Record - O Sporting foi campeão com 11 jogadores da formação, parte deles já enquadrados pelo Modelo Centrado no Jogador, premiado pela ECA. No caso concreto de Matheus Nunes, que tipo de trabalho fizeram com ele?
Tomaz Morais - O Matheus Nunes integrou-se na nossa equipa de Sub23. Eu já cá estava. Foi um trabalho de integração nas exigências de um clube como o Sporting e na passagem para o alto rendimento. Já era um jogador perspectivado para poder chegar a um nível superior.
R - E como foi acompanhar o crescimento de Nuno Mendes?
TM - O nosso propósito aqui é só um: formar jogadores para a equipa A. E não o faríamos se, primeiro, não tivéssemos outras preocupações, como o jogador, a família, a escola. E isto vem a propósito do Nuno, que é um bom exemplo disso. Queremos formar boas pessoas para a vida. O jogador vem a seguir. O trabalho do Nuno Mendes e de tantos outros que têm chegado à equipa principal é um trabalho que vem de gerações. Não começou no Modelo Centrado no Jogador.
R - Considera-se que uma das forças do Barcelona é a capacidade de reter os seus principais talentos. Valia a pena fazer esse esforço no Sporting?
TM - O Sporting gostaria de manter esses jogadores. Nenhum pai gosta de ver um filho sair. Só que há um tempo. E nós temos de nos preparar para esse tempo. Quem sai e quem vê sair. É uma lógica que não podemos contrariar. Mas aquilo que eu tenho estado a ver é que o Sporting neste momento está a conseguir reter jogadores na equipa principal. Muitos ficaram este ano. Mas todos nós gostávamos muito de reter as nossas mais-valias o máximo de tempo possível.
R - Vem aí uma nova vaga da Academia. O Sporting tem qualidade garantida para o futuro?
TM - O Sporting tem muita qualidade. Agora, não chega só ter qualidade, potencial e talento. É preciso uma atitude inquebrável, implacável, inegociável. E quando a oportunidade é dada nós temos de a agarrar. Não queimamos etapas. O mais fácil quando queremos ter rendimento imediato é jogar sempre o mesmo onze e adoptar esquemas tácticos fechados. Só que isso não é formar. Portanto, não podemos ter medo de pôr um jogador um ou dois escalões etários acima, se o achamos preparado. Como disse, o Sporting tem muita qualidade e continuamos à procura dela aqui dentro. Temos uma vasta equipa a trabalhar, a tentar trazer os melhores para o Sporting, e isto tudo só é possível se houver uma conjugação total entre o futebol do Sporting. Foi isso que eu vi no jogo da Youth League com o Ajax, a família do Sporting toda junta. O presidente, o director-desportivo, o Hugo (Viana), o míster Rúben Amorim, toda a estrutura técnica da equipa A, os jogadores da equipa A, o futebol feminino, os colaboradores, os adeptos, os familiares dos jogadores, os nossos stakeholders. Aquela comunhão de atitude positiva é o que nós queremos no modelo formativo e no futebol do Sporting.
R - Disse que o Sporting continua à procura de talento. Há um sentimento especial por ir buscar jogadores ao FC Porto?
TM - Para mim, não. Também tivemos jogadores nossos que saíram para o FC Porto, nos últimos dois anos. Nós queremos que um jogador que esteja no Sporting fique no Sporting. Para mim, não há melhor clube no Mundo.
R - Na dúvida, como dizia Rúben Amorim em Março, Gonçalo Esteves e Marco Cruz preferiram o Sporting?
TM - São dois jogadores com excelente qualidade Se vieram é porque gostam do Sporting. Mas diria que algo mais pesou na decisão deles. É com certeza uma motivação extra para qualquer jovem ver jogadores que têm o primeiro ano de sénior ou são juniores a terem oportunidades no Sporting, a serem campeões, a lutarem pelo título, a jogarem uma Champions . Não é só dizer. Temos de pôr as nossas palavras em prática. É normal que eles, como outros, sintam que o Sporting neste momento os potencia para chegarem à equipa A.
R - Como funciona a ligação com Hugo Viana e Rúben Amorim?
TM - É uma relação totalmente aberta e frontal. Temos uma amizade que existe através do respeito profissional que fomos ganhando uns pelos outros. Neste momento, o nosso futebol é um só. Para isso é muito importante que haja uma comunicação diária, muito objectiva, focada e fluida. Há reuniões e há troca constante de ideias. Não podemos esquecer que estamos aqui para servir a equipa A. Todos nós. Quanto melhor servirmos a equipa A, melhor é o nosso trabalho.
