O machado rombudo do Sporting
«Há derrotas que matam e outras que despertam e a dúvida é se Frederico Varandas percebeu, finalmente, que a convenção (?) dos fortes também é a capacidade de fazer autocrítica.
O Sporting acaba de concluir uma das piores épocas dos seus 114 anos de história e é impossível não relacionar esse vexatório desenlace com várias providências presidenciais que se revelaram levianas e, nalguns casos, até catastróficas na gestão da equipa principal de futebol.
Como diria Voltaire, todo o homem é culpado do bem que não fez e Varandas e Hugo Viana têm de ser, pelo menos, responsabilizados pela construção de um plantel que envergonha um bocadinho a fidalguia de um clube que já foi gerido por viscondes.
E, nesse aspecto, nem a pesada herança recebida pode garantir-lhes qualquer tipo de misericórdia. Designadamente porque o Sporting de Braga tem claramente menos recursos e nem por isso, como sempre aqui defendi, deixou de construir um plantel sólido e bem mais dotado. De tal forma que resistiu até à ardilosa pilhagem do treinador Rúben Amorim…
Este último, está bom de ver, acabou por ser mais vítima do que réu de uma gestão casuística e que já havia tentado expiar os seus pecados com a exoneração de três treinadores.
Os primeiros sinais de alarme surgiram logo na goleada (0-5) sofrida na Supertaça, perante o Benfica. E quando o Sporting tombou da Taça de Portugal frente a um adversário do terceiro escalão como era o Alverca ficou evidente que nada é menos produtivo do que perseverar numa solução que não deveria ser feita.
O quarto lugar final na liga significa que o Sporting teve o pior resultado dos últimos sete anos, numa temporada que passa a assinalar um recorde negativo na história do clube: 17 desaires em 48 jogos.
Há muitas formas de comprovar a temporada desastrada da equipa leonina, designadamente a circunstância de ter perdido os quatro clássicos, algo que só havia acontecido por mais duas vezes na história do campeonato (88/89, 93/94). Mas o registo que acaba por ser mais negativo e castigador surge quando analisamos os resultados conseguidos frente às equipas que terminaram até ao oitavo lugar: em 42 pontos possíveis, o Sporting conseguiu apenas 12, tendo somado zero pontos nos dois jogos frente ao Famalicão e apenas um perante o Rio Ave.
Os cofres vazios e a venda tardia de Bruno Fernandes podem ajudar a deslindar as saídas de Raphinha e Bas Dost. Mas nem isso explica a falta de capacidade de antecipação que resultou nas desastradas contratações de Jesé, Bolasie e Fernando.
Um ditado árabe diz-nos que "quem comprar o que não precisa, venderá o que precisa" e é impossível não pensar nisso quando se olha para as ordens de compra que Varandas deu no último ano e meio. Nos três períodos de transferências incluídos naquele espaço temporal, o Sporting investiu mais de 40 milhões de euros. Boa parte desses negócios não acrescentou nada de positivo do ponto desportivo e, pior, vários acabaram por resultar num pesado fardo financeiro. Entre os sete reforços desta temporada, só Vietto e Sporar se afirmaram como titulares indiscutíveis, mais o segundo do que o primeiro.
No último e decisivo jogo na Luz, o Sporting apresentou seis jogadores com menos de 22 anos, três deles juniores. Claro que tanta puberdade acaba por reflectir o desassombro do treinador e a excelência de uma "fornada" geracional que voltou a brotar em Alcochete.
Mas, não sejamos ingénuos, também espelha os erros de cálculo e as apostas falhadas de um presidente que, independentemente de ter curso de treinador, não pode pensar que já é uma autoridade na matéria. Pelo contrário, o balanço das aquisições em que se envolveu aconselha alguma parcimónia.
Mudar e crescer são sempre processos dolorosos e difíceis e o Sporting precisa de ser mais criterioso e certeiro na forma como gasta o dinheiro nas contratações e gere os seus planteis. Nem que para isso tenha de começar por acrescentar à sua estrutura um verdadeiro especialista na matéria. A genuína essência da liderança é ter uma visão, nem que para isso se usem os olhos alheios…
Lincoln costumava dizer que, se lhe dessem seis horas para cortar uma árvore, passaria as primeiras quatro a afiar o machado. É isso que esta administração da SAD leonina ainda não aprendeu a fazer. Tem andado a desperdiçar energias com ferramentas rombudas…
Rúben Amorim
Coates fez mea culpa ("Não estivemos à altura da história do clube"), mas Rúben Amorim também acaba por ficar ligado à época desastrosa, mesmo que em menor escala. Desde logo por ter assumido, há algumas semanas, que estava já a trabalhar com vista à próxima época. Chegou a dizer que teria tomado algumas opções diferentes se estivesse apenas preocupado em garantir o terceiro lugar. A verdade é que as suas prioridades tiveram implicações desportivas e financeiras e acabaram por fazer perigar a presença do Sporting na Liga Europa...»
(Bruno Prata, Ludopédio. in Record, hoje às 20:20)
Por muito difícil que seja aceitar, engolir e digerir sem o que pareceria noutras mais injustas circunstâncias, uma natural regurgitação, Frederico Varandas, Hugo Viana e Rúben Amorim, estarão agora a colher da crítica o resultado da péssima semeadura que realizaram, se bem que ao último assista uma margem de tolerância razoavelmente maior.
Mas a posição crítica de Bruno Prata, a mim, sportinguista que sempre tentei ao longo de toda a temporada contribuir para um clima de paz que permitisse aos responsáveis leoninos potenciar a tão necessária e urgente alteração da situação, afigura-se-me, tão justa quanto oportuna, para além de poder estar na génese de um eventual réquiem do 'estado de graça' que, de certo modo, terá envolvido aqueles responsáveis em todos os actos falhados apontados pelo articulista e que bem presentes estão na nossa memória colectiva.
É que para aqueles sportinguistas em que me incluo, que nunca alinharam, nem jamais alinharão nos habituais "carnavais eleitorais" tão do gosto de uma considerável franja de correlegionários seus, este triste, decepcionante e desastrado final de época terá constituído, exactamente, "as primeiras quatro horas" que Lincoln gastaria a "afiar o machado". A partir de agora que a Varandas, Viana e Amorim nem lhes passe pela cabeça que o "machado leonino" continuará tão, contemporizador, preguiçoso e rombudo quanto mostrou até aqui...
Decididamente, acabou o "estado de graça" e os erros que cada um desses três responsáveis, na sua respectiva área, eventualmente, venha a cometer no futuro, hão-de provar quão afiado e cortante estará hoje...
O gume do machado leonino!...
Leoninamente,
Até à próxima
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