A tragicomédia da máscara
«Espera-se de uma janela que permita a entrada de luz, que cumpra o propósito de permitir a circulação do ar e, deste modo, assegure uma ligação com o exterior. No entanto, na poesia e nas janelas de mercado, esta abertura ascende à condição de metáfora para a possibilidade de fuga e ascensão ao sonho. O Verão de 2025 e Viktor Gyökeres brindaram-nos com uma história que extravasa a dimensão de novela e encontra colo na boa tradição da tragédia grega.
Quando chegou, proveniente da 2.ª divisão inglesa, com os seus maduros 25 anos, nome de serralheiro e andar de estivador nórdico, muitos duvidaram da sua qualidade e quase todos torceram o nariz aos avultados montantes que faziam dele a mais cara transferência até então realizada pelo Sporting Clube de Portugal.
Sereno e contido, entrou em campo com a naturalidade de quem sabe que toda a rede treme perante a máscara. Vencido o prólogo da desconfiança, Gyökeres já não era mais caro do que a dúvida e revelou-se o avançado mais impactante que o futebol português testemunhou nos últimos 20 anos.
Golo após golo, arrancada após arrancada, silenciaram-se os críticos e sobrou o coro dos corações palpitantes dos adeptos leoninos e o bater de dentes de quem o teve por adversário. Qualquer espaço era pecado e ignorá-lo era heresia e, mesmo quando apertado, o golo lá aparecia.
Enquanto o povo aplaudia, passou de incógnito a ídolo. Seguiu-se a emoção da glória de campeão e o primeiro acto selou-se com a promessa de que, ao lado de Amorim, conquistaria a Europa – e que, por isso, por cá continuaria.
Assim foi. Bicampeonato com dobradinha, com o bónus de o ter logrado após a inesperada e invernal fuga de Amorim para o diabo.
Porém, todo o herói moderno sabe que a glória tem prazo e que os contratos não esperam. O segundo Verão chegou com a temperatura esperada: especulação em alta, cláusula a derreter, jornalistas em combustão e os adversários sedentos de lhe verem as costas.
O que ninguém esperava era a greve orquestrada que, apesar de não apagar tudo o que de bom vivemos em conjunto, deixou um trago amargo no que até então havia sido um longo e saboroso beijo.
O Sporting resistiu como pôde, na defesa do princípio de que ninguém – nem mesmo um semideus da bola – se pode colocar acima do clube.
A firmeza garantiu a sexta maior transferência de sempre, de um jogador com mais de 27 anos e, simultaneamente, transmitiu a todo o balneário a certeza de que a chantagem não traz vantagem.
Mas o êxodo é sempre a nota final e, assim, Gyökeres parte titulado, com a nossa gratidão e reconhecimento, mas sem o som de violinos que a sua despedida, em condições normais, mereceria.
Partiu e, pelo que cumpriu, vai sem necessidade de se explicar. Fica o legado dos números de um avançado que se deu por inteiro a um clube que nele acreditou ilimitadamente.
Um dia, quando alguém perguntar quem foi aquele sueco de nome difícil e números astronómicos, a resposta será imediata: “Vi jogar. Chamava-se Gyökeres. Foi nosso. Chegou, viu, venceu e partiu.”
Nenhum homem está acima de uma instituição – e nem mesmo este portento é dessa regra excepção.»
"Chegou, viu, venceu e partiu"!!!...
Leoninamente,
Até à próxima