terça-feira, 28 de maio de 2019

Sabe bem uma 'água das pedras' depois do vómito!...


Lágrimas opostas


«Um ano e quatro dias separaram a comovente e desoladora imagem em que o médico Frederico Varandas tentava consolar, no relvado do Jamor, os atormentados jogadores do Sporting (especialmente um Rui Patrício em pranto) do cenário em que o agora presidente Frederico Varandas lacrimejava profusamente enquanto abraçava muitos dos mesmíssimos jogadores no camarote VIP do mesmo estádio nacional. 

A acareação destes dois momentos não serve apenas para relevar as evidentes diferenças entre o sofrimento e o desencanto de um grupo de homens que havia sido enxovalhado e maltratado antes de bloquear e ser derrotado pelo Aves e a equipa guerreira e animada que batalhou e celebrou a vitória na Taça de Portugal frente ao FC Porto. Porque o que as lágrimas, agora de júbilo, do presidente leonino mais simbolizam são as exéquias do cobarde ataque à Academia de Alcochete e o "reerguer do Sporting", como Varandas deixou bem manifesto: "Aquelas lágrimas não foram só do presidente, foram de todos os adeptos, por tudo aquilo que passaram. São lágrimas de alegria que vão perdurar no tempo". 

De certa forma, a conquista deste troféu no Jamor (e o lugar não é despiciente) também servirá para desmistificar totalmente uma liderança que se revelou alucinada e perigosa e que não demorou muito a mostrar-nos que é sempre mais fácil corromper do que persuadir. Bruno de Carvalho foi destituído, numa votação esmagadora, a 23 de Junho. Mas, se fosse preciso, o desfecho e o envolvimento da última final da Taça de Portugal tinham-no desapossado de qualquer réstia de credulidade que ainda pudesse sobreviver, pelo menos entre os sportinguistas minimamente razoáveis. E isso será sempre essencial para atingir a pacificação interna que Varandas reclama como necessária e urgente para tornar o clube mais forte e competitivo.

O Sporting ganhou dois títulos, algo que já não conseguia há 11 anos (com Soares Franco e Paulo Bento). E Frederico Varandas, em apenas oito meses à frente do Sporting, já está a apenas uma Supertaça de igualar os três troféus que Bruno de Carvalho conseguiu em cinco anos e três meses de liderança. O que é principalmente sintomático se atendermos à intricada realidade com que se confrontou, incluindo a derrocada financeira que resultou do investimento colossal nas três épocas anteriores. E convém nunca esquecer que o Sporting havia descido ao inferno, vivia numa consciência atormentada e numa depressão colectiva que parecia tornar impossível qualquer redenção, pelo menos a breve prazo.

É por tudo isto que a conquista da Taça de Portugal e o balanço final da época leonina (incluindo os cinco títulos europeus nas diversas modalidades) representam também o emergir de Frederico Varandas enquanto arauto de um novo Sporting. De um Sporting que precisava, como poucos, de um banho de autoestima. Já se sabe que ninguém é mais adorado do que os tiranos, mas, naquele jeito muito próprio, o actual presidente do Sporting provou-nos que um líder não pode ser apenas um vendedor de esperanças, por mais exóticas que elas se revelem.

Frederico Varandas não é um tribuno por excelência e isso bastou para que, a certa altura, muitos torcessem o nariz à sua capacidade de liderança. Um erro, porque, como diria Mahatma Gandhi, o homem arruína mais as coisas com as palavras do que com o silêncio (o anterior presidente eleito provou-o de forma abundante…). Mas também uma precipitação de quem não percebeu que Varandas não demorou muito a devolver ao Sporting algo que não tem preço: a dignidade. E também a independência, por muito que isso desagrade e não dê jeito às estratégias de poder tanto do FC Porto como do Benfica. E tem-no conseguido fazer com uma urbanidade rara no futebol português.

Varandas foi criticado até por muitos que, tal como eu, há muito reclamam a urgência de uma nova geração de dirigentes desportivos capazes de introduzir verdadeiras reformas e que não se distingam principalmente pelas atitudes e palavras tacanhas e egocêntricas. Ora, alguém viu Varandas na festa em Alvalade que se seguiu à conquista no Jamor? Não, fugiu dos holofotes, percebendo que aquele era o momento de dar todo o palco aos jogadores e aos treinadores. Mostrava assim ter percebido que o que faz um homem tornar-se líder é a capacidade de observar, organizar, aprender e desenvolver. Porque liderar também é fazer o que está certo quando ninguém está a olhar…

Relvado estragou a final

A final do Jamor teve de tudo um pouco, designadamente novidades tácticas pouco vistas em ambas as equipas (o Sporting recorreu, a certa altura, a um 3x5x2 com Bas Dost e Luiz Phellype simultaneamente em campo e com Jefferson no meio campo, enquanto o FC Porto terminou com um raro e ofensivo 3x4x3). A equipa portista teve quase sempre mais qualidade futebolística e, por isso, foi melhor e mais perigosa na maior parte do tempo (como os dados estatísticos confirmam), voltando a ceder frente a um Sporting que se especializou na decisão no pontapé dos 11 metros (quarta final seguida ganha nos penáltis e 100% de aproveitamento nos 15 de que beneficiou na Liga). 

Mas também não foi por acaso que o Sporting respondeu com a sua faceta mais resiliente e combativa, uma versão abraçada nos jogos em que percebeu a superioridade do adversário. Ao assumi-lo, mais do que abdicar da sua ideia de jogo, Marcel Keizer voltou a dar mostras de uma plasticidade e de uma agudeza de espírito que nem são muito apanágio da escola holandesa. Varandas arriscou quando despediu José Peseiro sem razões suficientes, mas Keizer tem justificado a aposta e, em seis meses, fez melhor do que Jorge Jesus em três anos (porque a Taça de Portugal vale mais do que a Supertaça).

O jogo valeu essencialmente pela forma abnegada como as duas equipas se entregaram ao combate e pela emoção decorrente da evolução do resultado, mas o espectáculo foi sofrível, ou nem isso. Mas muito por culpa de um relvado impróprio para consumo. Por muito que o Jamor e as suas sardinhadas ajudem a criar uma atmosfera circundante festiva, uma final da Taça de Portugal tem de ser disputada num estádio que ofereça um bom relvado e condições de segurança irrepreensíveis. E é a própria UEFA a deixar claro que isso não está garantido no Jamor, como se viu na candidatura do Belenenses às provas europeias. 

Uma nota positiva para o facto de o FC Porto ter respeitado a guarda de honra que lhe dedicou o Sporting no final, ao contrário do que tinha acontecido em Braga, na Taça da Liga. Nunca é tarde para aprender que o mau perder e a cultura do ódio não levam a lado nenhum.»
(Bruno Prata, Ludopédio, in Record)

Apreciei este excelente texto de Bruno Prata! É o que nos vai valendo, no meio de tanta e execrável 'porcaria' que vemos, ouvimos e lemos por aí, muito particularmente no próprio dia em que um escroque qualquer, antigo membro de governo e ex-vice presidente do clube com mais adeptos deste país, veio publicamente afirmar que "... o 'futebol português' anda mortinho por oferecer um campeonato ao Sporting"!...

Sabe bem uma 'água das pedras' depois do vómito!...

Leoninamente,
Até à próxima

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