sábado, 23 de junho de 2012

Cristiano Ronaldo, reconhecimento e gratidão...



Está quase a fazer um ano em que, cansado da pressão, dos assobios, das comparações e pressionado por todo um país e por grande parte do povo a que pertence, Lionel Messi, terá eventualmente escrito, ou alguém por ele, uma carta à população argentina. Essa carta, foi traduzida em dezenas de idiomas e deu várias vezes a volta ao mundo. Foi um grito de revolta e mágoa de um ídolo, que não pediu para o ser e que apenas desejava ser tratado como ser humano. Recordo aqui esse grito - em tradução pessoal -, como homenagem ao grande ser humano que parece ser Lionel Andrés Messi:

Escrevo esta carta, com os ouvidos ainda cheios dos assobios que recebi no dia do empate com a Colômbia e penso que não me resta outro remédio que dirigir estas letras à população argentina. Supõe-se que eu sou o melhor do mundo. Quem o supõe? Isso não é claro para mim. Que significa ser o melhor do mundo? Também não sei. Só sei que sou um jogador de futebol a quem as coisas tem corrido bem. Também conheço e recordo a minha história.

Comecei a jogar futebol muito pequeno. Não tive mais infância que a do esforço e do sacrifício para chegar até onde eu sabia que queria chegar. E no meio aconteceu o impensável: o meu corpo não se desenvolvia de modo a que pudesse jogar como profissional. A única solução seria um tratamento muito caro, fora do alcance da minha família. Procurei apoios na Argentina, o meu país, mas não os encontrei. Com os meus pais batemos a muitas portas em vão. Ninguém queria arriscar num pequeno miúdo. Até o River me fechou as portas, pensando que não valia a pena.

Nesse momento, um clube estrangeiro se interessou por mim. Gastou tempo e dinheiro com médicos. Manteve a minha família, para que estivesse perto de mim. Sem pressas me formaram e por último comecei a jogar. Com trabalho e organização, nunca queimaram etapas. Esse clube foi o Barcelona.

Quando regressei à Argentina, alguém advertiu para a possibilidade de se poder estar a perder um jogador internacional e, rejeitando a estupidez e a preguiça, cuidaram de combinar um jogo amistoso da selecção argentina juvenil, para evitar que eu viesse a jogar por Espanha. Ainda bem para a Argentina.

Agora, cada vez que jogo pelo meu país e embora seja público, como por exemplo nesta Copa América, que eu tinha doado todo o dinheiro que me coubesse receber a obras de beneficência, toda  a responsabilidade cai sobre mim. Esquecem que o futebol é um jogo de equipa? Acreditam que as coisas acontecem por artes mágicas? Não entendem que o futebol, como todos os desportos, é uma questão de ganhar alguns segundos ao adversário? Hoje em dia não se pode improvisar…

Querem que a Argentina jogue como uma equipa do campeonato, mas não querem o trabalho e a organização de um desses clubes. Querem que aconteçam coisas iguais, fazendo coisas diferentes. Sem trabalho e organização não há modo de chegar ao êxito. Nem no futebol nem em nenhum aspecto da vida. Aos argentinos parece pouco lhes importar que os seus ídolos sejam devorados uma e outra vez. Pouco lhes importou endeusar uma e outra vez Maradona, com o objectivo de o poder humilhar de sequida. E agora fazem-no comigo?!...

Custa-me dizê-lo: amo a Argentina, mas estou cansado dos argentinos. Estou cansado de dar explicações, porque alguém acredita que eu sou o melhor do mundo. Estou cansado que me comparem com Maradona ou com qualquer outro. Fazem de mim um deus e depois pretendem que eu faça milagres. Estou cansado que faltem ao respeito aos meus colegas, quando me comparam com eles. Estou cansado que não entendam que sou apenas mais um, que se levanta em cada dia pretendendo fazer bem as coisas.

Se os argentinos se dessem conta de que, mais do que exigir-me milagres, deveriam exigir trabalho e organização aos seus dirigentes, a começar pelo futebol, as coisas poderiam melhorar. Se não, não importa, mas deixem-nos tranquilos, a mim e à minha família.


Ao acompanhar o golpe de estado que levou Napoleão III ao poder, na França do século XIX, Karl Marx, filósofo, sociólogo, historiador e economista, que ficou eternizado como o grande teórico do comunismo, chegou a uma perturbadora conclusão: a história acontece como tragédia e se repete como farsa.
Se transportarmos para o sub-mundo do futebol universal, a visão marxista da História, reduzindo e adequando necessariamente a sua dimensão, veremos que a carta de Messi aos argentinos, pouco mais poderá representar que o reflexo de uma pequeníssima tragédia, que apenas terá envolvido o próprio e os seus familiares. E a repetição de que nos falava Marx, que se centrou em torno de Cristiano Ronaldo, no arranque do Euro2012 a decorrer no leste da Europa, utilizando o mesmo e conveniente espírito redutor, também pouco mais poderá ser entendida que uma pequena e quase insignificante farsa. Porém, mesmo que estas coisas do futebol devam sempre ser apreciadas com algodão nos ouvidos e óculos de sol, seria um tremendo e estúpido erro, que o episódio que envolveu aquele que porventura será já o melhor jogador português de todos os tempos, nos sirva para uma profunda reflexão colectiva, por parte de todos aqueles que, por intervenção ou omissão, tenham colaborado na farsa.
Desconheço em absoluto o sentimento colectivo que hoje habitará o coração dos argentinos, depois da carta que Messi lhes dirigiu. Mas sei que o sentimento colectivo dos portugueses em relação a Cristiano Ronaldo, independentemente de todos os defeitos e virtudes que no plano extra-futebol lhe possam ser atribuídos, deveria ser de profundo reconhecimento e gratidão. Cristiano Ronaldo, nos curtos anos que leva a dar pontapés na bola, talvez já tenha feito mais pelo povo a que pertence, que todos os chefes de governo que nos calharam em sorte depois do 25 de Abril!... Porque dos que os antecederam, já nem a História fala. Ficarão para sempre na sarjeta do esquecimento...

