No dia 16 de Dezembro de 1990, cinco homens combinaram um jantar secreto numa torre de escritórios de Londres: ninguém, para além deles próprios, sabia daquele encontro.
Não eram uns homens quaisquer, eram os presidentes dos cinco maiores clubes de Inglaterra: Manchester United, Liverpool, Arsenal, Everton e Tottenham.
O futebol inglês arrastava-se, por esses dias, na parte cinzenta da vida.
A tragédia de Hillsborough que matou noventa pessoas acontecera há um ano, o hooliganismo enchia o futebol de violência e os melhores jogadores fugiam do país: nomes como Lineker, Gascoigne, Paul Ince, David Platt ou Glenn Hoddle.
A liga inglesa chamava-se Football League, era composta por 92 clubes e andava há dez anos num clima de guerra permanente com a Federação Inglesa.
Por isso aqueles homens reuniram-se naquele dia com uma ideia clara: lançar as bases do que viria a ser a melhor liga do mundo. Uma liga exclusiva, elitista, rica e espetacular, formada apenas pelos dezoito clubes da primeira divisão.
Chamaram-lhe Premier League.
Queriam estádios mais modernos, queriam um ambiente mais saudável nas bancadas, queriam os melhores jogadores, queriam enfim um melhor futebol e, sobretudo, um espectáculo melhor: um espectáculo distinto.
Para tornar este sonho possível, tinham um plano. Chamava-se direitos de transmissão televisiva.
Por isso naquele dia 16 de Dezembro de 1990 não estavam sozinhos no jantar, convidaram um director sénior da ITV a quem fizeram uma pergunta: estarias na disposição de comprar os direitos de transmissão de uma liga destas?
A resposta foi positiva e dois anos depois arrancou a Premier League.
Claro que o caminho não foi simples, nunca é fácil fazer a mudança: a Football League, por exemplo, opôs-se obviamente à ideia, disse que era ilegal, ameaçou ir para os tribunais. Vários clubes começaram também por dizer não e, admitiriam mais tarde, só a proposta da ITV os faria perceber que valia a pena mudar.
O certo é que à boleia da centralização, e de uma distribuição mais justa, dos direitos televisivos, a Premier League arrancou mesmo em 1992. A partir daí, ano após ano, temporada depois de temporada, foi crescendo, foi valorizando, foi enriquecendo.
Por estes dias conseguiu renegociar os direitos para três temporadas por sete mil milhões de euros e distribui a um clube que desce de divisão 90 milhões de euros por ano.
Hoje, acho que é pacífico dizê-lo, é a liga mais rica, mais bela e mais sedutora do mundo.
Ora vem esta conversa a propósito da venda dos direitos de transmissão dos jogos do Benfica por 40 milhões de euros, ao longo de dez anos: 400 milhões no total.
É sem dúvida um acordo histórico e notável. Bateu recordes, e isso diz tudo.
Não é, no entanto, um bom acordo. Desculpem-me mas não é. O que este acordo significa é que o Benfica vai ter mais dinheiro do que tem hoje, vai ter anualmente mais doze milhões de euros - de acordo com o relatório e contas -, mas significa também que vai continuar a jogar numa liga pobre, monótona e infeliz.
Uma liga de enormes assimetrias, cheia de adversários defensivos e espectáculos aborrecidos. Com estádios modestos, jogadores medíocres e bancadas vazias.
O Benfica vai enfim continuar a fazer parte de um produto pobre: o futebol português.
A ideia já foi referida várias vezes, mas vale a pena repeti-la as vezes que forem necessárias: a centralização dos direitos televisivos permite uma melhor distribuição do dinheiro, permite fazer crescer os clubes mais pequenos e no fim fazer crescer a liga.
Os clubes teriam mais recursos financeiros, até porque o todo é mais do que a soma das partes, mas sobretudo os clubes pequenos teriam mais recursos. Com isso poderiam construir equipas melhores, jogar um futebol melhor e ter mais público nos estádios.
O futebol português seria melhor enquanto produto, os direitos televisivos valeriam mais e todos os clubes ficariam a ganhar: os grandes continuariam a ser muito maiores do que os outros e os pequenos seriam menos pequenos do que são agora.
Não seria uma mudança fácil, claro que não, se não o foi em Inglaterra não o seria num país que respondeu não aos dois referendos vinculativos. Mas o que o Benfica fez foi garantir que provavelmente nos próximos dez anos não é possível fazer esse caminho: não tinha sentido tentar fazê-lo sem o maior clube português.
