quinta-feira, 16 de maio de 2013

O Sporting é uma panela de 3 pés e precisa de um milagre!...


Já fiz um milagre! Sim eu, o que é que pensam? Posso contar-vos?! Então, em verdade vos digo, que na mesma lareira da minha avó paterna, ao canto da cozinha de terra batida coberta de junco verde, onde sentado no banquito que o "Taviano" fizera especialmente para mim, me nasceu, ouvindo os relatos de Artur Agostinho, um amor tão lindo e profundo que ainda hoje perdura, olhando para a panela de ferro de três pés, onde ia fervendo a sopa para o dia seguinte, perguntei à avó Rosa, a razão da panela ter duas pernas normais e a outra, pequenita, assentar sobre um tijolo já branco de tanto lume. 
 
Ó filho, porque o lume foi queimando aquele pé mais curtinho. É perigoso, eu sei. Às vezes até tremo só de pensar que o tijolo pode deslocar-se ao meter mais uma acha no lume e a panela entornar sobre ti. Mas a avó não tem dinheiro para comprar uma nova. Vou tendo muito cuidado a chegar lenha, até um dia poder comprar uma nova na Feira dos Quatro.  Ouvi, e fiquei em silêncio, ruminando ideias.
 
No dia seguinte passei pela "oficina dos vulcanos" - nome pomposo que os donos, os dois ferreiros e irmãos Cerca, lhe haviam dado -, onde costumava passar horas a apreciar os milagres de caldeamento do aço que a forja, sob a injecçao do ar vivificador que vinha do fole gigante que os braços hercúleos dos Cercas accionavam, permitia rejuvenescer velhas e gastas enxadas, aplicando-lhes extensões, como muitos anos mais tarde veria fazer nos cabelos das mulheres. 
 
Ó senhor Joaquim - o Cerca mais velho, sportinguista e mais aberto e meu amigo -, a minha avó tem lá uma panela de ferro, que tem um pé mais curtinho. Ela põe esse pé sobre um tijolo, mas diz que é perigoso. O senhor não poderia fazer o mesmo que faz às enxadas e fazer um pé igual aos outros? Não diga nada disto à minha avó, que ela é capaz de ter vergonha, mas coitadita, diz que não tem dinheiro para comprar uma panela nova! O senhor Cerca sorriu para mim, bondoso e sportinguista como sabia eu ser, na minha inocência de menino e disse-me, olha, amanhã da parte da manhã, sem a tua avó ver, traz-me a panela, que antes do almoço já ta dou prontinha.
 
Quase não dormi nessa noite. Logo de manhãzinha, pus-me à coca e quando a avó Rosa saiu de enxada ao ombro, fui buscar a panela que ela acabara de lavar e levei-a ao senhor Cerca e por lá fiquei a apreciar a arte do ferreiro. O pé coxo ficou do tamanho dos outros. Um nadica mais gordo, mas isso seria irrelevante para a sua função. Então ó senhor Joaquim e agora?! Eu não lhe posso pagar! Para ti, por seres sportinguista, não é nada. Vai pôr a panela no sítio e moita, não digas nada à tua avó. Vem amanhã contar-me o que ela te disse. Parti à desfilada, inclinado para o lado direito, pelo peso da panela.
 
À noitinha, lá fui eu sentar-me à lareira no meu banquito. Não sei que espírito santo de orelha terá segredado à minha avó o episódio que vos acabo de contar. Apenas me recordo que ela, depois de me ver sentado em frente ao lume e olhando fixamente para a panela já sem tijolo, me disse quase em segredo: acho que houve aqui hoje um milagre e tenho a impressão que sei quem foi o santo! Não me descosi, como o senhor Cerca me havia recomendado. Mas senti dentro de mim uma satisfação quase tão grande como aquela que sentia por ser do Sporting.
 
O senhor Cerca já morreu há muitos anos e da sua "oficina dos vulcanos" nada resta. Em seu lugar está hoje uma bonita vivenda. Se pudesse recuar todo o tempo que já passou sobre o "meu" milagre, levaria ao senhor Cerca o também "meu" Sporting. Tenho a impressão que também um dos seus três pés estará mais curto e isso é perigoso, como a minha avó me disse acerca da panela. Talvez o senhor Cerca, com o seu sportinguismo, pudesse caldear-lhe um pé novo e restabelecer-lhe o equilíbrio...
 
