O preço da devoção
«Em oportuna reportagem, o Record desvenda que, nos últimos cinco anos, a administração do FC Porto recebeu, a título de salários e bónus, 13.197.927 euros, ou seja mais 3,3 vezes do que a do Benfica e 5,4 vezes do que a do Sporting.
As mais elementares regras de governance e sustentabilidade societárias apontam para o claro exagero destes números, face à sua situação líquida e aos resultados obtidos; não esqueçamos que esta premiada administração é a mesma que sujeitou o clube a um pouco abonatório fair play financeiro e aumentou o passivo para além dos 500 milhões de euros.
Já ouvi alguns iluminados dizer que este é um problema dos accionistas da SAD do FC Porto e que, se eles estão de acordo com estas práticas, ficam as mesmas legitimadas. Estou em completo desacordo, porque entendo que existe uma vertente ética colectiva e individual, que transcende os limites do accionariado directo e se projecta na credibilidade do sistema e na valoração reputacional de cada um.
Falando de uma sociedade aberta, cotada em bolsa, existe claramente uma afectação desproporcional de valor para remunerar a gestão em detrimento de outros stakeholders ou da própria dívida da sociedade; pergunto qual é o sentimento de um investidor que vê as suas acções a definhar e o bolso dos administradores a engordar. Supostamente, a CMVM deveria estar atenta a estes desvios, mas, para já, prudente silêncio.
Depois há o perturbante aspecto da consciência da cada um e releva da mais requintada hipocrisia fazer juras de amor eterno ao clube, por um lado, e esmifrá-lo ao limite, por outro; questiono mesmo que juízo de valor se deve fazer de alguém com 85 anos para quem o dinheiro ainda conta tanto.
Não entendo a passividade resignada com que os adeptos e sócios do FC Porto assistem a este exercício anual de devoção mercenária. Se isto acontecesse no Sporting – que não acontece – haveria um natural motim associativo.
O FC Porto é como a Bela Adormecida; está em estado de necrose letárgica, à espera do beijo do príncipe encantado.»
Permitam-me os meus estimados leitores insistir no tema que CBC aborda no quarto parágrafo desta sua crónica, para questionar aquilo que denomina como "prudente silêncio": então a CMVM não é um organismo com obrigações absolutamente definidas e rigidamente imperativas no estado de direito que somos ou pretenderemos ser?! E não será esse "prudente silêncio" uma violação clara dessas "obrigações"?!...
E já agora, assim, ao correr da pena, apetece colocar nova questão sobre tão evidente "imunidade" de que goza a CMVM: então e onde está e o que faz o organismo a quem a nossa arquitectura constitucional deverá, muito naturalmente, incumbir de fiscalizar essa presumível violação?!...
E deixo a questão final: Pinto da Costa infundirá assim tão "tremendo respeitinho", a tanta e tão qualificada gente?!...
Ou não será só o Godinho a suar dos ouvidos?!...
Leoninamente,
Até à próxima
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