Vieira: a nova Xerazade
«Desde os tempos de João Gabriel que o Benfica construiu uma máquina de cartilheiros e acólitos das suas posições, que ocultam, omitem, baralham, disfarçam, maquilham os problemas das águias e contribuem para a criação da imagem de Luís Filipe Vieira como homem providencial, algo que, efectivamente, não existe em parte alguma.
Com eleições à porta, e com dois adversários a mostrar os dentes nas críticas, Vieira quer perpetuar o estado de assintomático e imune à crise, ultrapassando as crescentes dúvidas que se levantam sobre a sua liderança. Faz lembrar a figura lendária da rainha persa, Xerazade, que durante mil e uma noites teve de contar histórias fantásticas para entreter o marido e assim sobreviver à sua fúria sanguinária. É que já são tantos os problemas em que se deixou enredar o timoneiro encarnado, em termos reputacionais, que são necessárias muitas vozes e narradores de lengalengas para contornar os espíritos mais racionais e informados.
Com medo de esquecer algum, pois são já muitos os casos, recordo ‘vouchers’, Porta 18, E-Toupeira, contas correntes com o Aves, Paulo Gonçalves que é acusado de corrupção mas continua a negociar com o clube; para lá da conversa do desconhecimento sobre as suas claques, as luzinhas que vê à noite antes de tomar decisões, o Seixal como viveiro das conquistas europeias e o título de "campeões da credibilidade" com que gosta de encher o peito. São inúmeros os fios de meadas que nunca chegam ao fim nem acabam por se esclarecer, são múltiplas as narrativas para sustentar a presidência de um homem que tirou o Benfica - mas não esqueço o papel de Manuel Vilarinho - do pesadelo de chacota e vigarice de Vale e Azevedo mas que não é eterno no poder nem pode ser o especialista-mor a varrer os problemas para debaixo do tapete sem limpar as nódoas de sujidade.
E agora ainda tem em mãos, para lá do terrorismo sobre jogadores de energúmenos que só provam que o fanatismo é sinónimo de cegueira, a fragilidade dentro de campo e o título mais longe. Vieira gritou aos jogadores que "fomos o único clube da Europa que não baixou os salários durante a pandemia. Nunca vos faltou nada". Palavras passadas para a imprensa para que a massa associativa pudesse açoitar livremente os jogadores - os maus da fita na cartilha saída da Luz - salvando a pele do líder em mais uma história das Mil e uma Noites. E Bruno Lage até pode ir ver o mar na sua companhia, porém, a quebra de qualidade no seu modelo de jogo e a inércia na sua capacidade de se reinventar só expõem as lacunas de um presidente que anda no futebol há décadas mas percebe pouco do assunto. No entanto, se no relvado as coisas podem mudar, é fora dele que Vieira tem de redimensionar a sua presidência e sentenciar claramente que a sua marca de água é pura e cristalina sem se afundar na lama que tantas vezes o enreda e o pode afundar.»
(Rui Calafate, Factor Racional, in Record, hoje às 16:25)
* Texto escrito com a antiga ortografia
Cá para mim julgo entender e compreender o "racional" objectivo desta teia que Rui Calafate, que nunca dá ponto sem na ponta lhe dar um nó, hoje entendeu urdir. Mas não deixo de ficar preocupado com a possibilidade, ainda que muito remota, de os alvos poderem pensar que alguma razão assistirá ao cronista, logo agora que, depois de leonino esforço, tenho vindo a pensar numa merecida homenagem em pleno Marquês, à sagacidade e eficácia com que ambos terão conseguido a tal "décalage" de 10 anos em relação à concorrência!...
"P'ra melhor, 'tá bem, 'tá bem, p'ra pior 'tá bem assim"!...
Leoninamente,
Até à próxima
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