quinta-feira, 2 de abril de 2020

As coisas voltarão a ser como antes!...


O silêncio dos culpados

«Marty e Wendy Byrde viviam nos subúrbios de Chicago. Ele, consultor financeiro, ela, doméstica. Por ter errado numa operação de branqueamento de capitais, o discreto chefe de família ficou na mão de um traficante de droga mexicano. Tinham duas opções: agarrar nos filhos e fugir para parte incerta, opção de risco porque as máfias não perdoam, ou adaptarem-se a uma nova realidade, comandando um casino e lavando o dinheiro de quem os perseguiria.

Nesta simples descrição de personagens e enredo inicial da fabulosa série "Ozark", sobressaem algumas linhas que se adequam ao actual momento do futebol. Primeiro, a necessidade premente de mudar de vida, depois o ‘branqueamento’ de diversas situações, bem como também de capitais e, por último, o ‘casino’ em que se tornou a gestão pouco racional dos clubes por esse mundo fora.

Existe um silêncio dos culpados, de quem conhece a realidade das pouco saudáveis contas dos emblemas nacionais, de quem teima no obscurantismo das ‘falências técnicas’ quando todos sabem que não há lucros para sobreviver como marajás e onde as receitas extraordinárias são a base de um precário equilíbrio financeiro só ao alcance dos melhores trapezistas.

E esta maléfica pandemia só veio expor a evidência de uma indústria que semeia dinheiro rápido por inúmeras mãos, algumas pouco lavadas, enquanto vai sugando até ao tutano a saúde dos clubes. E tal como a Covid-19 atinge todos sem piedade, velhos e novos, ricos e pobres. Juventus, Real Madrid, Barcelona sentiram na pele o furor deste vírus, portanto, os mais pequenos terão o triste fado de ainda soçobrar mais rapidamente.

O futebol e as suas marcas perderam valor em menos de um mês, mas têm uma vantagem perante outros sectores: a paixão dos adeptos e as saudades que têm de ver as suas camisolas em campo. Assim, apesar do sufoco destes dias, ameaçados ainda mais em Portugal por NOS e Altice não quererem pagar direitos televisivos de Abril, o que será o caos para 90 por cento dos clubes, sentem alguma luz com os exemplos da solução encontrada pela Premier League e pelo anúncio de que a FIFA injectará mais de 2,5 mil milhões para salvar Ligas e federações.

Dizem que a intuição é resultado da experiência acumulada, logo, não posso estar optimista. Porque a saúde de milhões de pessoas é muito mais importante que um desporto que "é a coisa mais importante das coisas menos importantes", como dizia Arrigo Sacchi e não podemos vislumbrar o que será o mundo daqui a seis meses, com uma contracção económica associada a uma depressão generalizada. E, sobretudo, porque o desporto-rei terá de sofrer um ajuste a todos os níveis, nos salários estratosféricos, nos gastos em transferências e no dinheiro que se perde em comissões. Desconfio é que muitos ‘gestores de casino’ não estão preparados nem querem essa mudança de hábitos. E ao primeiro sinal de esperança, voltaremos aos mesmos erros que só têm por destino o abismo.
* Texto escrito com a antiga ortografia
(Rui Calafate, Factor Racional, in Record, hoje às 17:28)

Comungo naturalmente do pessimismo de Rui Calafate acerca da possibilidade de esta "maléfica pandemia" poder constituir a oportunidade de regeneração de todos os "gestores de casino" que sobejamente conhecemos no nosso futebol. A menos que aquela viesse a revelar uma tão inimaginável capacidade de destruição que nem essa gente poupasse e aí, não sobraria nenhum consolo para os que nunca cometeram o pecado de sequer se abeirarem do "casino", pela simples razão de já por cá não andarem para sentir esse indescritível gozo...

Contudo, no meio de toda esta terrífica tempestade, sobra-me ainda uma pequena réstia de esperança de que, de algum modo, os alicerces de todos esses "casinos" venham a sofrer um sério abanão e que muito dificilmente...

As coisas voltarão a ser como antes!...

Leoninamente,
Até à próxima

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