«Em entrevista conduzida pelo jornalista Flávio Miguel Silva e hoje publicada pelo jornal Record, a eurodeputada Ana Gomes defende o contributo inegável do ‘hacker’ para a sociedade por ajudar a "recuperar milhões de euros", mas refere que agora os "holofotes mundiais" ficaram de olho na Justiça portuguesa.
Eurodeputada defende o contributo inegável do ‘hacker’ para a sociedade
RECORD: Disse recentemente que havia uma preocupação em prender Rui Pinto que não era comparável à demonstrada com Ricardo Salgado. Considera assim que em Portugal o futebol é usado para desviar as atenções do que é realmente importante no país?
ANA GOMES – Sim, considero mesmo que o futebol é o ópio do povo. Isto não se passa apenas no nosso país, como o Football Leaks revelou. É um mal global. Isto tem de ser mudado. Nesse sentido, denunciantes como o Rui Pinto fazem um trabalho extraordinariamente importante para a defesa do interesse público, para o combate à criminalidade organizada. É a toque de caixa da Doyen, um esquisitíssimo fundo sediado em Malta, que é um paraíso fiscal e que se sabe que tem por detrás uma organização mafiosa cazaque dos irmãos Arif envolvida em todo o tipo de negócios escuros, que a Justiça portuguesa actua? A mesma Justiça que não actua para ajudar a recuperar milhões como fazem por exemplo as autoridades espanholas do Fisco? E que não actua relativamente a criminosos de alto coturno, como é o caso de Ricardo Salgado?
R: Faz falta um Football Leaks vocacionado para a banca portuguesa, por exemplo?
AG – O Lux Leaks é sobretudo o que se está a passar em Portugal. Há milhões de megabytes que estão aí para serem analisados pelas autoridades portuguesas. Espero que estas cooptem o Rui Pinto para seu aliado para ajudar com todo esse material que ele tem ou dispõe e accionar os procedimentos judiciais contra todos aqueles que se impõem, venham do foro desportivo, dos negócios ou do político, mas se veja que tem responsabilidades práticas corruptas e criminais.
R: Se ficar provado que Rui Pinto agiu em proveito próprio, deixará de o encarar como denunciante?
AG – Sei que há alegações sobre uma tentativa de extorsão que não foi bem-sucedida. São alegações que o tribunal terá de apreciar. Não poderá também apreciar sem ter em conta o extraordinário interesse público que ele teve entretanto como denunciante.
R: O Benfica já reiterou que Rui Pinto não se insere sequer na conceção de ‘whistleblower’ por não integrar uma empresa.
AG – Não sei o que Rui Pinto tem sobre o Benfica. Sei que ele negou que os elementos que estiveram na génese das queixas contra ele tivessem alguma coisa a ver com o Benfica. O que digo sobre o Benfica resulta do que leio e do que sei. No Parlamento Europeu, foram criadas quatro comissões de inquérito desde que rebentou o escândalo Lux Leaks. Já fizemos várias sessões precisamente dedicadas ao Football Leaks. Não tivemos a mais pequena dúvida que quem está na origem da vinda de jornalistas de investigação ao Parlamento Europeu (PE) são denunciantes. Sabemos que Rui Pinto é um deles, o John. No PE acabámos de negociar com a Comissão Europeia e o Conselho Europeu uma directiva para proteger denunciantes que resulta deste combate que temos feito. Fizemos imensa pressão política para a conseguirmos. Esta directiva aplica-se sobretudo às pessoas que estão dentro das organizações e têm a coragem de as expôr e expôr aquilo que vêem que está errado e ilícito, não sendo penalizadas por esse trabalho de serviço público. Ela vai mais além disso: protege todos aqueles que de alguma maneira cooperam com os denunciantes. Não sei se Rui Pinto teve acesso aos elementos através das suas capacidades informáticas e se os sistemas informáticos com que se deparou eram vulneráveis; se foi alguma fonte que obteve esse acesso e depois lhe passou os documentos, etc. Se hoje tivesse por parte de alguém um acervo de documentação que considerasse extremamente útil de ser revelado às autoridades ou de ser exposto na praça pública por não confiar nas autoridades, assumiria o papel de denunciante, embora a minha fonte pudesse ser outra pessoa que, a ser identificada, seria também um denunciante, independentemente de eventuais aspectos delituosos.
