quarta-feira, 24 de junho de 2020

Está tudo dito!!!...


Afastem-se que o menino vai marcar

«Em Janeiro de 1998, quando foi contratado pelo Inter Milão ao Borussia Dortmund, Paulo Sousa foi apanhado de surpresa por algumas peculiaridades de uma equipa cheia de grandes jogadores mas comandada por um treinador menor – Gigi Simoni, falecido a 22 de maio de 2020, com 81 anos. Um jovem pouco referenciado, com aparência imberbe, chamou-lhe a atenção. Era Álvaro Recoba, uruguaio de 21 anos, canhoto talentoso, que não recolhia grande simpatia no grupo mas tinha algo de especial. Dizia o geómetra que, nos treinos de conjunto e nos jogos, desde que houvesse livres directos em zona frontal à baliza, os craques afastavam-se reverencialmente e concediam-lhe o privilégio do tiro. Recoba encheu-se de golos e, assim, conquistou o respeito e a admiração de companheiros, adversários, adeptos e treinadores.

Jovane tem a aparência imatura de jovem com 22 anos, cuja desconfiança exterior lhe acentuou as dificuldades de afirmação ao mais alto nível. É um atacante robusto, destro, que se enquadra melhor com o jogo partindo da esquerda para o meio e que expressa talento superior na condução; é articulado com a bola nos pés em alta velocidade; tem agilidade surpreendente no modo como sai dos apertos; revela técnica refinada e visão periférica interessante, mesmo que a condução seja feita com a cabeça baixa em muitas ocasiões. Nas corridas de longa distância, tem um arranque poderoso e prolongado; se trava, acelera outra vez e, quando é preciso utilizar o corpo para proteger a bola, recorre à imaginação e à malícia para não ser desarmado. O tiro é poderoso e certeiro.

O seu futebol vertiginoso, arriscado e fracturante enche-se de soluções contundentes. Quando pega na bola e vai directo ao assunto, revela inconsciência juvenil, porque os benefícios que se propõe extrair das iniciativas parecem impossíveis de alcançar, razão pela qual se antevê mais facilmente o fracasso do que a glória. Mas a sua arte começa precisamente nessa atitude ousada nos territórios militarizados de acesso ao golo; no modo como desafia a lógica superando armadilhas e cabos de alta tensão, vigiados por soldados armados até aos dentes, com o despudor que caracteriza os atiradores implacáveis. Nessa altura, Jovane propõe-se sair dali como um preso a evadir-se de uma prisão de máxima segurança. Tem soluções para tudo e age com o ar pueril de quem não sabe onde está a meter-se, abordando perigos reais como se estivesse a passear no quintal de sua casa.

Com Rúben Amorim, Jovane agregou confiança ao potencial nem sempre reconhecido, dando continuidade ao processo de afirmação. No fundo, está a usufruir da verdadeira oportunidade como titular do Sporting e figura da Liga – por fim, está a ser reconhecido como grande jogador. A juntar a todos os argumentos que fazem dele um extremo apetecível e desequilibrador, com o Tondela teve momentos marcantes. Comecemos pelo fim: aos 87 minutos, com o jogo decidido e em modo de generalizada poupança, agarrou na bola e levou-a até à outra extremidade do campo, em cavalgada impressionante, que só terminou num cartão amarelo mostrado a Tiago Almeida – prova de que decide por talento mas também por fôlego e poder físico.

Mas o ponto mais alto foi o golo de livre em zona frontal à baliza, numa zona perfeita para o pé esquerdo do especialista Mathieu. O veterano francês não teve dúvidas em abdicar do remate em favor do jovem companheiro. A execução foi perfeita, o golo espectacular e surpreendente. Mas não para quem se treina com ele todos os dias. Esses estão fartos de saber que, dali ou mais ao lado, cheira a golo do Sporting – e vão dois, em jornadas consecutivas. Tal como Recoba no Inter do final do século passado, esse talento serve para se consolidar como estrela da equipa. Cabe-lhe não desperdiçar esta oportunidade de ouro.»
(Rui Dias, de Pé para Pé, in Record, ontem às 23:37)


Mais palavras para quê?!... 

Está tudo dito!!!...

Leoninamente,

Até à próxima

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