sábado, 11 de dezembro de 2021

"Tenho uma lágrima no canto do olho"!...

 





«Carta ao Neto Natal.

No dia que o Neto me disse que queria voltar para Portugal eu disse que não.
O meu conselho foi claro.
Continua no Zenit porque é aí que continuas a jogar para títulos e a ser valorizado.
És um dos jogadores mais velhos no plantel.
As pessoas adoram-te e mais do que isso.
Respeitam-te.
Ele insistiu na ideia e lá me disse que tinha uma proposta.
Explicou-me alguns motivos pessoais dos quais não posso falar.
E nessa altura proferiu uma frase que nunca esquecerei.
“Mano eu vou ser campeão.”
Vais?
Mas vens para o Porto ou para o Benfica.
Nenhum dos dois.
“Eu vou ser campeão no Sporting.”
O silêncio que fizemos a seguir foi estranho.
Da minha parte porque julguei que ele estava a brincar.
Da parte dele porque esperou que eu o incentivasse.
Luís Carlos se não queres renovar aí.
Se queres um novo desafio.
Tens clubes que te pagam o mesmo e em campeonatos melhores.
Nessa altura já sabia do interesse de algumas equipas.
Propostas concretas e claras.
Mas ele estava decidido.
Já não era o dinheiro.
Já não era o conforto.
Ele queria o impossível.
“Mano eu vou ser campeão no Sporting.”
No dia que fomos ver o apartamento onde ias morar.
Encontrámos um jogador do clube que vivia no mesmo condomínio.
Estava em processo de saída e deu as piores referências possíveis.
“Amigo aquilo é uma casa a arder.”
O clube depois do “ataque” nunca mais foi o mesmo.
Não te metas ali.
Ainda por cima defesa central.
Tens ali pesos pesados e muitos vícios.
E aí outra frase me marcou.
“Neto não te digo isto por mal mas tu no Sporting nunca vais jogar.”
Quis intervir porque percebi o desconforto.
Mas ele calmo e sereno fê-lo primeiro.
“Eu não me interessa se vou jogar.
Eu não me interessa como o clube está.”
“Eu vou ser campeão no Sporting.”
Subimos no elevador e voltei a dizer-lhe.
Eu sei que tu acreditas muito nisso.
Mas que o digas só a mim.
Porque se disseres isso a mais gente.
Vão te querer fazer mais exames médicos que os normais e vão descobrir que estás maluquinho.
O primeiro ano não foi bom.
Muitos treinadores.
E quando digo isto não me refiro apenas a Keiser, Pontes ou Silas.
Esses não foram os únicos treinadores que o Sporting teve.
Mas aqui também não posso desenvolver muito.
Muita gente que confundia o jogar com mandar.
E quando muitos mandam.
Poucos cumprem.
Nessa época tens a lesão mais grave na carreira.
Entrar naquele quarto e ver-te com um tubo enfiado nas costelas a falar baixinho é outra das imagens que vou sempre recordar.
Nunca ninguém vai saber o que sofreste para voltar.
Mas a tua vida ali é feita de coisas que não queres que se saibam.
Como por exemplo o que fizeste com meses de clube pelos miúdos da Academia.
O upgrade da sala de convívio porque “eu quero os meninos felizes e motivados para chegarem à equipa principal”.
Será que não houve mais nenhum jogador a ver o que tu viste e a sentir a obrigação que tu sentiste?
Os amados?
Os idolatrados?
Queriam lá eles saber disso.
Querem lá os adeptos saber disso.
Mas tu queres.
E mais uma vez.
Uma história que dava páginas de jornais.
Fizeste me prometer que ninguém ia saber.
Nesse annus horribilis não eras bem visto.
Pudera.
Sempre que havia um desaire (e não foram poucos) lá estavas tu na flash.
Mesmo que não tivesses jogado.
A cara que ficava era sempre a mesma.
Diziam quer era porque és um comunicador nato.
Havia gente com mais anos e mais responsabilidade na casa.
Mas esses curiosamente comunicavam melhor nas vitórias.
Nas derrotas o cabeçudo era sempre o mesmo.
Um ano terrível que a única coisa boa que trouxe foi o fim.
E o fim já foi com o Ruben.
E tu no banco a perder lugar para laterais.
Médios.
Extremos esquerdos.
Jogaram todos menos tu.
E já era o teu Pai Amorim o treinador.
Que varreu muita gente titular.
E estranhamente quis ficar com um suplente.
Nessa altura no teu primeiro ano e sem jogar como querias.
Voltei a pedir-te para ires embora.
Não te sujeites mais a este martírio.
Tens dinheiro para dez vidas.
