O triunvirato leonino derrubou o establishment que há muito controla o futebol português e o desenlace nunca poderá ser observado como uma minudência, como se fosse trivial bater o FC Porto e o Benfica
«O Sporting foi um campeão low-cost. E não se leia no rótulo qualquer propósito pejorativo ou de menosprezo pela conquista. Pelo contrário, pois se há algo que Frederico Varandas, Hugo Viana e Rúben Amorim provaram é que, a exemplo do que a indústria aeronáutica dos EUA patenteara há três décadas, também no futebol é possível atingir o sucesso com ‘baixo custo’. O triunvirato leonino derrubou o establishment que há muito controla o futebol português e o desenlace nunca poderá ser observado como uma minudência, como se fosse trivial bater um FC Porto e um Benfica que partiram com máquinas supostamente mais oleadas, com orçamentos mais gordos e com o dobro ou o triplo de gastos em reforços mediáticos.
Os elogios ao Sporting são agora generalizados, mas parte deles são rebuscados e surgem de quem, ainda há pouco, parodiava os leões e censurava vigorosamente os seus líderes. Eu próprio, é minha obrigação recordá-lo, considerei o Sporting menos candidato que os dois rivais e cheguei a aduzir que o plantel leonino perdia até na acareação com o do Braga – em minha defesa posso apenas alegar que Paulinho era então peça essencial no Minho. A verdade é que os gestores leoninos não terão ainda esquecido os pedidos de AG para a sua destituição ou as tarjas com o ‘VarandasOut’, guindadas por quem ainda acredita(va) em avantesmas. O Sporting demonstrou que é possível ser campeão sem as claques ou, mais apropriado a este caso, apesar delas. E isso, parecendo que não, não deixa de ser um serviço higiénico prestado ao futebol.
A ausência de público, sendo financeiramente devastadora, facilitou a vida a quem gere um clube balcanizado e a um treinador que precisava de afinar e agregar uma equipa repleta de mancebos e debutantes. E é óbvio que o título terá de ser também observado à luz de uma equipa excluída da Europa logo em Outubro e que, por força disso, não foi sujeita ao mesmo desgaste que a concorrência.
Mas nem isso reduz o mérito numa Liga que foi uma corrida de perigosos obstáculos. As férias encurtadas, a pré-época raquítica, o calendário apressado (que agravou o número de lesões) e, claro, a crise pandémica levaram as equipas ao limite das suas forças e converteram este campeonato num longo exercício de sobrevivência. E a verdade é que ninguém ganhou ao Sporting em obstinação e crença.
Outra equipa, menos trabalhada mentalmente, teria tido dificuldades em reerguer-se, por exemplo, após o 1-4 imposto pelo anónimo Lask Linz em Alvalade. Mas o Sporting respondeu com uma vitória em Portimão e com um assertivo empate (2-2) frente ao FC Porto. Foi um momento relevante, a par de mais meia dúzia: na 9.ª jornada, Rúben Amorim deu azo ao slogan "Onde vai um vão todos", na sequência dos incidentes que se seguiram ao empate em Famalicão (2-2), em que foi anulado um golo a Coates nos últimos instantes. Metamorfoseado de ponta-de-lança, o uruguaio acabaria por funcionar como um pronto-socorro e autor dos golos decisivos nas vitórias tardias sobre o Gil Vicente (jornada 18) e Santa Clara (jornada 22).
Antes, na jornada 13, já tinha acontecido o crucial triunfo sobre o Nacional (0-2), quando a tempestade Filomena impôs uma viagem apavorante e um relvado indecoroso. Neste rol entra ainda o triunfo sobre o Benfica (jornada 18), em que Matheus Nunes se transformou em herói inesperado com um golo aos 92’. O brasileiro voltaria a justificar os elogios presidenciais com outro golo ainda mais determinante e épico, em Braga, onde o Sporting se esmerou na arte de bem defender. E, pelo meio, ainda houve o nulo garantido no Dragão (jornada 21), que permitiu manter os inesperados e relaxantes dez pontos de vantagem. Houve períodos, claro, em que funcionou a estrelinha de Amorim e o Sporting marcava mais golos do que jogava, mas até essa circunstância ajudou a contribuir para a singularidade de um campeão low-cost… E justo!
