"Ninguém muda aquilo que é na sua essência".
Bruno de Carvalho in "Record".
«Nem mais: o presidente do Sporting utiliza aquilo que o ser humano tem de mais "natural" que é a sua própria essência para revelar cepticismo em relação ao comportamento até agora dominante dos seus homólogos do Benfica (Luís Filipe Vieira) e FC Porto (Pinto da Costa). Diz o presidente dos leões que o tempo não apaga nem corrige traços de perfil e de carácter e, por isso, não vê razões para o reatamento de relações com os emblemas rivais. Todavia, ressalva que o Sporting tem trabalhado com todos os grupos entretanto constituídos para o estudo de matérias específicas, pelo que ficamos definitivamente a saber que o corte de relações institucionais correspondeu a uma tomada de posição (colegial) contra a ausência de valores e contra os guardiões da hipocrisia. Quer dizer: o presidente do Sporting acha que pode avançar no caminho das reformas e ter êxito nesse domínio, de costas voltadas para o Benfica e para o FC Porto. É uma posição legítima no plano de um certo quixotismo e da afirmação dos valores que BdC tanto reclama, mas é uma visão romântica e, provavelmente, ineficaz. É importante verificar que, até ao momento da "decapitação" de Mário Figueiredo, na Liga (promovida por Vieira, com a intermediação de Joaquim Oliveira junto de Pinto da Costa, num processo em que muita gente foi usada), Benfica e FC Porto reclamavam a maior fatia do "bolo" para as suas hostes e que o Sporting se afirmava como uma ameaça no sentido de querer envolver-se na partilha do "bolo". Só essa pretensão, num quadro limite, podia ter o condão de aproximar as "estruturas" do Benfica e FC Porto (mais do que a aproximação entre Vieira e Pinto da Costa, sempre muito bem dissimulada) e foi isso que BdC conseguiu, com a sua impetuosidade e falta de diplomacia, a que o presidente do Sporting denomina, sempre, de hipocrisia. Chamei-lhe a "guerra do canivete". Ir para um campo minado com um canivete na mão não é pactuar com a hipocrisia ou com a falta de valores. É não ter consciência dos perigos e das consequências. É não perceber, nesta dialéctica de essências, que numa luta de escorpiões só pode vencer o escorpião mais forte. Não podes ser rã numa luta de escorpiões. Quer dizer: com esta postura, BdC acelerou o entendimento entre Benfica e FC Porto e o "isolamento" ficou mais cavado, expondo-se à crueldade ou mesmo à humilhação de os seus homólogos escolherem um "processado" (Luís Duque) para que não houvesse a mínima dúvida sobre a "vingança" e a… sede (com "e" aberto e fechado) de poder.
Em síntese: talvez não fossem necessárias toneladas de hipocrisia para percepcionar melhor uma situação perante a qual o Sporting não ia beneficiar.
Fica claro, nesta entrevista concedida a "Record", que Bruno de Carvalho está a fazer um esforço para dirimir algumas particularidades da sua própria essência. Ora tanto fala de aprendizagem ora insiste em não abdicar dos seus princípios. BdC entrou em luta com os "miasmas do sistema" – a designação que achei há muito para caracterizar os fautores das entorses à verdade desportiva – e está em luta consigo próprio. Nalgumas matérias recua alguma coisa, mas noutras – como a ida para o banco de suplentes – mantém-se intransigente. Nem sequer atinge que, mesmo querendo estar "mais próximo das realidades", passa um atestado de desconfiança a quem, num determinado momento, declarou confiar. Um presidente ("general") constituir-se como uma "ameaça" para os seus subordinados ("soldados") ou como um factor de pressão dificilmente será bem entendido. Há sempre um Jefferson que lhe pode sair ao caminho. Lá voltamos à questão da essência e da fábula da rã e do escorpião. Alguém na cabina do Sporting estará disposto a "atravessar o rio" nas costas de Carvalho?…
Em síntese: sozinho, nada se alcança. E o factor-confiança constrói-se e é essencial à… "essência".
Chegamos ao ponto-chave da entrevista: as relações com o treinador Marco Silva. É evidente o recuo estratégico. Nos dias de hoje, e perante o espartilho financeiro que se coloca ao Sporting, quem faz um contrato de longo termo com um técnico de futebol para além da vigência do seu próprio mandato, não pode ter dúvidas sobre essências e coisas essenciais. E não pode ter dúvidas de que a preparação de uma nova época deve ser antecipada o mais possível. Não quero admitir a possibilidade de – no caso de alguém que se confessa horrorizado com hipocrisias – estarmos perante uma posição hipócrita. Se BdC garante que "Marco Silva é para continuar"… Contudo, talvez seja prudente perceber como vai acabar a época (com ou sem Taça de Portugal) e compreender, também, se o treinador está disposto a "atravessar o rio" nas costas do presidente. Entre rãs e escorpiões, talvez seja melhor aguardar. E não é por ser "politicamente correcto"; é para ser… essencialmente correcto.»
