se expresse na plenitude.
Feitas as contas, BF é um jogador cada vez mais raro no futebol moderno, porque são cada vez menos aqueles que nos tocam por perfeição e espanto; que alimentam o senso comum das coisas óbvias e acrescentam ao lado funcional e burocrático o esplendor da surpresa, do inesperado, da magia que nos reconcilia com o jogo. O talento para alimentar a grandeza do futebolista que é permite-lhe desempenhar qualquer função no centro do terreno: mais atrás, onde alarga o panorama para observar o jogo como se estivesse no primeiro balcão, ou mais à frente, como protagonista do filme, num raio de acção mais curto, onde as conexões com a equipa são mais escassas embora mais contundentes.
É este centrocampista de dimensão internacional, que faz girar à sua volta toda uma equipa e dá saída às necessidades de equilíbrio e criação, que tem faltado ao Sporting 2018/19. Referência absoluta do futebol leonino, BF não conseguiu até ao momento, de um modo firme e continuado, exercer a preponderância de outrora. Certo que falta Bas Dost (está prestes a regressar); ainda procura quem faça de William Carvalho (Gudelj lá chegará); Acuña tem sido intermitente; Rui Patrício, para já, não tem substituto e Mathieu tem cedido aos limites do físico. Perante as debilidades do colectivo, BF tem lutado para não ser engolido pelo desacerto e procurado contribuir para superar o atraso com que o leão partiu para a nova época. Pelos grandes intérpretes vale sempre a pena esperar...»
'Tou farto de esperar, pôrra!!!...
Leoninamente,
Até à próxima
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