R - Amorim é um treinador participativo? Envolve-se diariamente no processo formativo?
TM - Envolve. É um treinador extremamente preocupado com o que se passa na formação. É omnipresente connosco, porque temos pessoas que prestam serviço nas duas áreas, no futebol profissional e na formação. O míster Rúben tem tentado a todos os momentos recolher informação e ajudar. O que ele faz por nós é muito importante, porque as pessoas sentem que há realmente essa ligação e há aqui um só. Ele tem sido fulcral nisso. É um treinador muito especial.
R - O que sente ao ver o treinador defender o projecto, como aconteceu depois da pesada derrota com o Ajax?
TM - Uma enorme satisfação. É uma grande alegria para todos nós aqui na Academia quando vemos esse sentimento revelado de forma franca e directa. Isso para nós é um sinal de reconhecimento pelo nosso projecto comum.
R - Ao nível do recrutamento há muita troca de informação com Hugo Viana?
TM - Há, tem de haver. É uma ferramenta de trabalho diária. É o que se passa aqui dentro. As pessoas estão interligadas. Quando observamos um jogador e queremos recrutar, dois olhos não chegam. É preciso ter um conjunto de especialistas à volta, que possam dar a sua opinião, para certificarmos se esse jogador é mesmo boa aposta. É isso que o Sporting tem vindo a fazer. Não são segredos. São coisas naturais quando se trabalha bem.
R - Voltando à frase de Rúben Amorim sobre os jovens que, na dúvida, optam pelo Sporting: sente que, quando os jogadores têm de escolher entre os chamados três grandes, começam a olhar mais para o Sporting?
TM - Os últimos dados têm-me dito isso. Têm-me dito que há muito interesse dos jogadores em virem para o Sporting. São coisas que tenho de manter reservadas e confidenciais. Mas tenho sentido que há uma energia muito forte à volta do Sporting.
R - E isso para si, conjugado com o recente prémio da ECA, significa que o Sporting já recuperou o estatuto de líder da formação?
TM - Nós não trabalhamos para sermos líderes da formação. Trabalhamos para dar jogadores à equipa principal. Para ver a equipa principal ganhar campeonatos, ganhar jogos e conquistar títulos. É isso que nos move.
R - A ECA acaba de premiar o Sporting pelo projecto do Modelo Centrado no Jogador. O que distingue esta abordagem?
TM - Se o projecto formativo não for simples, não é aplicável. E esse é o primeiro pilar. Depois, as equipas só chegam a algum lado quando as pessoas que as constituem são potenciadas ao máximo. Portanto é um modelo que, dentro dessa simplicidade, conjuga diferentes áreas multidisciplinares, numa visão holística, alargada, do futebol moderno.
R - Qual é a componente mais científica do MCJ?
TM - Há uma ferramenta que nós denominamos Plano de Desenvolvimento Individual e que contém toda a arquitectura para um jogador. Qualquer jogador que está no Sporting tem um plano, incluindo na formação. É esse registo que nos vai permitir avaliar, preparar, periodizar, planear… É uma monitorização muito rigorosa. Todos os jogadores da formação do Sporting treinam monitorizados, neste caso com GPS.
R - A partir de que idade é que fazem esse acompanhamento?
TM - Dos 14 anos. O pior que podemos fazer com um atleta é experiências. E para fazermos bem temos de ter a base da ciência.
R - Há também um suporte tecnológico.
TM - Sim. Mas deixe-me dizer que o mais importante é o conhecimento, que muitas vezes é intuitivo. Hoje em dia vejo o desporto muito agarrado aos meios tecnológicos…
R - O que está a dizer, por outras palavras, é que os jogadores não são máquinas.
TM - Não são máquinas. Temos de ter esse cuidado. E essa é a característica principal do modelo do Sporting: é tratar os jogadores como seres humanos e não como máquinas. Quanto aos meios tecnológicos, nós fizemos um grande investimento no Gabinete de Observação e Análise (GOA). Passámos em três anos de uma para seis pessoas fixas, e mais outras que prestam serviço pontual às equipas. É um crescimento enorme e projectado.
R - O que fazem essas pessoas?
TM - São responsáveis por tirar imagens de todo o trabalho, individual e colectivo. Corrigir o jogador, o detalhe técnico ou a qualidade do movimento é para nós muito importante.
R - Além do investimento em obras, mais visível, tem existido investimento em recursos humanos?
TM - Tem. O nosso presidente disse desde o primeiro minuto que os recursos humanos seriam uma peça essencial do futuro do Sporting. Nós damos muita importância à educação, ao respeito, à tolerância, à paciência. Queremos pessoas positivas, construtivas, que olham ao lado bom das coisas, às soluções e não aos problemas.
