sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Muito obrigado a quem deste modo está grato!...


A um Deus conhecido

«John Steinbeck escreveu o livro ‘A um Deus desconhecido’. Na história, Joseph Wayne parte para a Califórnia, onde se davam terras para atrair quem fosse povoar o território, então, quase deserto, e apaixonando-se pela sua nova morada faz amor com ela. Diego Armando Maradona não precisou de mudar de vida nem de morada, nasceu em Buenos Aires e ali fez da bola a sua amante eterna, tocava-lhe com o carinho que a adocicava, fazia também amor com ela numa ligação profunda de osmose perfeita.

A sua morada, a sua felicidade, o seu prazer, a sua plenitude era em campo. "Tragam-me uma bola, assim posso mostrar que estou bem", disse uma vez. Para mim, Maradona é o melhor futebolista de todos os tempos. Nasceu com o dom dos eleitos, o talento corria nas suas veias, a magia habitava na sua alma. Era um predestinado. No corpo de um simples terrestre residia alguém condenado ao Olimpo.

A "mão de Deus" contra a Inglaterra foi mais uma pincelada nesse sortilégio do legado de um artista que se tornou uma lenda. Era rei para os argentinos, mas soberano imperador em todo o mundo que ama o futebol. E onde senti a relação umbilical de uma comunidade com um Deus foi em Nápoles. Há 20 anos, de férias, cheguei à estação central de comboios e logo deparei com fotos, postais, galhardetes, pósteres da sua imagem por todo o lado. Espalhados pela fabulosa cidade voltada para a maravilhosa baía e namorada pelo Vesúvio, vi altares, cabelos do astro em exposição pública, murais, arte de rua, numa fusão esfuziante de fé e gratidão a quem pôs o clube da terra no patamar mais alto do Calcio.

E ficou célebre o que disse em italiano no momento em que chegou: "Buona sera napolitani. Sono molto felice di essere con voi."Naquele dia nasceu a adoração, os títulos criaram a religião. Sim, Maradona era um de nós. De todos os que vibram com o desporto-rei e as proezas das suas estrelas. Além disso, era rebelde, não se vergava a poderes e expunha com coragem a hipocrisia e corrupção, nomeadamente, da FIFA. Gostava de pessoas (algumas nada unânimes) e defendia causas. Tinha defeitos condenáveis – e que sentenciaram a sua morte prematura – porém, eram as imperfeições que lhe davam a proximidade e simpatia do homem comum.

Todos assistimos, como numa frase de um dos grandes filmes da história do cinema, ‘Les Diaboliques’, de Henri-Georges Clouzot, à sua "transformação em ruínas". Ao contrário do livro de Steinbeck, Diego Armando Maradona era um Deus conhecido. O "mais humano dos deuses", como afirmava Eduardo Galeano. Todos o conheciam no seu esplendor e na sua miséria. Todos vibraram com ele, todos sorriram com ele, todos torceram por ele, todos choraram com ele e por ele. Guardemos o seu melhor, o seu encantamento, em campo com uma bola, e só nos resta dizer muito obrigado por tudo Diego Armando Maradona.

PS: Parabéns pelos 71 anos do Record e foi um gosto ler ontem uma boa edição carregada de publicidade e agradecer ao Miguel Oliveira, pois ele nem sabe como a sua vitória – bem como outras do Desporto português – dá tanta alegria a um País que está triste.»

Texto escrito com a antiga ortografia

Muito obrigado a quem deste modo está grato!...

Leoninamente,
Até à próxima

1 comentário:

  1. Também para mim o Diego Armando é o melhor futebolista de todos os tempos, depois do Pelé, e do Eusébio. Poucos estariam e estarão ao nível dele, entre os quais os actuais Messi e Ronaldo. Nós também tivemos um "Maradona" em Portugal que esteve quase no seu patamar: Paulo Futre. Recordêmo-lo ( https://www.youtube.com/watch?v=ZCLFomngpaA ), ( https://www.youtube.com/watch?v=Bk3G0DvsjIA ). Como recordamos a gestão que Cintra fez das exigências do jovem Paulo. Muito triste também lembrar isto.

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