Treinador
Rúben Amorim confiou até à exaustão no 3x4x2x1, mas a organização defensiva e a efectividade finalizadora reflectiram qualidade de treino. Ainda não se despojou dos modos de jogador e isso reflecte-se nas reacções no banco. Mas também ajudou na gestão e na aglutinação do balneário. É inata a forma franca, humorada e descomplexada como comunica. Mas essa singeleza jovial ajudou a libertar a equipa e a resolver um problema antigo no Sporting.
Destaques
O colectivo foi a principal riqueza do Sporting. Mas as principais individualidades podem dividir-se em dois grupos. No primeiro, está, claro, Coates, o xerife da defesa (mas beneficiado pelo amparo de mais dois centrais) e o pronto-socorro lá na frente. Mas Pote surge a par. Pelos 20 golos e assistências, mas também pela qualidade e descaramento. No segundo nível coloco Palhinha, Adán e Porro. A revelação foi Tiago Tomás, porque Nuno Mendes já era uma certeza.
V de Varandas e de Viana
A Frederico Varandas e Hugo Viana têm de ser dados muitos dos créditos do título. Agora é fácil dizer que os 13 jogos (e as 10 vitórias) de Amorim em Braga já indiciavam um técnico especial. Mas não foi nada pacífico quando o Sporting aceitou pagar, com dinheiro que ainda não tinha, os 10 milhões de euros (mais os acrescentos). Aprenderam com os erros e a Viana terá de se penhorar o engenho da descoberta de Porro, da aposta no mercado nacional e na sapiência de Adán, Feddal e João Mário. O plantel foi formado por forma a potenciar Nuno Mendes, Gonçalo Inácio, Tiago Tomás e outros da ‘fábrica’ de Alcochete, que voltou a ter estruturas dignas e qualificadas. Mais: a história desta liga seria bem diferente se Viana não tivesse desviado Nuno Santos e Pote da rota do Dragão. A chegada de Paulinho em Janeiro custou metade dos gastos em reforços, mas satisfez o treinador e deu outra dimensão ao jogo leonino.
Varandas teve de fazer um despedimento colectivo e, mesmo assim, é bem capaz de ser o presidente do Sporting com sucesso mais instantâneo: foi eleito em Setembro de 2018 (com apenas 42,32% dos votos) e, desde aí, arrecadou um título nacional, uma Taça de Portugal e duas Taças da Liga (para além da liga de futsal e dos dois títulos europeus de hóquei, entre múltiplos sucessos nas amadoras). As conquistas desta época premeiam quem, na hora do champanhe, soube dar palco aos jogadores e aos treinadores. Varandas mostrou ter aprendido que o presidente serve para presidir e para delegar competências. Mas o seu êxito também prova que se pode ganhar com uma dignidade e uma compostura que envergonha os incendiários e todos aqueles que nos tentam convencer de que o sucesso desportivo é sinónimo de baixeza e até de malfeitorias.»
Disse e bem Rúben Amorim, hoje ao fim da manhã, no lançamento do jogo que rematará esta temporada: «Na próxima época vamos sofrer muito mas temos mais treino. Não vai haver muitas mudanças no plantel, espero eu. O mercado tem as suas regras, mas a nossa ideia é não mudar muito. Os jogadores vão para um patamar diferente, não vamos apanhar toda a gente distraída...»
Sofrimento será algo que a grande nação sportinguista há muito não desconhece. Será por isso e obviamente a mais preparada entre todas as legiões de apoiantes do futebol em Portugal. Merecerá inteiramente protagonizar o que se adivinha e deseja...
Um novo ciclo no nosso futebol!...
Leoninamente,
Até à próxima
Primeira vez que leio ou ouço alguém do futebol usar a palavra assertividade correctamente.
ResponderEliminar