R: Teme que a presença de Rui Pinto em Portugal coloque em causa a sua segurança?
AG – Ele teme e foi por isso que pediu para não ser extraditado, teme pela própria vida. Sabendo o nível irracional que as paixões clubísticas desencadeiam no nosso país, ainda esta semana vi uma senhora que foi agredida num pavilhão, sabendo que há uma ligação a grupos de crime organizado associados às claques, é evidente que compreendemos que Rui Pinto tem razões para temer pela sua vida. As autoridades portuguesas têm uma tremenda obrigação de garantir a segurança de Rui Pinto, ficando sob custódia, qualquer que seja o seu estatuto, ou não ficando. Terá de haver uma decisão de um juiz a pronunciar-se sobre o estatuto com que fica.
R: Considera que o caso E-Toupeira, que pode ter tido a génese no acervo de Rui Pinto, tem algum paralelismo com o que foi o Apito Dourado?
AG – É mais um. Quando vim para a vida política, escrevi no blogue que tinha acabado de iniciar a segunda peça que se chamava ‘Major Escarapuça’. Fi-lo porque tinha havido reacções de vários clubes, designadamente o de Valentim Loureiro, relativamente a um comentário que tinha feito sobre os gabirus do futebol que se gabavam de não pagar impostos. Estamos a falar de 2003. Isso provocou um grande incómodo desses dirigentes, até do próprio Pinto da Costa. Mais tarde, através de umas escutas publicadas, percebi que tinha sido objecto de trocas de impressões entre dirigentes e alguns dirigentes do meu próprio partido [Socialista] que me queriam ver pelas costas. Já tinha a intuição que eu vinha disposta para dizer a verdade sobre a criminalidade e corrupção onde quer que ela esteja. É isso que ando aqui a fazer e tenciono fazer até ter voz. O que eu percebo do Apito Dourado e o que li sobre ele é que acabou por dar em muito pouco, não obstante ter ficado mais claro que havia uma podridão total nos circuitos do futebol. Penso que agora o E-Toupeira vem confirmar isso. Se calhar, quantas mais coisas não houve entretanto... Houve uma grande apatia das autoridades judiciais e policiais em relação a uma investigação aprofundada aos negócios que estão ligados aos clubes de futebol.
R: Teme que o E-Toupeira redunde naquilo que considerou sobre o Apito Dourado, em quase nada?
AG – Não é estranho que crimes graves de uma série de pessoas, como o corruptor do funcionário judicial envolvido que tinha passwords de magistrados para ir ver processos para o dito clube, e depois a direcção do clube não ser acusada, estando ela ao corrente? Há aqui qualquer coisa de muito alarmante dos níveis de intimidação que explicam que certos sectores dentro do sistema policial e judicial não actuem como era suposto exigir-se que actuassem. O E-Toupeira parece indiciar isso. Vamos ver o que se vai passar à volta de Rui Pinto. Há muita gente séria no sistema judicial e policial, mas há muitos outros que se deixam corromper e fazem gala de ter sinecuras associadas ao futebol que comprometem a sua independência. É perceptível que a percepção que o comum dos cidadãos tem neste momento é que nem no sistema judicial e policial pode confiar. É por isso que espero que este caso do Rui Pinto seja dado a magistrados e polícias acima de toda a suspeita, porque é também a Justiça portuguesa que vai ser julgada. Os holofotes mundiais estão com os olhos sobre nós. Quantos colegas no Parlamento Europeu não me chamaram a atenção para o caso e mostraram que estão a seguir o que se passa aqui...
Ana Gomes: «Que Mourinho e Ronaldo não entrem nesses esquemas»
Eurodeputada aborda revelações do Football Leaks
R: Já disse que "Cristiano Ronaldo e Mourinho sonegam vários milhões de euros em impostos". Face a isso, não os vê como grandes figuras do desporto nacional?
AG – Tanto quanto sei, e não sou especialista em futebol, quer Mourinho, quer Ronaldo têm uma reputação extraordinária como peritos nas suas áreas. Agora, não é à conta disso que eu posso abstrair do outro lado de cidadania que as revelações do Football Leaks trouxeram sobre eles, concretamente esquemas de desvios de milhões ao Fisco espanhol. Espero que Ronaldo e Mourinho nunca mais entrem nesse tipo de esquemas e percebam que a quem confiaram a organização da sua contabilidade não era qualificado e idóneo para o fazer. Espero que, tal como em Espanha, as autoridades portuguesas também actuem.
