Rogério Casanova comenta um jogo em que o Sporting actuou num relvado constituído por melaço, Lexotan e grilhetas invisíveis
E lembra que Rui Patrício é em alguma medida comparável a Donald Trump, na medida em esta quinta-feira completou o trigésimo aniversário, a mesma idade com que Trump garantiu um empréstimo bancário de 80 milhões de dólares que lhe permitiu comprar o Hotel Commodore em Nova Iorque
«Rui Patrício
Desviou um remate de Twumasi, foi o que fez o campeão europeu ao minuto 33. E mostrou muita atenção e agilidade quando saiu aos pés de um adversário ao minuto 53, aquele que recentemente se sagrou, de forma ainda mais prestigiante, Campeão de Inverno 2017/18. Já perto do apito final permitiu que a bola atingisse o poste da baliza à sua guarda, numa tentativa infrutífera de dar alguma emoção a uma rotina estabelecida, e de voltar a sentir o pulsar da adrenalina. Donald Trump tinha 30 anos quando garantiu um empréstimo bancário de 80 milhões de dólares que lhe permitiu comprar o Hotel Commodore em Nova Iorque. O facto de Rui Patrício ter também ele cumprido hoje 30 anos torna estas duas figuras históricas, em alguma medida, comparáveis.
Piccini
A sua tocante solidariedade com os colegas impediu-o de se superiorizar logo ao início, quando toda a gente ainda estava a tentar adaptar-se ao estranho relvado da Arena Astana (constituído por melaço, Lexotan e grilhetas invisíveis), portanto tratou de perder o primeiro duelo individual que disputou. A partir daí não facilitou mais, e esteve muito bem em termos ofensivos, com uma sequência de boas iniciativas que culminou no golo que ofereceu a Gelson de bandeja ao minuto 74, numa jogada que valeu por si só cada um dos mil e duzentos milhões de tenges cazaques que custou, de acordo com a cotação actual da moeda do Cazaquistão que, na sequência das sanções económicas aprovadas pelo Senado dos Estados Unidos contra a Rússia em Julho de 2017 que desvalorizaram o rublo, sofreu também ela uma acentuada desvalorização, ao contrário de, por exemplo, Piccini.
Coates
Os seus pitões, como o arpão de Ahab, já derramaram sangue mais antigo que o dos Faraós, mas aquela lentidão de processos mais notória de há uns tempos para cá tem-no impedido frequentemente de chegar a tempo de fazer mal a quem nos quer fazer mal. Na aflitiva meia-hora inicial, como grande parte do quarteto defensivo, afogou-se placidamente na profundidade escavada nas suas costas. Depois varreu um ingénuo oponente que tentava fazer dói-dói ao Sporting durante um contra-ataque e o consequente cartão amarelo pareceu devolver-lhe alguma autoestima.
André Pinto
No lance do golo supervisionou atentamente a desmarcação de Tomasov nas suas costas, tendo-lhe passado as credenciais adequadas. Depois teve altos e baixos, com a atenuante de ter gasto imenso tempo e energia a servir de bombeiro a um flanco esquerdo invulgarmente permeável (e que conseguiu socorrer com sucesso em várias ocasiões). Na saída de bola, de forma a evitar comparações desfavoráveis com Mathieu, dedicou-se sobretudo a fazer passes a Rui Patrício. Terá mesmo sido o colega de equipa a quem mais vezes entregou a bola. Se foi nisso que consistiu a sua prenda de aniversário, estamos perante um caso muito particular de “re-gifter” (cf. Seinfeld, episódio 12, sexta temporada).
Fábio Coentrão
Hoje a tarde não lhe correu nada bem e acabou por ser substituído, sendo portanto, em alguma medida, comparável a Richard Nixon.
William Carvalho
Alguns passes transviados e uma perda de bola em zona perigosa ao minuto 19, mas estabilizou na segunda parte, acompanhando a subida de rendimento de quase toda a gente, com uma série de desarmes no 1x1 e transportes de bola verticais que ajudaram a evitar que a situação ficasse irremediavelmente skenderbeuzada. No final da partida cumprimentou com um aperto de mão um adversário que acabara de derrotar, sendo por isso, em alguma medida, comparável a Garry Kasparov.