Não precisas disto e continuas a ter clubes que te valorizam.
Sai daqui irmão.
E mais uma vez a frase que te guiou na conversa.
Não posso.
“Mano eu vou ser campeão no Sporting.”
A segunda época começou com algo que poucos vão lembrar.
Mas tu eras o titular da equipa que foi campeã.
Eras tu que jogavas e jogaste a primeira volta inteirinha.
Quando todos os clubes tinham zero pontos.
Quando não eram candidatos e em Famalicão se ouviu a frase “onde vai um vão todos”.
Eras tu que lá estavas.
Na fase de afirmação deste Sporting.
Quando este Sporting apareceu.
Quando cavou um fosso para os segundos classificados.
Quando estava em primeiro tranquilamente.
E era jogo a jogo.
E ao contrário do que muitos dão a entender.
Não era a defesa que joga hoje que jogava.
Perdeste esse estatuto bem mais tarde.
A Covid e uma ascensão/afirmação brutal assim o ditaram.
E aceitaste como um Homem deve aceitar.
Reconhecendo que a partir de agora ias lutar com um jovem que vai ser o futuro da Selecção Nacional.
O problema era quando perdias para os outros.
Tiveste e tens no onze a estabilidade de um andaime montado na praia da Póvoa.
Jogaste menos.
Mas quiseste sempre jogar.
E quiseste ir a Braga para “ajudar se fosse preciso”.
Contra todos os que te diziam que esse pé não cabia na chuteira de tão inchado que estava.
No jogo do título quando o teu colega foi expulso e ficaram com menos um.
Quando todos achavam que era impossível ganhar.
Tu estavas lá quando o M.Nunes fez golo.
Meio coxo com dores horríveis e a sofrer por dentro.
Mas eras tu que estavas lá a levar boladas nas ventas.
Mas irmão ninguém se vai lembrar disso também.
E no fim em lágrimas a frase voltou com a mesma certeza e o mesmo tempo verbal.
“Mano eu vou ser campeão no Sporting.”
Estás no terceiro e último ano.
Cumpriste todos os objectivos que tinhas.
Foste chamado à Selecção com a camisola do Sporting.
Ganhaste títulos no Sporting.
Plural.
Títulos.
Jogaste a Champions com a camisola que tanto amas.
Aliás de jogadores do clube deves ser o primeiro ou segundo com mais jogos na melhor prova de clubes.
E já agora em títulos também.
Digo-te muito isto.
Os jogadores de hoje são feitos de trabalho e imprensa.
E tu infelizmente só sabes e queres trabalhar.
Tivesses a imprensa de outros e tudo tinha sido diferente.
Mas não a queres.
E como não vendes.
Nem te vendes.
Nunca a vais ter.
Renovaste mais um ano.
E renovas-te a cada ano.
O meu conselho voltou a ser o mesmo.
Baza.
Já fizeste a tua magia.
Sais pela porta grande e numa fase em que os verdadeiros adeptos já gostam de ti.
Mas tu não queres saber disso.
Continuas focado apenas e somente no sucesso do clube.
E nunca no teu.
O que me preocupa não é a tua renovação.
O que me preocupa é a frase que me continuas a dizer mesmo depois de tudo o que passaste.
Mesmo depois de já o teres sido.
A puta da frase e da tua ambição mantém-se a mesma.
Mesmo quando eu te digo que quem faz bons balneários são os pedreiros.
Tu fazes bons onzes.
E foi assim que te despediste de mim ontem quando saiu a notícia.
“Mano eu vou ser campeão no Sporting”
Ja és Luis Carlos.
Ja és.
Já sei que vais ficar chateado por eu publicar este testamento.
Espero que não me deixes de falar à semelhança do que fazes sempre que te digo que não jogaste porra nenhuma.
Mas de mim terás sempre isto.
A verdade.
Umas vezes crua.
Outra cozinhada para não te magoar tanto.
Mas sempre a verdade.
Parabéns pela renovação.
Seja eu motorista.
Orientador da escolinha de futebol.
Ou comentador.
Vou querer sempre que tu ganhes.
E nenhum desafio ou projecto pode alterar isso.
No dia que eu não o souber distinguir.
Mudo de vida.
Porque de ti não mudo nunca.
Eles podem não saber.
Mas és craque.
Dos que já não existem.
Dos mais difíceis de encontrar.
Dos silenciosos.
E esses não são para todos os olhos.
Aconteça o que acontecer.
Tenho muito orgulho em ti.
Ala Arriba barbudo dum cabrão.»

Os valores são eternos e eu, tão pequenino ao lado de gigantes destes...

"Tenho uma lágrima no canto do olho"!...

Leoninamente,
Até à próxima

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