Ana Gomes: «Há um passado de delinquência ligado a Luís Filipe Vieira»
Eurodeputada fala do presidente do Benfica
R: Considera ser bastante provável que Rui Pinto seja o autor do furto de correspondência privada ao Benfica?
AG – Não sei. Não conheço sequer o Rui Pinto. Nunca tive acesso aos arquivos dele, a não ser aqueles que já foram publicados no âmbito do quadro Lux Leaks. É uma questão que quem tiver de analisar as acusações que são feitas contra ele vai ter de valorar, designadamente face ao extraordinário interesse público do que o Rui Pinto já pôs cá fora e que já ajudou autoridades de outros países, que quiseram fazê-lo, a recuperar milhões. Se outras autoridades têm o maior interesse no arquivo de Rui Pinto, é muito estranho que as portuguesas não se interessem. O que sei é que numa primeira fase a queixa contra o Rui Pinto que terá feito accionar o mandado de detenção europeu era uma queixa desse fundo Doyen. Oiço dizer que além da queixa da Doyen estará também a de um clube de futebol que não é o Benfica, mas sim o Sporting, por alegado acesso ilegal aos seus arquivos. Não sei exactamente, para além do que foi publicado, a que se referem os alegados crimes que estão na origem da actuação das autoridades portuguesas contra o Rui Pinto. O que não posso deixar de saber também, apesar de não ter nenhum interesse no futebol – só vi alguma vez finais de futebol quando jogava a Selecção Nacional e por dever patriótico, designadamente quando era embaixadora de Portugal na Indonésia –, é que o Benfica é um dos grandes do futebol, o maior do nosso país em número de adeptos e um dos mais envoltos em acusações e em alegações de envolvimento em esquemas de corrupção. Não só o clube, mas também os principais responsáveis do clube. Temos o caso do E-Toupeira, que se concluiu com uma decisão judicial que levantou muitas suspeitas. São acusados alguns dirigentes do clube por crimes de devassa, entre outros, e de manipulação de agentes judiciais. Extraordinariamente, a SAD, o clube e o seu dirigente máximo não são acusados. Sabemos que o dirigente máximo do clube [Luís Filipe Vieira] está referenciado em várias listas de grandes devedores do país por vários empréstimos não pagos. Há todo um passado de delinquência ligado a essa pessoa. Há inúmeros elementos que apontam para o facto de o Benfica poder ter especial interesse em que alguém que tem um acervo considerável de documentos de vários clubes não só possa ser posto sob controlo mas inclusivamente o seu arquivo também o seja. Não ignoro que há quem diga que este súbito empenho das autoridades portuguesas tenha a ver com o assalto aos arquivos de um escritório de advogados que é intermediário em todo o tipo de negócios sujos e que não envolvem apenas os clubes mas os responsáveis políticos. Certamente não tem um grande sistema de segurança informático, mas a verdade é que isso pode ter estado na origem de preocupações de muitos outros quadrantes e não ligadas directamente ao futebol mas a outras instâncias que tenham particular interesse em silenciar Rui Pinto e destruir o seu arquivo.
R: Francisco J. Marques nunca revelou como lhe chegaram os emails, apenas que lhe chegaram e foram entregues à Polícia Judiciária. Poderá ter havido uma contrapartida financeira a Rui Pinto?
AG – Não faço a mais pequena ideia de quem seja esse senhor. As páginas dos jornais de desporto passo à frente. Nunca vi uma alegação dessas. Não conheço Rui Pinto. Não sei quem são as pessoas a quem ele eventualmente possa ter confiado a informação.
R: Que opinião tem sobre as claques em Portugal?
AG – É evidente que não concordo com claques, como não concordo com as praxes nos sistemas de ensino. Discordo de todos esses esquemas organizados que têm um pé dentro da legalidade e outro fora e que se permitem a práticas que estão no limite da legalidade. Na forma como elas são vividas aqui no nosso país, como se viu naquele ataque inacreditável às instalações do Sporting por parte da claque do próprio clube… é de uma perversão total! Só por esse incidente, deveriam ser proibidas, do meu ponto de vista.»
Não sei se a cidadã e deputada europeia Ana Gomes terá ou não razões para também temer pela sua vida! Mas sei que para uma mulher capaz de demonstrar tão suprema coragem, será o lado para onde melhor dorme...