Gelson Martins
Na primeira parte foi, com Piccini, o único elemento da equipa que não achou má ideia passar alguns segundos consecutivos em posse de bola no meio-campo do Astana. Criou imensos desequilíbrios, uma vezes em velocidade, outras, como na jogada do minuto 21, fintando lenta e metodicamente uma pessoa de cada vez. Marcou o segundo golo e ainda teve outro nos pés. Comportou-se, em suma, como se fosse vítima de uma daquelas bizarras disfunções neurológicas popularizadas pelos livros de Oliver Sacks: O Homem Que Confundiu um Piso Sintético no Fim do Mundo Com Uma Porra Exactamente Igual Às Outras.
Bruno Fernandes
“Grande remate de Bruno Fernandes, bela defesa de [x]” deve ter sido a frase que mais vezes se ouviu esta época em jogos do Sporting: é tão bom a tirar o melhor dos guarda-redes adversários como Doumbia a tirar o pior das dioptrias alheias. Hoje, além das bombas, fez um grande jogo, e foi ele a desenhar o contra-ataque do 1-3. Vai com onze golos e treze assistências, e é tão imprescindível como Gelson a que tudo isto funcione em condições. Que aproveite para dormir no voo de regresso: será provavelmente o maior período de descanso a que terá direito até Maio.
Acuña
Foi dos que melhor encarnou a má exibição colectiva na primeira parte, mas também foi o que mais rapidamente despertou após o intervalo. Dois lances excepcionais logo a abrir (um dos quais deu golo), com aquela mistura de raça, arranque e habilidade reactiva (ao invés de planeada) que costuma caracterizar as suas melhores acções. Recuou para lateral depois da saída de Coentrão e foi muito mais eficaz que ele nos duelos individuais defensivos. A dada altura contestou com veemência uma decisão do árbitro da partida, sendo por isso, em alguma medida, comparável com Rosa Parks.
Bryan Ruiz
É o Dorian Gray de Alvalade, mas ao contrário, desfazendo-se em rugas, estrias e sulcos à nossa frente, envelhecendo uma década por minuto, enquanto num sótão fechado algures em Alcochete, um talentoso internacional costa-riquenho continua a demonstrar toda a sua agilidade, competitividade e lucidez.
Doumbia
Pouco em jogo e isolado na frente até à meia-hora, quando veio ao corredor direito e conseguiu ir tacteando caminho por ali fora, ele próprio surpreendido pela facilidade com que o fez, cruzando para Acuña rematar por cima. Viu mais um golo invalidado por motivos inexplicáveis, sendo por isso, em alguma medida, comparável com Doumbia. Mais tarde viria a marcar outro, num lance que, até à hora de fecho desta edição, ainda não tinha sido anulado.
Montero
Caso lhe falte entretenimento e assunto de conversa na longa viagem de avião de regresso a Lisboa, pode sempre sentar-se ao lado de Doumbia e dizer-lhe que, contabilizados os últimos dois jogos, ambos marcaram exactamente o mesmo número de golos.
Battaglia e Rúben Ribeiro
Duas pessoas que hoje pisaram uma superfície não-relvada, longe dos seus respectivos lugares de origem, sendo por isso, em alguma medida, comparáveis a Neil Armstrong.»
(Rogério Casanova, Tribuna Expresso, em 15.02.2018 ÀS 21H39)
Dá ideia que Rogério Casanova depois de Jorge Jesus o ter premiado com a "titularidade" e de reparar que aos sportinguistas já nem lhes passa pela cabeça voltar a vê-lo no banco, desatou a jogar ainda mais que o Gelson...
Quem diria que afinal tínhamos em casa o melhor substituto de Bas Dost?!...
Cada cavadela, cada golo!...
Leoninamente,
Até à próxima
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