A sintonia de Edwards com a equipa
«Os mágicos não vivem na mesma onda dos cidadãos comuns. Mesmo que os artistas sejam enquadrados pela tolerância exterior, porque deles se espera o truque sumptuoso que elimina adversários e a fantasia que inspira companheiros e exalta plateias, os jogadores menos atingidos pelas exigências repressivas não podem desviar-se do espírito colectivo orientado por compromisso, rigor, responsabilidade, segurança e equilíbrio. Edwards viaja no limite dessa expressão desfasada, como se ouvisse música diferente da comunidade; joga e movimenta-se ao ritmo pausado, insinuante e harmonioso que lhe agrada e só ele absorve, integrado num exército armado até aos dentes, em permanente alerta, pronto a emitir sinais contundentes no campo de batalha.
A verdade é esta: em certos momentos, por vezes jogos inteiros, Edwards é peça solta na engrenagem, como se beneficiasse de isenção especial no cumprimento de regras estabelecidas e por todos assimiladas, em equipa altamente estruturada, na qual cada elemento está submetido a missões específicas.
O inglês é um fenómeno com soluções individuais milagrosas, um talento sublime que resolve os problemas mais delicados; um jogador que pode andar adormecido durante largos minutos, mas a quem basta um simples clique para acender a luz, despertar as musas da inspiração e iluminar o cenário que o rodeia. Quando sintoniza com a equipa é único: brilhante, virtuoso e decisivo. É nessa altura consensual a ideia de que vale sempre a pena esperar por ele e perdoar-lhe distracções, passividade e sucessivos alheamentos.
Edwards pode sentir-se mais feliz exibindo a ginga inconsciente que o realiza – só precisa de conhecer os padrões tácticos da comunidade e perceber que o compasso em vigor não é esse. A inexpressão facial e o silêncio impregnam de mistério o ar disperso; a repressão do sorriso serve para ocultar emoções e o ar inofensivo esconde o perfil de felino implacável. O rosto de cidadão anónimo contribui para acentuar o enigma: não reage ao elogio e à crítica; aos bons e maus momentos; à glória e ao fracasso. É indiferente ser a estrela da companhia e alvo do interesse de um qualquer colosso europeu disposto a lutar pelos seus serviços, ou ser acusado de inércia e displicência, argumentos que costumam ser penalizados com o banco de suplentes, destino fatal para graves desfasamentos da realidade.
Na gigantesca fábrica de futebol que é o Sporting de Rúben Amorim, a questão não se resolve transformando um génio em operário – nem esse é, por certo, o objectivo do comando. Trata-se de moldar um espírito livre, rebelde e individualista às exigências básicas que orientam a vida em grupo, procurando que assuma a sua parte no plano para extravasar toda a expressão como um dos melhores e mais brilhantes extremos da actualidade, assente em armas pessoais e intransmissíveis como drible diabólico, progressão articulada, visão ampla e precisão milimétrica em tudo quanto executa. O processo não é de fácil execução, nem é dado adquirido que a conjugação seja realizável.
Para atingir o patamar correspondente ao talento, Edwards precisa de entender onde e quando pode correr riscos; alimentar a genialidade sem deixar de cumprir o senso comum; continuar a viver no seu mundo mas contribuir para olear os valores sagrados que mantêm saudáveis as relações entre o exército de que faz parte. Só assimilando o facto de não estar acima dos outros poderá evitar o prejuízo de ficar abaixo e, assim, desperdiçar o destino como um dos mais excepcionais futebolistas da actualidade...»
Pois é, mas mora em Alvalade ainda, espero eu, por muitos anos e, no seu jeito muito peculiar, pessoal e intransmissível...
Amorim estará sempre atento!...
Leoninamente,
Até à próxima
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