R - Existe um código de conduta formal na Academia? O que é imprescindível no comportamento de um jogador?
TM - Falar a verdade. Os treinadores são fundamentais. Têm de educar, formar e treinar, por esta ordem. Existe um Manual de Acolhimento e Boas Práticas, porque sem regras não há nada. Ninguém chega ao sucesso máximo se não for um bom cumpridor de regras. E não podemos fugir à verdade. Falar a verdade é mais importante do que marcar um golo num determinado jogo.
R - A saída de Nuno Mendes confirma que o Sporting, sendo um clube formador, precisa de continuar a ser um clube vendedor?
TM - O Sporting precisa. E não é de agora. Independentemente dos bons resultados que as equipas portuguesas consigam até na Liga dos Campeões, e têm conseguido ao longo da história, nós sabemos que Portugal enquanto indústria futebolística precisa de vender. Portanto, é uma verdade. Sem dúvida nenhuma. E quando digo vender, no fundo, é levar os jogadores a outros campeonatos. Se são mais competitivos ou não, isso já não é um patamar para mim. Eu sou um homem de formação, neste momento. O mais importante é que nós saibamos preparar esses jogadores para, depois de passarem pela nossa equipa principal, chegarem a um outro contexto qualquer e possam adaptar-se no momento, jogando a um nível igual ou superior ao do Sporting. Ou seja, estar logo pronto a responder. A nossa preocupação é essa.
R - Os jogadores que saem da formação já estão mais preparados para lidar com adversidades como a derrota frente ao Ajax?
TM – A Liga dos Campeões tem uma exigência muito própria. Não há nível mais alto. Acredito que vai ser cada vez mais fácil para esses jovens, porque para a maioria foi o primeiro jogo. É o desporto. É a competição. Não podemos tirar, nem prever. Há algo que só se ganha na altura.
R - É preciso passar pela experiência.
TM - Tem de se passar pela experiência. Nós para conseguirmos as coisas vamos ter de falhar, de perder, de repetir, e se calhar vamos ter de falhar outra vez para um dia mais tarde concretizar. Disso não tenho dúvidas. Tem de haver essa persistência.
R - O Sporting já foi considerado uma escola de extremos. Mais recentemente saíram da Academia muitos médios de qualidade. Nota uma tendência hoje?
TM - Não podemos esquecer o Sr. Aurélio Pereira e toda a equipa que trabalhou à volta dele. São pessoas que deixaram um legado fantástico no Sporting. Fantástico! É muito maior do que nós pensamos quando estamos lá fora. Esse legado passa muito por um futebol criativo, irreverente, onde os extremos chegam longe. Mas temos vindo a formar jogadores em todas as posições. Queremos uma escola que abranja tudo e não ser especialistas numa posição.
R - Deixando Ronaldo de parte, historicamente Portugal tem tido dificuldade em descobrir avançados... O Sporting identifica esta lacuna?
TM - Essa lacuna não é só do Sporting. E temos no nosso futebol treinadores de alta qualidade. Portugal, como costumo dizer, é um servidor de treinadores.
R - Ou seja, se não há avançados não será por culpa da falta de qualidade no treino…
TM - Não é por falta de conhecimento ou de qualidade. Tem a ver com características, oportunidades… Acredito que o Sporting pode em breve dar bons avançados e, aliás, já os tem. O Tiago Tomás é a prova disso. Tem características muito especiais.
R - Falando, agora sim, em Cristiano Ronaldo, que actualmente dá nome à Academia. Ele é utilizado como exemplo dentro do Modelo Centrado no Jogador?
TM - É. Porquê? Porque um jovem quando olha para um adulto está a espelhar-se nele. A pedagogia já o estudou. O que nós quisemos reforçar no Sporting foi a cultura do exemplo. E o Ronaldo é o nosso expoente máximo, porque é claramente a excelência.
R - Vê outros ‘Ronaldos’ a despontar na Academia?
TM - Não. Ronaldo só vai haver um. Eusébio, Pelé, Maradona, Messi... Só há um. Procurar sistematicamente novos Ronaldos é estarmos a fazer um trabalho falso que não vai levar a lado nenhum. Temos é de ter cada vez mais jogadores capazes de competir como o Ronaldo compete.
R - A questão colocava-se do lado da competitividade que refere… Nesse ponto de vista, vê esses ‘Ronaldos’ a aparecer?
