terça-feira, 27 de agosto de 2019

"A mim sempre me pareceu"!...


Bruno Lage, o Bem e o Mal

«Há algo de sobrenatural no futebol, uma centelha mágica que, por vezes, resulta incontrolável e que faz com que certas vitórias nem mereçam ser festejadas, como diria Bielsa. Mas essa faceta inopinada e acidental não se aplica num jogo em que o FC Porto passou pela Luz como um rolo compressor, embolsando os três pontos quase sem se despentear. Os portistas nunca se distraíram e tiveram uma facilidade imprevista e até insultante para mandar no jogo, como de resto concedeu, no final, o técnico do Benfica. Mas se Bruno Lage voltou a ser (justamente) gabado pelo discurso transparente e honesto (designadamente quando elogiou a "grande conferência do Sérgio Conceição", que "explicou tudo muito bem"), poucos sobrelevaram a pequena parte da sua explanação em que pareceu notar-se-lhe alguma acidez: "Agora não me peçam para pensar o futebol assim… para anular o adversário e sair em transição. Dessa maneira nós não tínhamos feito o que fizemos na época passada". 

Descontando o facto de Lage omitir que foi a jogar precisamente assim que o FC Porto de Conceição ganhou a liga de há duas épocas, ficou a dúvida se se tratou do primeiro remoque mal disfarçado – o que até humanizaria um treinador que não perdera nenhuma das anteriores 21 jornadas da liga. Mas pode ter-se dado o caso de Lage só querer deixar claro que nunca aceitará renegar o seu modelo de jogo (o que seria ainda mais respeitável). Mas há uma terceira hipótese, e bem mais questionável: terá querido Lage insinuar que a forma de jogar do Benfica é que representa o Bem, mesmo quando perde de forma irrefutável, numa moral e num silogismo futebolístico viperino em que o arquétipo táctico e estratégico do adversário nunca deixará de representar o demónio, mesmo quando vence? 

A ser este o caso, Bruno Lage devia parar para pensar. E talvez até ler um texto, já com uns anitos, em que Valdano discorre sobre a circunstância de tanto Guardiola como Simeone acreditarem que as suas ideias e os seus padrões é que representam o que de mais nobre tem o futebol, apesar de serem completamente dissonantes nos caminhos escolhidos. "Para Guardiola, o futebol é ataque, ousadia, até beleza. Para Simeone, é esforço, solidariedade e até sacrifício", escreveu. O mais curioso – disse ainda o argentino – é que os dois treinadores acreditam representar a bondade. O que, concluiu o campeão do mundo, faz todo o sentido porque se o atrevimento e a beleza ajudam a uma sociedade melhor, o sacrifício e o esforço também.

Mas esta discussão epistemológica não pode fazer esquecer algo de muito ponderoso no jogo. O Benfica não se pareceu em nada com a equipa que Lage tirou das sombras a meio da época passada. Só se lhe viram uns gatafunhos. Faltaram-lhe ideias, jogo e disposição. E foi-se tornando num caramelo para um FC Porto que encorpou com a titularidade de Uribe, as movimentações de Baró e as deslocações em apoio de Zé Luís. Já se sabia que os portistas parecem ter jogos em que a vitória vale como um título. E isso nota-se mais na Luz. O mérito principal foi obviamente de Conceição, que fez bem o trabalho de casa e já frente ao Setúbal mostrara ter recuperado o futebol frenético e revigorante dos melhores tempos do seu FC Porto.

Mas para a distância descomunal entre as duas equipas não contribuíram apenas as competências e o engenho do adversário. O Benfica retardou-se com passes de elefante, pesados e lentos, como se o medo de perder lhe tivesse tirado a vontade de ganhar. E nunca mostrou ter um plano B ou um simples golpe de asa (Rafa não podia ter trocado de lado, Pizzi não podia assumir uma condução mais central?). É que a qualidade, caro Bruno Lage, também se mede em função das respostas de cada equipa aos problemas que lhe coloca o rival…

Luciano Vietto não é gelado

No exercício competente de eficácia, talento e alguma maturidade que o Sporting fez em Portimão sobressaíram os elogios praticamente unânimes a Luciano Vietto. Primeiro porque o argentino já vinha sendo olhado de lado, mal comparado com um qualquer gelado ou outros produtos de contrafação que, no passado, chegaram a Alvalade. Os adeptos (e também alguma crítica) são muitas vezes abusivos na forma como chancelam de forma perversa jogadores que têm qualidade indiscutível. E quem tiver dúvidas que atente no que se chegou a dizer sobre Wendel, que tem talento para dar e vender. Não é um exclusivo do Sporting e todos nos recordamos do que se escreveu, por exemplo, sobre Enzo Pérez ou Herrera. Mas a exibição de gala de Vietto (que só tem 25 anos e nunca se destacou por marcar muitos golos, tirando os 20 tentos na primeira época no Villarreal) também serviu para contradizer a incompatibilidade que o próprio Keizer detetara na utilização em simultâneo do argentino com Bruno Fernandes. Urgido pela necessidade, o holandês lá acabou por manter o português na zona central (mas com diagonais agora mais sobre a direita) e por entregar a Vietto um espaço que se inicia na esquerda, mas que lhe dá muita margem de manobra, sendo a largura e a profundidade garantida no corredor por Acuña. O Sporting desenha-se agora num 4x2x3x1 pouco simétrico, mas não ganhou apenas mais criatividade e soluções ofensivas, à imagem dos melhores primeiros tempos de Keizer. O posicionamento mais baixo de Wendel (sem tanta autorização para queimar linhas) ao lado de Doumbia torna a equipa mais homogénea e compacta. Claro que continua a faltar um avançado e mais alternativas (Rosier e Battaglia estão quase prontos), mas o cenário tornou-se subitamente mais prazeroso para os adeptos leoninos, mesmo que a liderança tenha uma carga ilusória.»
(Bruno Prata, Ludopédio, in Record)


Apreciei sobremaneira nesta crónica de Bruno Prata, uma das poucas e corajosas desmistificações da 'probidade intelectual' de Bruno Lage, aplaudida até ao orgasmo pela quase generalidade da crítica, que até hoje me foi dado ler na nossa bajuladora comunicação social. Também a mim Bruno Lage ainda não convenceu e vou esperando, pacientemente, que o tempo me dê razão. Aquilo que Bruno Prata parece ter descortinado agora, sempre eu notei desde o aparecimento do treinador do Benfica na cena do futebol nacional! E mais não digo, que a vindima ainda nem começou!...

As considerações de BP sobre Luciano Vietto e, "en passant", sobre a 'descoberta' de Marcel Keizer, também vieram reforçar a ideia que, infelizmente, o técnico holandês tem vindo a criar, por via de uma conduta de todo avessa à coragem e ousadia que deverá ser apanágio de um bom treinador!...

Oxalá o argentino não desarme mesmo, porque em conversa com os meus botões, parece-me adivinhar que os sinos estejam mais do que preparados para dobrar por si e alguém venha dizer depois...

"A mim sempre me pareceu"!...

Leoninamente,
Até à próxima

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