O Benfica assinou um acordo em que admite ter um produto que vale menos de metade do que vale o Burnley na II Liga inglesa: exatamente 40 contra 92 milhões de euros.
Não se quer com isto comparar o valor do mercado inglês com o do mercado português: isso era um absurdo. Quer-se, isso sim, dizer que o modelo inglês é um exemplo, e que os clubes portugueses não poderão dar um salto verdadeiramente impressionante enquanto o próprio campeonato não o der.
Por isso vale a pena voltar ao início para dizer que pode parecer que foi noutra vida, mas não: foi apenas há vinte anos que a liga inglesa caminhava no lado cinzento da vida.
Que é onde desconfio que vai andar a liga portuguesa nos próximos dez anos.
(Sérgio Pereira, Box-to-box, in MF)
Esta crónica de Sérgio Pereira oferece-nos um poderoso binóculo que nos permite concluir quão tacanho e mesquinho é este "futebol dos pequeninos" que vamos tendo em Portugal.
Ele desconfia que a liga portuguesa vai andar "no lado cinzento da vida" nos próximos 10 anos!...
Eu presumo que a previsão pecará por defeito!...
Leoninamente,
Até à próxima
Em todas estas análises ao acordo SLB/NOS repete-se ad nauseam o argumento comparativo com a liga inglesa e, por vezes, com a liga espanhola. Ignorar as dimensões de mercado (interno e externo) é simplesmente demagógico e inquina qualquer discussão.
ResponderEliminarNão haverá nenhum exemplo efectivamente comparável? Holanda, será?
O acordo é mau para a competitividade do futebol português porque alarga o fosso entre o(s) de cima e os de baixo. A centralização reduziria a assimetria, ma será mesmo que traria ao futebol português injecção de somas avultadas de dinheiro ou seria pouco mais que uma redistribuição dos recursos que ele actualmente consegue captar?
Cumprimentos,
Nuno
Penso que o pensamento expresso por Nuno Miguel Lima no seu comentário, peca por estar notoriamente viciado à partida: quando não se pretende ir a um lugar, de pouco vale simularmos pretender ir para lá...
EliminarVamos deixar dessa conversinha de centralização de direitos e maior competitividade... Estamos em Portugal! Esses dois factores não importam para nada! Pelo menos para drapiões... O que interessa é que os clubezinhos vermelho e azul ganhem. que é que lhes importará a maior ou menor competividade! Se o docente universitário, Pedro Adão e Silva, assim pensa: o que esperar da grande nação benfas?! E os sportinguistas que deixem essa dor de cotovelo! Que pensemos em fazer o nosso caminho, sabendo à partida que o benfas tem tudo a seu favor. Os sportinguistas ainda não perceberam que a "enorme" nação benfas não gosta de futebol! O futebol apenas é um meio para fazer valer a sua megalomania patológica... Como é o futebol, bem poderia ser outro meio... Aqui a forma estética tem pouca relevância. Essa gente tem um traço de carácter e personalidade que terá que se manifestar por meio de qualquer expressão artística. Mas o fim é sempre o mesmo: achincalhar, gozar com os outros, a fim de se sentirem superiores.
ResponderEliminarConcordo inteiramente, estimado amigo Helder Mestre! Cada vez duvido mais de que a razão esteja do lado das maiorias...
EliminarOs benfas reagem como se dispusessem de uma maioria absoluta, não querendo ver que é, apenas, uma maioria relativa.
ResponderEliminarTalvez vão (a Sportv vai) a correr comprar as transmissões "dos pequenos", mas com Sporting, Porto e restantes clubes há uma clara maioria -unidos, deixam o benfas isolado nos seus (futuros) 16 jogos em casa, mais os que conseguir nas taças, a de Portugal e a da carica e deixam-nos à mercê de um Tribunal decidir que, quem joga em casa, tem direito a receber direitos de imagem de terceiros.
(note-se que esta dos direitos é, no fundo, o princípio que os benfas já defenderam, pois queriam receber direitos pelos jogos que faziam como visitante)
A Liga, se quiser ir a algum lado, tem que se mexer e depressa ou, dito de outro modo, se a Altice quiser uma fatia significativa, centralizadora, pois que avance já com pré-contratos, a iniciar à medida que os actuais forem vencendo.
Evidentemente que a razão não está do lado das maiorias! A democracia apenas é o melhor dos piores métodos de regime que o homem encontrou até hoje> ou não! Antes da criação da democracia, na Grécia Antiga, quem mandava eram as aristocracias e as oligarquias. Ainda assim, penso que a democracia é melhor que serem os notáveis e os ricos a terem os direitos electivos> voto censitário.
ResponderEliminarPois...
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