Leoninamente,
Até à próxima


6 comentários:

  1. Mano Álamo,

    Que grande post!
    Estou contigo, com o Messi, com o Cristiano Ronaldo e todos os que se esforçam para vencer na vida e elevar bem alto o nome dos seus países. Pena que estes monstros sagrados só sejam reconhecidos enquanto dão vitórias e essa capacidade, mesmo que prolongada no tempo, não dura sempre ou para sempre.
    Já dizia a minha avó que... "A vida é como os alcatruzes da nora..." ou... "Não há mal que sempre dure nem bem que não se acabe" ou vice-versa (vai dar ao que quero dizer e olha que sei bem o seu significado).

    O bom sernso deveria imperar em tudo na vida mas... cada vez há menos à venda LOL.

    Abraços

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    1. Maninha Tité,
      Comoveu-me o teu comentário. Porque veio de ti e tu és, entre todos os amigos sportinguistas que não me levarão a mal por isso, o meu anjo da guarda, a minha consciência sempre presente, a minha melhor crítica, porque sincera e amiga, a minha melhor conselheira, nesta tribuna difícil que pretende defender e aplaudir, simultãneamente, os valores sagrados do humanismo, considerados no sentido mais abrangente que se possa imaginar e o amor de uma vida, irracional como todos os amores, o meu, nosso, universal e imenso, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL!...
      É uma espécie de quadratura do círculo, esta missão quase utópica a que me propus e que, no meio de desfalecimentos e decepções vou tentando prosseguir. Não é fácil pretender, dentro de um quadro perfeccionista de valores e princípios, harmonizar uma concepção de mundo que, embora materialista e agnóstica assenta profundamente num humanismo sem a mínima concessão, com os propósitos, objectivos e legítimos sonhos de uma agremiação desportiva que irracionalmente tomou conta do nosso coração. Só tu, particularmente tu, se bem que felizmente bem acompanhada por uma "imensa" dúzia de "leões da mesma ninhada", têm conseguido evitar que tantas e tantas decepções com que me tenho defrontado, não me façam "fechar a porta" da redacção e publicação e abrir a mais leve e cómoda janela da leitura...
      "O bonsenso deveria imperar em tudo na vida.." disseste tu e bem. Liminarmente bem. "Mas cada vez há menos à venda..."
      Deixo-te o meu obrigado, num beijo da profunda amizade que me mereces...

      Abraços

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  2. Agora estou eu a levar com umas "cromas" lá no meu FB.

    No Blog ando a aproveitar o defeso para ver se a poeira poisa e respiro fundo para nova arrancada. A "Silly Season" é "paraduxa" para a blogosfera, podes acreditar que tenho uma longa prática de sites e blogs de futebol.

    De resto, aproveita para relaxar e faz férias de tudo pois "cheira-me" que vamos ter uma época de arrasar e nem sequer sei porquê, é mesmo um "feeling".

    Continuação de um bom S. João e usa o alho porro para dar saída aos ataques de fúria. Dizem que alivia imenso LOL.

    Abraços de "tranquilidade"

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    1. Pelo andar da carruagem, a época será mesmo de arrasar. Vou tomar em consideração a tua experiência. A minha fúria não vai lá com alho porro. Sartre, Gorky, Huxley, Saramago,Jorge Amado, Zeca Afonso, Jorge Palma, PinkFloyd e outros de que gosto tanto, talvez ajudem mais... Mas é difícil, sabes. Basta dar uma vista de olhos às notícias do dia e... pronto, mergulho no pântano e só páro depois de desabafar! Vai comigo para a cova este feitio! Mas tentarei, prometo...
      Abraços tranquilamente amigos

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    2. E eu não sei?!?!?

      De vez em quando esqueces-te que também sou do teu signo.
      Que diabo de mau feitio nós havíamos de arranjar!

      KKKKKK

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  3. Olha querida amiga, mas há uma coisa que ninguém me tira: a tranquilidade com que me deito e adormeço! Porque nunca fiz mal a ninguém, intencionalmente. Este génio, esta falta de benevolência e compreensão, só se revela quando a carga do mal que vejo à minha volta traz a marca do intencional. Aí sou implacável. E pelo que conheço de ti, serás igualzinha. Mas quando chega a hora de deixar o coração falar ou analisar as coisas bonitas e boas que este mundo nos oferece, lá salta a lágrimazita do canto do olho, que envergonhado escondo ou sorrateiramente limpo. Sou feliz por me sentir assim e sei que tu também. É o que mais nos importa na vida!...

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