A minha profunda homenagem!...
Leoninamente,
Até á próxima
É verdade que Rui Pinto cometeu um crime...
ResponderEliminarMas não é menos verdade que "deu a conhecer uma camião deles"...não deixa de ser criminoso...mas tem atenuantes (pelo "serviço" prestado à Sociedade...)...
Só um exemplo...:
Hipoteticamente "eu matei" uma pessoa e escondi o corpo em minha casa...um gatuno assaltou a minha casa e deparando com o corpo, depois de roubar o que lhe apeteceu, saiu e vejam lá..."o bandido" foi à policia e disse que estava um corpo em minha casa...
A policia prendeu-o (afinal ele tinha assaltado a minha casa)...e depois "não fez nada", uma vez que "souberam" do meu crime, por alguém que "cometeu outro crime..."
E dessa maneira "eu fiquei ilibado" e o gatuno foi condenado...
Não me digam "que não se fez" justiça...?
SL
O tem mais graça é que o Rui Pinto está presos graças a queixas da Doyen e... do Sporting.
ResponderEliminarQuanto aos métodos invasivos e criminosos que esta senhora defende para, supostamente, combater o crime organizado: não, muito obrigado! Disso já papamos durante 48 obscuros anos.
Confusão sua, José Manuel, a euro-deputada não está a defender o criminoso naquilo que é, efectivamente crime: o acesso ilegítimo (corresponpondência do Sporting) e a tentativa de extorsão (Doyen).
EliminarAna Gomes, tal como autoridades fiscais em França, em Itália e agora a Suíça, está a aproveitar a denúncia de crimes públicos, que lesam o
Estado. E temos o exemplo de Espanha, one Messi, Ronaldo, etc, etc, foram obrigados a pagar - crime porque ajudaram o Estado a receber uns milhões?
Crime haveria se o Whistleblower recebesse pelo que fez!
No caso que corre em Portugal: é sabido que, no caso do Sporting, houve revelação de documentos confidenciais - parece-me que o Sporting acabará por se afastar do caso ou irá defendê-lo sem entusiasmo;
no caso da Doyen, com acusação de extorsão, a Doyen terá documentos de nunca mostrou - teremos que esperar para saber o que eles têm, realmente.
Os lampiões a quererem meter-se ali... olhe, vai saír um nado-morto, especialmente agora, com a exposição dos advogados e a demonstração clara de que, fazendo pontaria por um olho, querem acertar no que o outro vê - vesgos, portanto.
Primeiro tiro (documentado e para a posteridade), a sério, no porta-aviões... Ainda faltam 'quatro'??? Veremos o final da batalha... pois há tantas formas de a(s) calar, e não necessariamente todas... ilegítimas... e/ou ilegais...???
ResponderEliminarA subir muitos pontos na minha consideração... (Será que ainda se vai manter nas listas para o PE?)... Qual será a opinião do 'nosso' PM...? e já agora do 'nosso' gestor de 'créditos financeiros' vulgo dívida...??? E o Professor... não tem nada para dizer...??? Ele que é tão lesto a comentar 'cenas' de lana caprina...???
Os nossos políticos, os nossos juizes, os nossos polícias de investigação ligados ao MP, os nossos dirigentes federativos, são amorais, apolíticos, aclubísticos (palavra minha), isto é, são pessoas absolutamente isentas - Ana Gomes que se cuide!
ResponderEliminarNão me lembro de alguma vez ter lido uma crítica tão clara como esta a poderes instituídos.
Precisamos de mais vozes fortes como as de Ana Gomes, pois já que os nossos DDT
são incapazes de se regenerar internamente, pois que seja por pressões vindas do estrangeiro, com força para obrigar a que Portugal se torne, de facto, um Estado de Direito.
Grande mulher, de uma coragem extraordinária.
ResponderEliminarOH ze manel, contra o crime organizado tudo deve ser permitido e não venhas com a patranha dos 48 anos. Não podem ter mudado só as moscas.
O Zé Manel, apenas está a recitar a missa que lhe ensinaram aqui há uns tempos atrás, mais precisamente logo após o 25/04, altura em que "tivemos que dar uma vara de porcos, para recebermos um chouriço". Para quem dois dedos de testa, percebe-me decerto.
ResponderEliminarGrande mulher
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