Creio bem que estaremos perante um dos melhores textos até hoje publicados sobre a figura de Bruno de Carvalho. Essa foi a impressão que me ficou, depois de ler e reler o pensamento de Rui Santos, um dos jornalistas de toda a nossa praça que sempre se colocou à margem do funeral que a generalidade dos nossos escribas, "opinion makers" e, infelizmente, uma boa porção de sportinguistas apanhados e surprendidos nos seus privilégios e interesses pela "Primavera Leonina", lhe terão pretendido fazer desde que foi eleito e tomou posse.
E será precisamente porque Rui Santos nunca alinhou com a "marabunta" que pretendeu envolver o jovem Presidente do Sporting Clube de Portugal, que em cada dia que passa a sua posição de elogiosa crítica construtiva ganha mais credibilidade. Pelo menos na minha modesta opinião, que quase sempre tem estado próxima e cada vez mais, se aproxima da sua.
O eixo central da tese de Rui Santos passa, a meu ver de forma magistralmente correcta, pela verdadeira e incontornável "essência" de Bruno de Carvalho, que o tem vindo a empurrar em alguns casos, para veredas mais ou menos estreitas, semeadas de escolhos e prejuízos para si próprio e para o Clube que dirige. Mas, paralelamente, reconhece aquilo que de forma desapaixonada estará à vista de todos: o Presidente do Sporting Clube de Portugal estará "a fazer um esforço para dirimir algumas particularidades da sua própria essência".
De modo notório e flagrante, Bruno de Carvalho, sem de alguma maneira abdicar da sua "essência", parece estar a caldeá-la com inteligência, tempo e a experência que tem vindo a adquirir, num processo que começa a acumular garantias de que a sua acção, no médio e longo prazo, possa aproximar-se do limiar dos seus próprios e confessados sonhos.
Haverá apenas uma pequena questão em que discordarei de Rui Santos: Bruno de Carvalho não deverá apenas preocupar-se em saber, "se o treinador está disposto a 'atravessar o rio' nas costas do presidente"! A sua preocupação deverá ser bem mais abrangente, tanto no tempo, quanto no modo como conduzirá a sua "essência", por forma a garantir que todo o formidável Universo Leonino esteja disposto a "atravessar o rio" às costas do Presidente!...
Porque Bruno de Carvalho já terá tido tempo suficiente para compreender, que na "travessia do rio", nem só os escorpiões viajarão sobre as suas costas!...
Leoninamente,
Até à próxima
Estão a um passo do abismo, só lhes falta seguir em frente!
ResponderEliminarMas vens aqui aprender como se salta para lá do abismo, não é pinto calçudo?!...
EliminarRui Santos precisará contudo, em minha opinião, de definir, inequivocamente, o "seu lado"... no sentido em que...
ResponderEliminarPor um lado diz que o futebol está podre..., tem interesses instituídos..., a arbitragem..., os agentes e empresários..., etc..., etc..., etc... Depois diz que o BdC foi uma lufada de ar fresco para mudar o statuos quo, o paradigma etc.., etc..., etc... Mas depois são sempre as soluções e as definições preconizadas pelo Sporting, e para o Sporitng, que são todas questionáveis, equívocas e carecidas de confirmação, contextualização, fundamento, prova, ... posterior... Ou é o Marco que não fica, ou é A ou B que não está satisfeito ou é a Taça que vai (deve) definir o futuro do Sporting..., ou é o presidente que é isto e aquilo que devia falar (leia-se adaptar-se) com os outros... os do sistema... Nos outros nunca há objectividade nas "acusações", quando há "acusações", e normalmente têm sempre soluções e estratégias geniais..., clubes bem resolvidos, bem comandados (pelos tais do sistema - digo eu e ele-), sem problemas, sem vidros partidos, sem equívocos......
Até posso concordar com alguns textos de "caracolinhos"... No entanto penso que... o senhor devia ser mais coerente, e acima de tudo, assertivo e objectivo... e deixar o estigma (que me irrita profundamente) do... "Vocês sabem do que é que eu estou a falar...", pois parece a velha, genial e saudosa rábula do "Com um simples vestido - azul e vermelho e, agora e às vezes lá vai pondo um mais verd(inho) - eu nunca me comprometo"
SL