TM - Por aí, sim, vejo. O trabalho, o esforço, o sacrifício e a paixão são as bases que nós queremos aqui. E o Ronaldo tem isso tudo. Por isso é que nós o utilizamos muito como nossa imagem.
R - "Se não se conseguir trazer um jogador entre os 7 e os 10 anos, já não se traz." A frase é de Aurélio Pereira. Concorda?
TM - Se é dito pelo Sr. Aurélio, para nós é Lei (risos)! Ele é o nosso grande professor. Revejo-me nessa ideia. É uma das estratégias fundamentais para qualquer clube formador, como o Sporting. Se pudermos trazer um jovem com talento no estágio principal do seu desenvolvimento motor, cognitivo e afectivo, é mais fácil mostrar-lhe o caminho até à equipa A, porque ele começa a perceber, a conhecer, a sentir, a viver e a apaixonar-se pelo clube. E nós temos o controlo do processo de crescimento.
R - Aurélio Pereira continua a ser uma voz importante na formação do Sporting?
TM - Sem dúvida! Ainda na terça-feira almoçámos. É um conselheiro. É um amigo do Sporting, será sempre. Esta Academia acaba por ser o reflexo disso mesmo. A liderança do Sr. Aurélio está presente. E um líder, quando é líder, não tem de estar presente para liderar.
R - Um dos problemas do Sporting antes de entrar esta direcção foi a degradação da sua rede de olheiros. Está restaurada?
TM - Está. Reformulámos a avaliação do talento e a estratégia de recrutamento. Temos um novo coordenador, que é o Paulo Noga. A responsabilidade do lugar nesta área do Sporting é se calhar das maiores do Mundo. Temos de olhar para aquilo que vai ser o futebol daqui a 10 anos. Confiamos muito no Paulo, que tem vindo a fazer esse desenho connosco. Temos outros projectos em desenvolvimento. Estamos a olhar com muita, mas muita profundidade e seriedade para o recrutamento futuro. Porque nada acontece sem recrutarmos os melhores. Seja para estar dentro ou fora do campo.
R - A Academia está a ser alvo de um conjunto de obras. Qual é o ponto de situação?
TM - Eu como director do futebol de formação ponho muita pressão no meu colega Paulo Gomes que é o director-geral (risos) para termos as melhores condições possíveis. Ele tem sido inexcedível e eu vejo a transformação global da Academia. Não precisamos de ter as instalações mais luxuosas, porque não é com luxo nem com muita comodidade que se formam campeões, na nossa mentalidade. Se tivéssemos outros meios financeiros muito mais haveria para fazer, e muitas ideias estão ainda na gaveta. Agora, aquilo que o Sporting e o sr. presidente estão a fazer é já motivo de grande orgulho e agradecimento.
R - A formação do Sporting sobreviveu à pandemia?
TM - Completamente. Repare, e eu vou dizê-lo de uma forma muito directa: nós saímos mais fortes da pandemia. Usámos o tempo a nosso favor em vez de esperar que ele passasse. Pudemos clarificar o nosso modelo. Ao fim de 10 dias já tínhamos um manual de como trabalhar no Covid. Os nossos jogadores, quando voltaram, eram ainda melhores. Não estávamos à espera que eles regressassem tão bem, surpreendeu-nos. Não nos podemos queixar da pandemia. Nem acredito que nenhuma geração fique afectada.
R - O Dário Essugo, nessa fase, esteve muito tempo sem competir. A chamada dele à equipa principal foi coordenada com Rúben Amorim?
TM - Foi. Passámos a informação através do nosso director-técnico, o prof. João Couto. O Dário teve azar porque, no intervalo da paragem das competições, lesionou-se. É um rapaz realmente especial e o míster Rúben viu isso.
R - Nestes últimos meses foi muito discutido se faria sentido ter equipa B e equipa sub-23 em simultâneo. Essa reflexão foi feita no Sporting?
TM - Participei nessa discussão. Entendemos que para a nossa formação ser completa a equipa B era uma necessidade urgente. Ela acaba por estar já num segmento profissional, mas de mãos dadas com a formação e sendo um meio para chegar à equipa A. A nossa pirâmide de desenvolvimento do jogador está completa. Há espaço para todos.
R - A redução da Liga para 16 clubes é essencial para o futebol português ser mais competitivo na Europa?
TM - Acreditamos que sim. Com menos jogos e equipas mais competitivas, seria o futebol a ganhar como um todo e não um ou outro clube. Modelos desse género também defendem a longevidade da carreira do jogador.
. Vítor Almeida Gonçalves
"O Futebol do Sporting é um só"!...
Leoninamente,
Até à próxima
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