Três horas a olhar para Jesus no regresso a Alvalade
«O relógio marcava 19.05
horas quando Jorge Jesus entrou no relvado de Alvalade como treinador do
Sporting. Vestia o fato treino oficial e aplaudia os adeptos. Virou-se de
costas, aplaudiu todo o estádio, sempre acompanhado por Bruno de Carvalho.
Os dois dirigiram-se para o
palco no centro do relvado, que servia de montra do plantel para a nova época:
Jesus colocou-se na rectaguarda, ao lado da equipa técnica.
Saiu logo depois de concluída
a apresentação e regressou durante o aquecimento. Ficou logo à saída do túnel
de acesso aos balneários, a olhar para o ambiente, para o aquecimento dos
atletas: e a falar com o director de campo do Sporting.
É assim o novo Jesus: controla
tudo.
Mais tarde voltou, quando as
equipas subiram ao relvado para disputar o jogo. Entrou em campo logo a seguir
aos jogadores, entre Nélson e Bruno de Carvalho, voltando a saudar as bancadas,
antes de se posicionar em frente do banco, de pé, a olhar para o relvado.
Enquanto isso os fotógrafos
atacavam-nos com disparos sem fim: muitos, todos queriam o retrato perfeito do
treinador no primeiro jogo em Alvalade.
Olhou para a bancada sul e leu
a mensagem da Juventude Leonina. «Esforço diário, dedicação constante, devoção
sem limites: eis o caminho para a glória». Ouviu a marcha do Sporting e bateu
palmas ao ritmo da música. Pouco normal, não é?
Aplaudiu Gabriel, quando o
miúdo que venceu o cancro deu o pontapé de saída.
Depois foi o espectáculo
habitual: sempre de pé, sempre de um lado para o outro, constantemente fora da zona
técnica. Ainda antes dos três minutos foi ao banco pegar num papel e numa
caneta para tirar apontamentos.
Frenético como ele costuma
ser, andou de um lado para o outro, foi quase até à linha de meio-campo, pediu
constantemente aos extremos para fechar por dentro. Mandou calar João Pereira
quando lhe deu uma indicação e o lateral tentou argumentar.
Mais tarde exasperou-se numa
jogada em que Slimani demorou a recuar e não preencheu o espaço central.
À passagem do quarto de hora
insistia com a equipa para que se movimentasse em bloco para a zona da bola,
cobrindo imediatamente os espaços no momento defensivo.
Gritou com Téo Gutierrez para
ocupar o espaço em branco e escreveu mais notas na folha de papel. Num
lançamento lateral defensivo deu indicações aos jogadores: tu aqui, tu ali, tu
acolá. Gritou com Jefferson por não estar a posicionar-se por dentro.
Aos 24 minutos o primeiro
aplauso: para dar os parabéns a Slimani por uma iniciativa individual que valeu
um canto ofensivo. Pouco depois levantou o polegar para João Pereira. Estava a
tornar-se um homem simpático e afável.
Felizmente durou pouco. Uns
segundos depois quase entrava em campo para bater em João Pereira, que fez um
passe em vez de aproveitar o espaço para correr com a bola. O bom e velho Jesus
estava de volta.
Antes do intervalo ainda deu
nas vistas quando pediu a Carrillo para ser mais duro, depois de uma perda de
bola. Por fim mais aplausos: desta vez para um passe de Ruiz a rasgar o
adversário, que soltou João Mário para um cruzamento atrasado.
Quando o árbitro apitou para o
intervalo, caminhou até à linha de meio campo e esperou pelos jogadores, para
sair no meio deles. Foi o que fez. Um homem de grupo.
No regresso para a segunda
parte voltou a ser dos primeiros a entrar: logo depois de Ruben Semedo e
Tanaka.
Começou a segunda parte mais
calmo, mas depois de um mau passe de Téofilo Gutierrez deslocou-se ao lado
contrário do banco e chamou Ruben Semedo, Tobias Figueiredo e Montero. Era a
altura de mexer no onze: iam entrar.
O Sporting respondeu bem e
marcou logo a seguir. Jesus respirou fundo e caminhou de um lado para o outro
do banco incessantemente. Parecia Marcelo Bielsa.
Desesperou com um mau passe de
Montero, foi ao banco e falou com quem lá estava. Estava furioso. Pouco depois
Carlos Mané fez o segundo golo e Jorge Jesus voltou a caminhar incessantemente
para um lado e para o outro. Tal como fizera no primeiro golo.
Em nenhum momento se lhe viu
qualquer punho no ar, qualquer celebração eufórica.
As muitas mexidas no onze, e
provavelmente o resultado tranquilo, deixaram o treinador mais tranquilo. Os
minutos finais do jogo foram bem mais calmos.
Quando o jogo terminou, Jorge
Jesus caminhou até à linha de meio-campo. Regressou ao banco pouco depois e foi
saber como estava Adrien Silva: parecia preocupado. Ficou por ali, dentro do
relvado, em frente ao banco. A ver, a admirar, sozinho com ele.
Pelo meio ainda cumprimentou
Octávio Machado, falou com Bruno de Carvalho e teve uma longa conversa com o
médico Frederico Varandas.
Quando o palco para receber
vencedores e vencidos estava finalmente pronto, no centro do relvado, foi o
primeiro a juntar-se aos jogadores para fazer o túnel de honra à Roma.
Quando chegou a altura do
Sporting receber o troféu, deixou os jogadores subir ao palco primeiro,
percorreu o mesmo caminho logo depois e colocou-se num canto. Discreto, deixou
a festa ser feita pelos jogadores. Quando a taça foi levada, bateu palmas e
sorriu. Foi a primeira vez que se viu Jorge Jesus esboçar um sorriso
aberto.
No fim estava contente. A
noite tinha corrido bem: o Sporting ganhou e Jorge Jesus honrou a memória do
pai, também ele um membro da famosa equipa dos Cinco Violinos.
Para o futuro fica a ideia de
um treinador discreto fora dos noventa minutos do jogo: nessa altura, enquanto
a bola rola, é frenético. Sempre a exigir, sempre a dar instruções, sempre a
gritar. Não deixa os jogadores em paz nem por um momento.
Fora desses momentos em que a
bola rola, chega-se para um canto e deixa os atletas tornarem-se as estrelas.
Mas nunca, mas nunca deixa de pensar na equipa, no clube, no Sporting: fala com
funcionários, faz perguntas, quer saber se está tudo bem.
Quer
saber se está tudo perfeito: afinal a bitola dele é essa. Um eterno
insatisfeito.»
Um filme original e surpreendente, produzido por MaisFutebol e com argumento e realização de Sérgio Pereira, que não resisti a deixar por aqui, para memória futura. E não resisto também a explicar a razão que assiste a esta minha premonição, de que talvez venhanos e sentir no futuro, a necessidade de o voltar a rever tantas vezes, quantas as celebrações que muito provavelmente resultarão das esperanças que trouxe para Alvalade.
Jorge Jesus talvez ainda não tenha interiorizado a verdeira dimensão do bem que estará a fazer a todo o fantástico universo sportinguista, faminto de alegria e glória. Talvez ainda não se tenha apercebido do tremendo risco que estará a correr, ao abraçar com tão descomunal força e convicção a causa leonina...
Quem sabe se não estará a nascer uma lenda próxima do tamanho dos nossos eternos heróis que ainda ontem celebrámos?!...
Só o Futuro o dirá!...
Leoninamente,
Até á próxima
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