quarta-feira, 21 de março de 2018

A diferença estará no mel que é produzido em Alvalade!...


BAS DOST EM TERRITÓRIO SAGRADO

«Em tempos, Jorge Valdano expressou a convicção segundo a qual o que lhe faltou como futebolista se deveu à excessiva distância entre a cabeça e os pés; que o seu 1,87m era de mais para executar com perfeição todas as maravilhas concebidas pelo cérebro prodigioso. Um dia alguém lhe disse que não era bem assim, porque Van Basten, tendo só mais um centímetro do que ele, era um génio. A essa provocação respondeu, concluindo o diálogo: "A minha tese exclui os extraterrestres". Bas Dost não ambiciona à divindade, tem quase 2 metros (1,97m) e está a invadir território sagrado no Sporting: com números esmagadores, mostra-se cada vez mais completo, coordenado, rápido, ágil e participativo; é goleador por vocação e tem alimentado o processo de crescimento futebolístico, definidor de um talento muito consistente, reunindo um número cada vez maior de elementos técnicos fundamentais.

Esse foi o trabalho de Jorge Jesus: completá-lo como extraordinário marcador de golos (são vários os avançados que só depois de lhe chegarem às mãos atingiram números arrasadores) e apetrechá-lo de competências que o próprio jogador nem sonhava algum dia vir a ter. Para lá da influência estatística evidente, Bas Dost alargou a participação sem se desfocar; entra na cerimónia da aproximação à baliza mas não se distrai; contribui para a construção mas está sempre de olho no toque final; dispersa-se na acção mas mantém concentração para cumprir a tarefa no momento em que respira fundo, baixa as pulsações e põe assinatura na obra.

É muito raro vê-lo em situações desarmoniosas. Apesar da aparente falta de mobilidade, satisfaz o instinto assassino com golpes brilhantes, muitos deles executados com luvas brancas. Oscila entre o entendimento total do que acontece à sua volta e o ar distante mas mentiroso de quem tenta passar por visitante acidental; por vezes promove a imagem inofensiva de um homem compreensivo com as dificuldades alheias, que está ali para ajudar, mas já ninguém o leva a sério. Não se pode acreditar nele porque, até ao momento do tiro, mostra sempre o oposto das verdadeiras intenções. Sabendo-se que é hoje um jogador muito melhor, mais completo e abrangente, o foco da acção é o instinto magistral para atacar a presa e assassiná-la por norma a um toque.

Bas Dost não é efeito sem causa. Sendo eterno candidato a herói, nunca é levado em ombros por invenções individuais descontextualizadas do colectivo; sim, está lá sempre para cobrar os direitos de autor de golos fabricados pelo génio criativo de quem o rodeia mas também porque ele próprio se mostra através da inteligência das movimentações, da malícia dos envolvimentos e do instinto orientado pela cumplicidade com os companheiros. Trabalha que nem um desalmado para estar no sítio certo quando é chamado a intervir. Muitas das obras são o culminar de quem inventa atrás dele mas outras devem-se à sua intuição, que toda a equipa entende cada vez melhor.

A inteligência futebolística e a técnica individual sem pompa, mais os elementos tácticos que Jorge Jesus introduziu no seu reportório, fazem com que não pertença ao lote dos pontas-de-lança exclusivamente dependentes dos disparos que fazem explodir estádios inteiros. Nunca se reduz a zero, porque aplica notáveis recursos: joga bem de costas para a baliza; sabe receber, segurar, entregar e virar-se de frente para o destino; é um cabeceador exímio e tem faro apurado nas situações de golo iminente. Falta-lhe habilidade para inventar truques, ensaiar fintas mirabolantes, dar toques de calcanhar ou ensaiar raides individuais em mar aberto; mas é um soldado de elite, intenso, articulado, com boa velocidade de deslocamento e frieza quando chega a hora de puxar a culatra atrás e fazer o que melhor sabe: PUM! Golo do Sporting. São 66 em 80 jogos. É quase obsceno.»
(Rui Dias, redactor e repórter principal, em De pé para pé)


Há muito que vinha perguntando a mim mesmo quão belo seria um quadro composto com as talentosas pinceladas de Rui Dias de braço dado com a singular obscenidade do melhor ponta de lança que actualmente pisa os relvados portugueses.

Finalmente o excelente jornalista fixou o seu olhar no gigante holandês que Jorge Jesus descobriu, quase ignorado, no FC Wolfsburg e que em quase duas épocas conseguiu que o tradicional chauvinismo dos seus compatriotas lhe incendiasse a revolta, questionando-o sobre as razões que o levam a atingir os céus em Portugal e no Sporting, e não consegue ultrapassar o descoroçoante limbo na "laranja mecânica".

Pois é. Talvez que se os compatriotas de Bas Dost descerem do pedestal cultural e/ou civilizacional em que chauvinista e narcisicamente se habituaram a colocar, começarem a acompanhar de perto os jogos do Sporting na liga portuguesa e por essa Europa fora,  compreendam que a diferença estará na incontida alegria com que o "leão holandês" corre para os braços de todos os seus companheiros depois dos sucessivos "orgasmos" que os passes do mais puro e delicioso mel que eles lhe proporcionam, uma duas, três, "n" vezes em cada jogo.

A diferença estará no mel que é produzido em Alvalade!...

Leoninamente,
Até à próxima

3 comentários:

  1. Excelente texto, obrigado pela partilha.

    “Baixa as pulsações” lindo! Até ouço o estádio a ficar silencioso

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  2. O JJ pode ter muitos defeitos, mas a extrair o máximo de alguns jogadores é verdadeiramente bom.

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