Leoninamente,
Até à próxima  

7 comentários:

  1. belo texto,amigo
    Obrigado por partilhar
    "oficina dos Vulcanos", simplesmente genial
    belos tempos em que se conheciam os clássicos

    Saudações leoninas

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Laranjeira,

      Naquele tempo, amigo, a cabeça do miúdo não podia avaliar!
      Hoje, à distância, quanta sapiência naquela simplicidade do caldear do aço!...
      Obrigado pelo elogio que nos cai sempre bem na vaidade que todos transportamos...

      Saudações leoninas

      Eliminar
  2. Amigo Álamo,

    Bonita, e comovente, história, mas...não alcanço a metáfora.
    Quais são os 3 pés do Sporting e qual é o coxo?
    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Estimado amigo "8",

      Na minha visão das coisas, que admito não corresponder inteiramente à realidade, mas que tudo aponta para tal, será o Professor.
      O futebol profissional assentará nesses 3 suportes. Dois serão indiscutíveis e traduzirão o proposto aos sócios. O outro será um "acréscimo" à estrutura que natural e obrigatoriamente terá de se saber enquadrar nela. Ao que vejo será nesse pé que o "milagre" deverá acontecer, traduzido na aceitação da realidade que será sempre o projecto sufragado. Depois, à medida que o projecto de fôr consolidando e avançando, poderá até vir a acontecer que o "pé coxo" venha, pela sua dinâmica e inteligência, a conseguir modificá-lo pela força da razão, no sentido que hoje parece querer impôr de um modo coercivo e muito pouco legítimo. Nenhum projecto desta natureza arrancará perfeito. Esse será o erro que estará a acontecer e onde eu desejaria ver acontecer o milagre.
      Acreditas, amigo, que os poderes que Ferguson detinha hoje no MU antes de se retirar, seriam os mesmo do dia em que há mais de 25 anos, entrou para o clube? Penso que não. Foi a dinâmica do seu trabalho de anos e anos à frente do clube, que determinou por parte de quem efectivamente mandava no clube, uma progressiva entrega de poderes ao velho Alex, até ao ponto em que todas as suas decisões fossem aceites e quase indiscutíveis. Jesualdo quererá começar como Ferguson acabou. Penso que será um tremendo erro seu. Desejaria daqui por 10 anos ver Jesualdo abandonar o Sporting, como Ferguson acaba de o fazer. Penso que se souber fazer cedências e enquadrar-se como lhe deveria competir, no projecto que o quer e deseja, teríamos o milagre dos três pés equilibrados e com francas hipóteses de êxito. Gosto muito de Jesualdo, mas a legitimidade não está do seu lado. Só a sua inteligência poderá fazer acontecer o milagre...

      Abraço

      Eliminar
  3. Muito boa prosa. Li e reli com bastante gosto e também fuit ransportado para os meus tempos de mocidade.

    Creio é que o nosso terceiro pé não quer ser caldeado de forma nenhuma.

    SL

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Quim Berto,

      Tudo aponta para que a sua crença, que também será a minha, acabe por se concretizar. Uma pena. Todos ficarão a perder...

      SL

      Eliminar
  4. Caro Amigo Álamo (sim, hj já o considero um amigo, depois de tantas histórias contadas, de tantas alegrias e tristezas partilhadas ao ler este fantástico blog)

    Quero-lhe dar os parabéns por esta bonita prosa. Muito comovente, acredite que fiquei com os olhos cheios de lágrimas.

    Acredito que as coisas se vão resolver, para bem do Sporting.
    Acredito que o nosso presidente vai conseguir resolver esta questão com o Jesualdo e com os demais jovens jogadores que estão na equipa principal como titulares, e isso é muito importante para eles na sua evolução como jogadores.

    Um grande bem haja e que continue com este óptimo, fantástico blog, cantinho que me permite estar mais perto da nossa equipa/clube, mesmo do outro lado o mundo, num outro continente, estou no Brasil, como já tinha partilhado.

    Bernas

    ResponderEliminar