Quem não o conhecer dirá que é sportinguista!...

OPINIÃO

Benfica e Porto: já repararam no amor que está no ar?

Como se explica tão comovente solidariedade e tão pesaroso silêncio nesta hora? A resposta estava escarrapachada nos jornais e revistas de quinta-feira.

João Miguel Tavares

17 de Julho de 2021, 00:00, in Público

«Uma das coisas de que mais falta senti após a detenção de Luís Filipe Vieira foi da ironia de Pinto da Costa. Onde é que ela se meteu? Será que o presidente do FC Porto falou sobre o tema e eu não ouvi? E aquele seu director de comunicação, o super-activo e super-opinativo Francisco J. Marques? Já tuítou alguma coisa a propósito da operação Cartão Vermelho? Alguém me manda para eu ler? E aqueles tremendos comunicados que o Porto geralmente adorava fazer sobre o Benfica e o Benfica adorava fazer sobre o Porto sempre que havia jogos ganhos com arbitragens manhosas? Foi publicado algum desses textos, carregadinho de veneno e maldade, sobre o detido Luís Filipe Vieira? Arranjam-me o link?

Às tantas fui eu que andei distraído. Ou então, de repente, deu-se o misterioso caso de que os super-rivais, os clubes que rasgam vestes diante de penáltis mal assinalados, os criadores de apoplexias em estúdios de televisão, ficaram mudos e quedos no preciso momento em que a justiça foi atrás do principal inquilino da Segunda Circular. Reparem bem: o presidente do grande rival – que o FC Porto tantas vezes acusou de andar a influenciar árbitros e a corromper a verdade desportiva – é detido, suspende as suas funções, é empurrado para fora do clube, demite-se, e na quinta pastoreada por Pinto da Costa não se ouve uma mosca a zunir. Tudo paz e amor. Como se explica tão comovente solidariedade e tão pesaroso silêncio nesta hora?

A resposta estava escarrapachada nos jornais e revistas de quinta-feira. Consta que a operação Cartão Vermelho não se centra apenas no Benfica, mas nos negócios do futebol português como um todo, com o Futebol Clube do Porto no segundo lugar do pódio. Parece que há suspeitas no negócio da venda de Éder Militão, que rendeu perto de 10 milhões de euros em comissões (cerca de 20% do valor do passe), boa parte dos quais foram parar ao bolso do mesmo Bruno de Macedo que está a ser investigado pelas ligações à família Vieira. E até Florentino Pérez foi entretanto apanhado em Espanha a fazer declarações comprometedoras acerca da idoneidade de Pinto da Costa e de Jorge Mendes na transferência de Pepe. O único espanto disto é não causar espanto nenhum.

Hoje em dia, os principais clubes portugueses têm mais de uma centena de jogadores com contrato profissional, transformam muitos clubes pequenos em satélites comerciais, transaccionam jogadores que nunca chegam a vestir a camisola do clube que os contratou, e no meio de tudo isto há rios de dinheiro em comissões – os chamados “encargos adicionais” das SAD –, conflitos de interesses escandalosos, e a família invariavelmente enfiada no meio dos negócios do futebol, de Tiago Vieira a Alexandre Pinto da Costa.

Quando a justiça começa a apertar, e o tema do dia deixa de ser as redes para passar a ser as grades, Benfica e Porto enterram logo o machado de guerra e unem as mãos em silêncio, com uma cumplicidade quase romântica. Pudera.

E enquanto este caldo é cozinhado nos bastidores, com o bas-fond do Benfica e do Porto a partilharem os tachos, e os mesmos empresários com a mesmas mãos na mesma massa, os clubes tentam convencer o povo de que Benfica e Porto são os “eternos rivais”. O objectivo é óbvio: pôr os adeptos mais fervorosos a espumar de raiva nos campos e nas televisões, para evitar que percebam que os seus presidentes sempre tiveram, como Marco Paulo, dois amores – eles próprios e o clube que representam. Por esta ordem.

É por isso que quando a justiça começa a apertar, e o tema do dia deixa de ser as redes para passar a ser as grades, Benfica e Porto enterram logo o machado de guerra e unem as mãos em silêncio, com uma cumplicidade quase romântica. Pudera.»

Quem não o conhecer dirá que é sportinguista!...

Leoninamente,

Até à próxima