Ao poderoso exército das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, que alguém decidiu extinguir sem cavaco dar aos desprotegidos que, como eu, jamais teriam outra possibilidade de conhecer e compreender o mundo, e que nos meus tempos de menino calcorreava o país, de freguesia em freguesia, com pontualidade e precisão de relógio suiço, devo o meu amor pela literatura e alguma da cultura que fui capaz de amealhar, ao longo de tempo suficiente de me fazer homem, em tempos difíceis mas saudosos.
E entre as centenas e centenas de livros que devorei, quantas vezes escondido até altas horas, debaixo dos cobertores, para que a pequena lâmpada do candeeiro de braço flexível não denunciasse o meu 'crime', hoje, a propósito da investida do Tottenham para levar Bruno Fernandes, lembrei-me de história do livreiro Franklin.
Num belo dia, Franklin terá visto entrar pela porta estreita da sua modesta livraria, um senhor todo bem posto, de ar intelectual, que lhe perguntou o preço de um livro que estava exposto na pequena montra. O livreiro, delicadamente, tê-lo-à informado, "São 50 escudos, senhor". E a resposta que ouviu, quase uma imprecação, deixou-o de boca aberta: "Muito caro, meu caro senhor, muito caro" e virou costas ao embasbacado livreiro.
No dia seguinte, Franklin surpreendeu-se ao ver entrar de novo o "senhor todo bem posto e de ar intelectual" e mais surpreendido ainda quando este lhe repetiu a pergunta do dia anterior. Em raciocínio rápido, respondeu, convictamente, "São 60 escudos, senhor". E desta vez, não terá ficado surpreendido com a descortesia do "senhor todo bem posto e de ar intelectual", que lhe virou costas, sem uma palavra.
Dois dias depois, a cena repetiu-se e desta vez a resposta de Franklin, terá sido, "São 70 escudos, senhor". O "senhor todo bem posto e de ar intelectual", desta vez não resistiu e em palavras insultuosas, terá perguntado ao livreiro a que se devia tão estúpido, grosseiro e progressivo aumento do preço do livro. Franklin, esforçou-se por dar uma resposta cortês, curta, concisa e precisa, "Tempo é dinheiro, meu caro senhor, e eu tenho em muito boa conta o meu tempo. E repare que se voltar a sair aquela porta sem comprar o livro, o senhor, tão certo como eu ser um homem honesto, não me perguntará quanto me deve pelo tempo que me fez perder. Os clientes que me ajudam a viver, são de um tipo diferente do seu, não contestam o preço e não me fazem perder tempo." E virou costas voltando ao que estava a fazer antes. Nem deu pela saída cabisbaixa do "senhor todo bem posto e com ar de intelectual"!...
Terei muita pena se Frederico Varandas nunca tiver tido a possibilidade de ler a história que li há quase sessenta anos. E o seu tempo há-de valer bem mais que...
O tempo de Franklin!...
Leoninamente,
Até à próxima
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