Ser seleccionador de futebol é um dos cargos mais volúveis e movediços do nosso mercado de trabalho. Por norma, o armistício à sua volta dura apenas até à primeira convocatória ou, nos casos mais benignos, até ao primeiro onze titular. Mas casos há em que a contestação surge logo após a contratação. Não há seleccionador que escape a esta lógica kafkiana, sendo que a acusação mais comezinha que invariavelmente sempre acaba por lhe ser feita é a de estar ao serviço deste ou daquele interesse instalado, seja ele um agente de jogadores ou um clube predador.
Roberto Martínez também não se livra deste libelo. E de outros, como o de ser adulador dos craques com maior estatuto. Paradoxalmente, é muito possível que tenha de agradecer aos normalmente suplentes (ou nem isso) Trincão, Diogo Jota e Gonçalo Ramos o armistício transitório e periclitante que passou a vigorar desde que Portugal se qualificou para a final four da Liga das Nações, após vergar a Dinamarca no prolongamento. Tivesse a selecção falhado esse objectivo, como esteve quase a acontecer, e não faltaria quem exigisse a sua imediata demissão. E não é bizarro pensar que o neófito presidente da FPF pudesse aproveitar o contexto para afirmar a sua suposta vontade de cortar com a pesada herança recebida e para afirmar a sua liderança.
Não tenho nenhum juízo definitivo sobre a possível mudança de seleccionador. Desde logo por não secundar minimamente os que qualificam Martínez como um técnico desqualificado. Muito menos acredito que ele seja manipulável pelos tais poderes supostamente cabalísticos. Nisso, é apenas mais uma vítima dos mexericos e da maledicência, principalmente de quem tem ‘parti pris’. E nem sequer estou certo de que Pedro Proença tivesse melhores soluções na manga – olhando para algumas escolhas da sua equipa federativa, quase arrisco dizer que isso seria altamente improvável.
A minha incerteza sobre o futuro de Martínez é de outra monta. Bem mais substantiva do que a estrita escolha deste ou daquele jogador. E bem menos mutável em função apenas deste ou daquele resultado, desta ou daquela qualificação. Ao fim de dois anos e dois meses da liderança técnica de Martínez, mais do que a avaliação puramente resultadista, o que mais me aflige é perceber que Portugal continua sem a qualidade de jogo consentânea com o raro conjunto de jogadores de élite que tem à sua disposição. O que me faz descrer é o facto de Portugal continuar, na maioria dos 27 jogos sob a orientação de Martínez, demasiado dependente das individualidades e incapaz de ligar o jogo e de o controlar com a bola.
Eu sei que as deficiências no ataque posicional já existiam mesmo quando Fernando Santos nos arrebatou com a conquista do título europeu. São uma fraqueza antiga, tirando uma ou outra excepção, a mais continuada talvez quando Portugal venceu a primeira edição da Liga das Nações, em 2019. E não seria intelectualmente honesto se não reconhecesse a falta de tempo para treinar com que se debatem os seleccionadores. Mas também sei que a Dinamarca tem bem menos jogadores diferenciadores e um seleccionador (Brian Riemer) recém contratado, tendo-se debatido igualmente com o interregno de jogos que vigorou desde Novembro. Mas isso não a impediu de ser uma equipa dominante em Copenhaga, onde apresentou uma dinâmica claramente superior a Portugal. E, mesmo em Alvalade, durante os 90 minutos (no prolongamento já foi diferente), foi capaz de reagir e de tomar conta do jogo sempre que ficou em situação de desvantagem na eliminatória. É sobre isto (e sobre outros detalhes que analisamos em separado) que Martínez precisa reflectir, sob pena de ser imolado pelos mais preconceituosos que sempre supuseram que de Espanha “nem bons ventos nem bons casamentos”…
FERNANDO SANTOS
A prestação dantesca na Dinamarca obrigou Martínez a assumir a “pior exibição” da sua regência. Mas resumir os problemas à falta de intensidade e à perda de duelos soou a desculpa estafada para disfarçar a falta de jogo. Em Alvalade, à boleia da vitória, o seleccionador recuperou a sua habitual queda para as realidades alternativas (“desempenho muito bom”, “com brilho e qualidade”). Pior do que isso, deixou cair a máscara prazerosa quando um jornalista fez as perguntas que se impunham, como se ao seleccionador coubesse o direito régio de definir o estado de espírito dos adeptos. Sentindo-se acossado, esgrimiu as duas únicas derrotas em 27 jogos. Alguém precisa dizer-lhe que o segundo desaire de Fernando Santos só aconteceu ao 32º jogo. E que nem a maior conquista do futebol português o colocou acima da crítica.
Acabar com a bagunça
Após Diogo Costa ter evitado o naufrágio na Dinamarca, houve noite de taquicardia em Alvalade. Tudo acabou em festança, mas isso não apaga os 80 minutos iniciais de futebol angustiante e de desacerto, em que se repetiram apostas e imperfeições que já tinham deixado interrogações em Copenhaga. Os dois jogos deram indicações seguras do que Martínez precisa fazer para tornar Portugal mais competitivo e menos dado à bagunça. Quatro exemplos, entre vários possíveis:
1Se o seleccionador insistir em imitar fórmulas guardiolistas, como é pedir aos laterais para construírem por dentro, terá de escolher melhor os protagonistas. Porque pedir a Dalot (que é um excelente jogador) essa missão tem a mesma utilidade que um rebobinador de DVD em desuso.
2Se a qualidade geral dos nossos jogadores devia impor um futebol associativo e dominador, mais difícil é compreender que Gonçalo Inácio tenha começado o jogo a suplente na Dinamarca.
3As más decisões de Rafael Leão no primeiro jogo não deviam ter sido recompensadas com a titularidade em Alvalade. Até porque a entrada (tardia) de Diogo Jota (com as suas diagonais de fora para dentro) permite que Nuno Mendes solte a sua profundidade inebriante.
4Martínez gaba-se de já ter usado 42 jogadores, mas o problema é que usa demasiadas vezes aqueles que parece venerar. Trincão (dois golaços salvadores), Diogo Jota (uma assistência) e Gonçalo Ramos (9 golos em 15 jogos por Portugal) deviam ter outro estatuto, tal como João Félix. E se a Liga das Nações ainda não serviu para estrear Quenda alguma coisa vai mal no reino de Martínez»
Mal empregado tempo que gastamos todos, jornalistas incluídos(!), a falar deste "bob(o)"!...
Haverá por cá dezenas melhores!...
Leoninamente,
Até à próxima
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