quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O tempo de Franklin!...


Ao poderoso exército das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, que alguém decidiu extinguir sem cavaco dar aos desprotegidos que, como eu, jamais teriam outra possibilidade de conhecer e compreender o mundo,  e que nos meus tempos de menino calcorreava o país, de freguesia em freguesia, com pontualidade e precisão de relógio suiço, devo o meu amor pela literatura e alguma da cultura que fui capaz de amealhar, ao longo de tempo suficiente de me fazer homem, em tempos difíceis mas saudosos.

E entre as centenas e centenas de livros que devorei, quantas vezes escondido até altas horas, debaixo dos cobertores, para que a pequena lâmpada do candeeiro de braço flexível não denunciasse o meu 'crime', hoje, a propósito da investida do Tottenham para levar Bruno Fernandes, lembrei-me de história do livreiro Franklin.

Num belo dia, Franklin terá visto entrar pela porta estreita da sua modesta livraria, um senhor todo bem posto, de ar intelectual, que lhe perguntou o preço de um livro que estava exposto na pequena montra. O livreiro, delicadamente, tê-lo-à informado, "São 50 escudos, senhor". E a resposta que ouviu, quase uma imprecação, deixou-o de boca aberta: "Muito caro, meu caro senhor, muito caro" e virou costas ao embasbacado livreiro. 

No dia seguinte, Franklin surpreendeu-se ao ver entrar de novo o "senhor todo bem posto e de ar intelectual" e mais surpreendido ainda quando este lhe repetiu a pergunta do dia anterior. Em raciocínio rápido, respondeu, convictamente, "São 60 escudos, senhor". E desta vez, não terá ficado surpreendido com a descortesia do "senhor todo bem posto e de ar intelectual", que lhe virou costas, sem uma palavra.

Dois dias depois, a cena repetiu-se e desta vez a resposta de Franklin, terá sido, "São 70 escudos, senhor". O  "senhor todo bem posto e de ar intelectual", desta vez não resistiu e em palavras insultuosas, terá perguntado ao livreiro a que se devia tão estúpido, grosseiro e progressivo aumento do preço do livro. Franklin, esforçou-se por dar uma resposta cortês, curta, concisa e precisa, "Tempo é dinheiro, meu caro senhor, e eu tenho em muito boa conta o meu tempo. E repare que se voltar a sair aquela porta sem comprar o livro, o senhor, tão certo como eu ser um homem honesto, não me perguntará quanto me deve pelo tempo que me fez perder. Os clientes que me ajudam a viver, são de um tipo diferente do seu, não contestam o preço e não me fazem perder tempo." E virou costas voltando ao que estava a fazer antes. Nem deu pela saída cabisbaixa do "senhor todo bem posto e com ar de intelectual"!...

Terei muita pena se Frederico Varandas nunca tiver tido a possibilidade de ler a história que li há quase sessenta anos. E o seu tempo há-de valer bem mais que...

O tempo de Franklin!...

Leoninamente,
Até à próxima

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